De onde vem a alma de uma cidade? Onde ela mora ou se esconde? O meu palpite é que a essência de Doha possa ser encontrada no seu mercado centenário, o Souq Waqif.
Acho que o mesmo acontece em outras cidades e seus respectivos mercados. São Paulo pulsa no nosso Mercadão; Barcelona encontra tradução no La Boqueria e por aí vai.
Conheço o Souq apenas como cenário, como fundo para os programas de pós-jogo ou como aquele lugar em que torcedores se acotovelam atrás de um repórter de TV. Mas, apesar de tão distante e inacessível, o Souq é um “atiçador” de imaginação.
Com um pouco de esforço, é possível sentir o cheiro de especiarias e o calor escaldante do lugar. Com mais atenção, se ouvem até as moedas passando de mão em mão, o tilintar das quinquilharias e o zum-zum da arte de pechinchar.
Posso até vislumbrar os tecidos coloridos, os tapetes voadores, a fumaça saindo dos bules de café, as lâmpadas mágicas (e os gênios que saem de dentro delas), os camelos de plástico, as ampulhetas cheias de areia e as frutas e folhas secas. Por lá, vendedores convencem os distraídos e os carecas sobre as maravilhas de um turbante em promoção.
Na hora das refeições, um ligeiro exercício de projeção astral me faz sentar em uma de suas mesinhas bambas (com um calço improvisado). Mordo meu kebab de faz de conta enquanto brinco com um cachorro que me olha pidão (cachorro que sempre quis ser um dromedário). Crianças jogam bola do meu lado. E tem um menino que se autodenomina Neymar ou Vini, tanto faz.
Tem música misturada com oração; tem o assovio do vento contando um segredo; tem a cor amarelada das paredes camuflando camaleões.
Por lá, penso cruzar com beduínos misteriosos, com um Sheik falastrão, com um Indiana Jones apressado, um 007 em apuros ou com o Messi fugindo da concentração. E também com uma mulher misteriosa - que pode ser uma serpente ou um falcão.
Sonho que pelos corredores do mercado também exista um frisson de resistência, de conspiração mesmo.
Assim, eu posso inventar que atrás de um sisudo estande de narguilé, de um comerciante insuspeito, esconda-se um templo de rebeldia. Minha cabeça ocidentalizada descreveria o espaço como um “speakeasy”. Um esconderijo em que seria possível tomar uma cerveja gelada e, ao mesmo tempo, ouvir uma mulher discutir apaixonadamente sobre liberdade e Direitos Humanos. Na plateia, quem sabe, a gente pudesse encontrar meninas dançando com vestidos esvoaçantes ou flagrasse casais na maior (e melhor) pegação.
É que no Souq Waqif da minha cabeça pode...
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