Um dos principais pontos de interligação do transporte público de São Paulo, o terminal Barra Funda por várias vezes foi palco de tumultos e cenas de violência em dias de jogos dos grandes times de futebol na cidade. Mesmo em partidas de "uma torcida só" era comum - não sei se ainda é - acontecer problemas.
Certa vez, nos anos 90, por muito pouco não fui vítima de um desses tumultos quando voltava da faculdade para casa. Logo após subir as rampas de acesso à parte superior do terminal, deparei-me com vários torcedores do Corinthians correndo na minha direção. Eles pareciam fugir de algo assustador. Um grupo vinha da outra rampa que dá acesso a área onde ficam as bilheterias e outro das escadas rolantes de acesso às plataformas do Metrô e dos trens da CPTM. Muitos subiam as escadas rolantes correndo desesperadamente e pulavam as catracas para fugir do que os perseguia, mas que aquela altura eu ainda não consegui ver o que era.
Poucos depois de descerem a rampa pela qual eu havia subido, os primeiros torcedores que passaram por mim voltavam correndo ainda mais. Atrás deles, várias motos com policiais militares da Rocam, uma espécie de Rota de motocicleta. Parecia cena do filme Mad Max. Por sorte, consegui entrar numa lanchonete no meio do terminal antes que os funcionários assustados baixassem as portas para tentar proteger o estabelecimento e a si próprios.
Como no local havia um grande vidro que dava para fora, eu e outras pessoas que conseguiram entrar acabamos assistindo de camarote às cenas de violência que tomaram conta do terminal. E demos conta de como nossa sorte não foi pouca: o arrastão policial, agora reforçado por homens a pé da Tropa de Choque, não fazia distinção e surrava sem dó quem estivesse pela frente. Como muitos passageiros que não eram torcedores também correram para fugir do tumulto, apanhavam igualmente dos policiais. Da segurança de nosso refúgio, vimos várias pessoas - torcedores ou não - sendo agredidas covardemente por policias. Quando o tumulto foi controlado era possível ver várias pessoas feridas, sangrando e alguns desmaiados estatelados no chão. Um desses, com a camisa do time, recebia pisões ou chutes na cara dos vários policiais que passavam sobre ele.
Quando viram que a situação se acalmou, os funcionários da lanchonete levantaram um pouco a porta para que nós saíssemos. O medo, no entanto, ainda era geral. Pois havia ainda a viagem para casa, onde poderia ocorrer mais problemas. Felizmente, nada aconteceu.
Para tentar evitar a violência nos dia de jogos, várias medidas foram sendo tomadas ao logo desses últimos anos. Uma delas - que não sei se ainda é adotada - foi reservar os últimos vagões dos trens e do metrô para torcedores nos dias de jogos.
Alguns anos depois do incidente relatado acima, desta vez já formado e voltando do trabalho, pude ver no mesmo terminal Barra Funda essa experiência em prática. O funcionamento era simples: todos os que estivessem com camisa de time eram orientados pelos seguranças da estação a irem para a ponta da plataforma. Um segurança que ficava logo na saída da escada instruía educadamente os torcedores, que respeitavam a orientação e aguardavam pacificamente no lugar estabelecido à chegada do trem.
Pouco depois que cheguei à plataforma, um jovem casal de torcedores - ambos vestidos com camisas do Corinthians sob jaquetas jeans abertas - abordou o segurança e pediu a ele que os liberasse para viajar nos vagões que não eram reservados aos torcedores. O segurança concordou e disse que fechassem bem suas jaquetas, de modo que não fosse possível ver a camisa do time. Os dois seguiram a instrução, fecharam suas blusas e, mesmo com uma pontinha que dava claramente para ver que se tratava de uma camisa corintiana, foram liberados e seguiram felizes para o meio da plataforma.
Alguns minutos depois, um solitário rapaz - que não havia presenciado a concessão ao casal - abordou o mesmo segurança e fez o mesmo pedido. Apesar de se antecipar à recomendação dada ao casal e se oferecer espontaneamente para ocultar sua camisa sobre a blusa que usava, teve o pedido recusado pelo segurança. Educadamente, ele explicou que não podia descumprir a regra. O rapaz insistiu um pouco mais, mas não teve jeito: foi para o vagão reservado aos torcedores.
Fiquei um tempo ali avaliando o que tinha visto e resolvi perguntar ao segurança porque ele havia liberado o casal e não o rapaz. Numa sinceridade reveladora, e com uma certa ternura no rosto, ele respondeu algo mais ou menos assim: "Olha só a carinha deles e olha a do rapaz". Inesquecível.
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