Henrique Avancini se aposentou das competições em agosto de 2023, mas ainda preserva o impulso de desenvolver o ciclismo brasileiro, da mesma forma que já vinha fazendo com a visibilidade que trouxe por feitos como ser bicampeão mundial de mountain bike maratona e liderar o ranking de cross country olímpico (XCO).
O fluminense de Petrópolis continua pedalando. Agora, desbrava picos emblemáticos, desafiadores ou pouco explorados do Brasil em seu projeto audiovisual intitulado Expedições, por meio do qual abriu caminho para o desenvolvimento de um plano de manejo e homologação de trilhas para bicicleta em parques nacionais, termo usado para se referir a áreas protegidas de grande extensão e de propriedade do Estado.
A terceira expedição de Avancini foi no Parque Nacional do Itatiaia, o primeiro parque do Brasil, criado em junho de 1937 e procurado por ciclistas por causa dos desafios impostos por sua topografia. Iniciado no asfalto de Engenheiro Passos e desembocado em percurso de terra na tríplice divisa entre Minas, Rio e São Paulo, o segmento percorrido foi de 38,5 km, com 1950 metros de desnível. Ou seja, muita subida. O trajeto hostil foi concluído pelo petropolitano em 1h43min55s.
Durante a visita, o ciclista presente nos dois últimos Jogos Olímpicos abriu uma janela de comunicação com a gestão do Parque do Itatiaia para expandir a rota de trilhas no Brasil. “Isso é uma movimentação que aconteceu globalmente, o segmento de trilhas para bicicleta. A gente tem alguns grandes parques ao redor do mundo em países mais desenvolvidos ou menos desenvolvidos. Isso é um modelo que funciona muito bem. A bicicleta é considerada um uso muito pouco agressivo e que traz uma amplitude maior para o bom uso dessas áreas protegidas”, explica Avancini ao Estadão.
De acordo com o multicampeão, o País tem um potencial que precisa ser explorado e a preservação será reforçada com a presença do mountain bike. A ocupação dessas áreas por ciclistas ajuda a coibir práticas como a caça ilegal e incêndios florestais, além de aumentar o leque de defensores das unidades de conservação.
“No Brasil, por incrível que pareça, a gente está bem atrasado nessa questão de de relacionamentos, de compartilhamento dos parques. É uma discussão muito válida, já é mais do que comprovado que o nível de impacto é muito pequeno e agrega muito valor para a proteção desses locais. Então, acho que é é um caminho que a gente precisa começar a se aprofundar agora.”
Avancini está alinhado a um movimento que já vinha ocorrendo em esferas administrativas. No final de fevereiro deste ano, foi publicado no Diário Oficial de União um acordo entre entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike) para definir novas estratégias de conservação e de educação ambiental a partir da prática do ciclismo.
Agora, as duas instituições estão produzindo um estudo para mapear as possibilidades de ampliação e criação de novas trilhas nas unidades de conservação ambiental. Tal movimentação tem um direcionamento muito voltado ao cicloturismo, mas, conforme avaliação de Avancini, é bastante importante também para o desenvolvimento do ciclismo profissional.
“A homologação das rotas ciclísticas é um ponto extremamente importante. A gente vê, por exemplo, na principal escola mundial do muntain bike, que é a Suíça, você roda o país inteiro em trilhas homologadas. Todas as cidades que você vai têm as rotas homologadas para bicicleta. Isso estimula muito o iniciante a ir se aprofundando no esporte até, eventualmente, sair um profissional desse uso recreativo”, diz.
O desafio de disseminar o ciclismo
Mundialmente influente no esporte, Henrique Avancini já conseguiu deixar o mountain bike mais popular entre os brasileiros com outras ações. Em 2022, quando ainda competia, ajudou a trazer uma etapa de Copa do Mundo para o Brasil após hiato de 17 anos. O local escolhido foi Petrópolis, sua terra natal. Neste ano, o País recebeu as duas etapas inaugurais da Copa, que conta pontos para a corrida olímpica, nas cidades de Mairiporã (SP) e Araxá (MG). Apesar dos avanços, o ciclista vê um caminho longo a ser percorrido para “furar a bolha”.
“O ciclismo se tornou grande no Brasil, porem é grande dentro do nicho, dentro de uma linguagem específica, de eventos específicos. Às vezes, a gente falha em levar conhecimento para um alcance mais intermediário, mais iniciante, trazer quem está começando a pedalar para se conectar com as outras vertentes do esporte. É muito difetente de quem acompanha basquete e futebol. Às vezes a pessoa nunca encostou em uma bola, mas acompanham de forma profunda. No ciclismo, quem começa a pedalar se aprofunda e se envolve muito com a bicicleta dentro da esfera esportiva”, avalia.
“É um dos poucos esportes que tem uma abrangência muito maior que o esporte, é lazer, estilo de vida, transporte. Nós, indústria da bicicleta, atletas, outros envolvidos investiram muito na construção cultura do esporte dentro de um nível muito profundo. Acaba que a gente fica dentro da nossa bolha e se você não faz parte, não consegue nem entender a língua que a gente fala. Isso acaba se tornando uma grande barreira. A entrada de mais pessoas é o que realmente transforma o esporte em algo cultural no país. Então, esse é desafio”, completa.
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Pedalando e incentivando
No próprio projeto Expedições, Avancini faz uma espécie de divulgação do esporte, ao mesmo tempo em que fortalece conexões com pessoas do meio. Até aqui, foram lançados três episódios. Antes do Parque do Itatiaia, os giros foram no Pico do Jaraguá, em São Paulo, e na Serra da Estrela, em Petrópolis. O ciclista se conecta com os entusiastas do esporte tanto on-line, compartilhando seus tempos no aplicativo Strava, como pessoalmente, durante as expedições.
“O objetivo é sempre mostrar lugares que sejam emblemáticos ou muito desafiadores. Têm rotas, montanhas magníficas, poucos conhecidas, assim como tem locais muito conhecidos. O fato de eu ir até lá e divulgar é a parte principal do projeto. O registro do meu esforço é uma coisa interessante pra quem acompanhar ver o cara que já foi profissional faz determinado tempo e vira um parâmetro, mas o objetivo é divulgar a parte mais cultural da bicicleta”, afirma.
Há, inclusive, apelos de ciclistas que querem vê-lo pedalando em seus locais favoritos. “Tem comentários, gente mandando e-mail, gente falando comigo em eventos de bike, convidando para lugares. Tem sido muito legal ver o interesse das pessoas querendo que eu conheça e divulgue o lugar que elas gostam, que elas acham que são desafiadores, bonito ou emblemático.’
O campeão mundial também incentiva o ciclismo com sua própria equipe, criada no ano passado e pela qual competia quando se aposentou. A Henrique Avancini Racing hoje abriga Ulan Galinski, um dos mais promissores talentos do mountain bike e na briga por vaga nos Jogos Olímpicos de Paris-2024, embora ainda em evolução para atingir o nível que foi atingido por seu mentor.
“É um atleta com margem de melhora, um atleta ainda se descobrindo, se estabelecendo numa pelotão mundial. Fez o primeiro top 20 dele agora. Então, projetar coisas exageradas atrapalham muito o desempenho dos atletas no Brasil em modalidades individuais. Acho que a preocupação é ele conseguir passar pelo processo de classificação e isso amadurece muito o atleta, porque é uma pressão constante por performance. Não é só para os Jogos Olímpico, ele tem a pressão para performance em toda prova que ele participar. Se classificando, tem de ir aos Jogos, entender como funciona e tentar performar. Depois disso, projetar algo melhor”, afirma.