Faltando pouco mais de um ano para os Jogos de Paris, o Comitê Olímpico Internacional (COI) recebe pressão de todos os lados pelo seu posicionamento quanto à participação da Rússia e de Belarus na busca por vagas na Olimpíada. A entidade divulgou nesta terça-feira uma recomendação às federações para que atletas dos dois países, previamente suspensos como punição pela invasão à Ucrânia, sejam liberados para disputar competições internacionais. A orientação irrita competidores e nações contrárias à guerra, enquanto a própria Rússia, do presidente Vladimir Putin, reclama dos critérios estabelecidos para a participação do seu país.
Mesmo sem se posicionar oficialmente, o COI deu diversos indícios ao longo dos últimos meses de que pode aceitar a participação de atletas russos e belarussos na próxima Olimpíada, desde que ele compitam sob bandeira neutra. O comitê argumenta que os atletas de ambas as nações “não podem ser banidos para sempre”. O anúncio da participação dos países ou não ocorrerá em “momento oportuno”, segundo a entidade. Vale lembrar que a Rússia ainda está em guerra contra a Ucrânia.
A recomendação não caiu bem na comunidade esportiva internacional. Na segunda-feira, a Ucrânia ganhou apoio de Estônia, Lituânia e Letônia para que russos e belarussos sigam impedidos de disputar competições olímpicas, mesmo sob bandeira neutra, enquanto não acabar a invasão russa em solo ucraniano. Anteriormente, a Polônia também já havia se solidarizado com a Ucrânia. Os cinco países emitiram um comunicado cobrando o comitê pela manutenção da suspensão.
Horas depois, uma carta aberta assinada por 323 esgrimistas pediu ao COI e à Federação Internacional de Esgrima que a exclusão de atletas da Rússia e de Belarus seja mantida nas competições internacionais. No texto, dizem que “a voz dos atletas não está sendo escutada”. Foi a primeira vez que um grupo de atletas se manifestou sobre o tema. A carta ressalta que a guerra na Ucrânia matou 232 esportistas e destruiu 343 instalações esportivas, além de ter obrigado 40 mil atletas a deixarem o país. As federações de boxe e esgrima — ambas presididas por russos — aprovaram recentemente a readmissão de atletas de ambos os países.
Alemanha e Polônia foram os países que se posicionaram com mais veemência contra a recomendação do COI. Nancy Faeser, ministra do Interior alemã, considerou a reintegração de atletas russos e belarussos às competições internacionais “uma bofetada nos atletas ucranianos”. O vice-ministro de Relações Exteriores polonês Piotr Wawrzyk, por meio das redes sociais, classificou a data desta terça-feira como o “dia da vergonha” e criticou o comitê pela decisão. “O que a Rússia fez de positivo para permitir que seus atletas voltem a disputar competições internacionais?”, indagou.
Mesmo com o aceno positivo, a Rússia também não ficou satisfeita com a resolução e classificou a decisão da entidade de “farsa” por causa das condições estabelecidas. Stanislav Pozdniakov, presidente do Comitê Olímpico Russo, considerou o status de neutralidade para os atletas russos e belarusso uma violação dos direitos humanos, além de ter chamado os outros critérios estabelecidos pelo comitê, como testes adicionais antidoping e o veto de competidores filiados às forças militares de segurança, “gratuitos”, “excessivos” e “sem base legal”. “Isso impede a participação de quase 30% dos atletas. Isso contradiz a Carta Olímpica. Exigimos condições iguais para os atletas de todos os países”, afirmou, em entrevista coletiva.
PUNIÇÃO, AFROUXAMENTO E PRECEDENTE
Há um ano, quando a Rússia iniciou a invasão à Ucrânia com o apoio estratégico de Belarus, o conselho executivo do COI recomendou às federações que proibissem atletas russos e belarussos de competirem em seus eventos. Nenhuma bandeira, símbolos, cores deveriam ser exibidos, bem como o Hino nacional ficou proibido de ser executado. Segundo a entidade, a decisão tinha como base “proteger a integridade das competições esportivas globais” e “garantir a segurança” de todos os participantes.
A Rússia já havia experimentado a punição nos Jogos de Tóquio, em 2021, quando competiu sob bandeira neutra, com a alcunha de Comitê Olímpico Russo (ROC). O país havia recebido uma suspensão de dois anos pelo Tribunal Arbitral do Esporte (CAS, sigla em inglês) por causa dos escândalos de doping. Apesar da sanção ter expirado em dezembro de 2022, os russos continuaram proibidos de ostentar sua bandeira por causa da penalização referente à guerra na Ucrânia.
Em tom apaziguador, Thomas Bach, presidente do COI, afirmou em outubro do ano passado que os atletas não deveriam ser punidos pelo conflito no Leste Europeu, demonstrando apoio aos dirigentes de Rússia e Belarus, e condenando a “politização do esporte”. Em janeiro, a entidade acenou positivamente à possibilidade de ambos os países retornarem a competir — condicionados a fazê-lo sob bandeira neutra. A postura desagradou o presidente ucraniano Volodymyr Zelensk, que defende a exclusão total de competidores dos países que atacam a Ucrânia.
O COI citou a guerra civil na antiga Iugoslávia para se mostrar favorável à presença das delegações na França. Na Olimpíada de Barcelona, em 1992, os atletas iugoslavos foram autorizados a competir individualmente como “participantes olímpicos independentes”, mesmo o país de origem estando sob sanções das Nações Unidas. Barrar a Rússia dos Jogos de Paris seria uma medida mais rigorosa do que as anteriores do COI contra o país de Putin.
Vale ressaltar que a exceção não se aplica a quem demonstrou apoio à guerra. É o caso do nadador Yevgueni Rilov, que conquistou três medalhas nos Jogos de Tóquio, duas delas de ouro, nos 100 e 200 metros costas. O atleta exibiu em sua roupa uma letra Z, símbolo da invasão russa, em uma competição no ano passado. A Fina (Federação Internacional de Natação) suspendeu o atleta por nove meses. Ele estava entre os vários atletas que participaram de um comício de Putin no Estádio Luzhniki, em Moscou. O governo russo criticou a decisão citando a “politização do esporte”, reproduzindo o argumento de Thomas Bach.