Maior nadador da história do Brasil, Cesar Cielo reluta em se aposentar. Mesmo afastado das grandes competições há cinco anos, o recordista mundial dos 50 metros livre admite dificuldade em oficializar sua despedida do mundo dos atletas profissionais. Seus olhos ainda brilham quando fala em competir. Não por acaso ele não sai das piscinas, tanto para manter a forma física quanto para pensar em novos projetos e desafios.
Em entrevista ao Estadão, o dono de três medalhas olímpicas revelou que ainda está digerindo o fim de sua vitoriosa carreira. “Não sei se todo atleta passa por isso. Mas a sensação de ‘acabou’ é bem difícil, viu! Emocionalmente, é mais difícil do que qualquer final que eu participei”, comparou o brasileiro seis vezes campeão mundial.
Cielo anunciou sua aposentadoria em abril do ano passado. Mas, ao menos no papel, ele é um atleta profissional. “Oficialmente, eu não saí do mundo dos atletas profissionais. Estou apto a competir. Se eu quiser competir amanhã, eu poderia. Mas isso não vai acontecer”, afirmou, entre risos. “Os papéis só não estão assinados. Mas eu já tentei umas três vezes. Na verdade, foram mais vezes. Na hora que coloco a caneta perto do papel, eu não consigo assinar. Estou esperando alguém fazer isso por mim. Eu ainda não consigo.”
O papel a que se refere Cielo é um documento que confirma o desligamento do sistema antidoping. Na prática, é quando o esportista abre mão de ser testado porque decide não disputar mais competições profissionais. Assim, o nadador ainda é submetido a exames antidoping. “Ainda sou testado, embora com cada vez menos frequência. Acho até que me abandonaram”, brincou o atleta, que não descartou participar de competições nacionais. “Se eu decidir voltar a treinar, não me vejo voltando a buscar vaga na seleção. Quem sabe nadar um revezamento no Troféu José Finkel…”
Cielo conta que as dificuldades na transição de carreira o fez se afastar das piscinas por quase dois anos. “Eu tive esse momento, de não querer chegar perto da piscina. E ainda tenho uns lapsos. Tem hora que chego na frente de uma academia e me dá um pavor, não é uma crise de pânico. Mas é uma pergunta que vem na cabeça: ‘Por que você está aqui? Você não faz mais isso’. Não é preguiça. É uma conversa intensa, em que eu penso ‘já deu’”.
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Um esforço interno fez o atleta rever o jeito como encarava a natação. “Acabei chegando à conclusão de que tenho que ficar feliz porque aconteceu, não triste porque acabou. Essa ideia mudou meu sentimento quanto ao fim da carreira. Me tirou um peso enorme das minhas costas. E aí voltei para a piscina”, contou.
O retorno também teve uma motivação mental. “Chegou uma hora que começou a fazer falta porque nadar é minha meditação, sou só eu e meus pensamentos, sem nenhuma distração. Quase terapêutico. Esse período sem treinar afetou meu bem-estar. Ficava bravo, irritado, reclamão. Chegou a um ponto que o pessoal lá de casa me pediu para voltar a nadar.”
Novos recordes
Ao fazer as pazes com as piscinas, Cielo passou a dar maior atenção às redes sociais, onde também divulga seu trabalho como palestrante (foram 130 somente em 2023) e promove a natação, sempre tentando atrair novos adeptos à prática esportiva, principalmente as crianças.
Foi com esse objetivo que ele iniciou um desafio que vem ganhando novas proporções nos últimos meses. Com uma rotina de duas a três viagens por semana, ele passou a cronometrar tiros no estilo livre nas piscinas dos hotéis por onde passa, “estabelecendo” o recorde do local. Foi justamente neste estilo que ele brilhou nas principais competições do mundo, com medalhas de ouro e recordes olímpicos e mundiais - ainda detém a marca dos 50m livre (20s91).
“Das vezes que fiz isso, não recebi nenhum centavo. Nenhum hotel me pagou para fazer o tiro, foi espontâneo. Foi tudo num clima de brincadeira para divulgar a natação. Num deles, disse: ‘Olha aí, galera, passei por Maceió e o recorde está aqui para quem quiser tentar bater. Deixei minha marca’. É aquela coisa de tentar juntar o útil ao agradável.”
Cielo diz que não há nenhum registro formal destas marcas, com placa ou alguma sinalização. “Não desenhamos nada, não fizemos nenhum tipo de placar para oficializar o recorde. Mas estamos deixamos as marcas pela internet mesmo.”
A brincadeira, contudo, pode virar negócio no futuro. “O pessoal começou a entrar em contato comigo esses dias. Eu até brinquei: acho que criamos algo que pode virar um negócio. Quando criamos, era uma coisa divertida, pra molecada tentar bater o recorde. De repente, uns condomínios ligaram para a gente: ‘Ô Césão, vem aqui bater o recorde da nossa piscina’. Eu falei: ‘que viagem!’. Nunca tinha parado para pensar nisso, mas pode ser um negócio, pode virar algo legal. Não estamos muito longe disso.”
O negócio, então lúdico, poderá até ganhar patrocinadores. “Recebi uma ligação esses dias para nadar num condomínio. E aí percebi que estamos entrando em outra situação porque vou acabar ajudando a promover construtoras. O negócio está virando sério, então estamos vendo a possibilidade. Abrimos uma porta nova.”