Filipe Toledo encerrou quatro temporadas no top 5 de surfistas do mundo, flertando com o título em algumas delas, antes de se tornar campeão mundial em 2022. Repetiu a dose ao bater o australiano Ethan Ewing, na decisão do WSL Finals no último sábado, e se tornou o primeiro brasileiro bicampeão consecutivo do Circuito, desfecho fruto da determinação cultivada pelo surfista no contato com a família, amigos e companheiros de trabalho.
“Essa coisa de bater na trave, eu tive muitos exemplos assim. De grandes profissionais, pessoas gigantescas dentro do esporte, mas dentro de casa, meu pai, o Matheus (irmão mais velho), minha mãe. A história de vida, a persistência e a determinação sempre estiveram no sangue. Eu tirei esse exemplo de dentro de casa. Determinação, nunca desistir, sempre entregar o máximo. Se não der certo, saber que entregou o seu melhor. O exemplo estava dentro de casa”, disse o paulista de Ubatuba em entrevista coletiva neste domingo.
Tal determinação é compartilhada por seus contemporâneos da “Brazilian Storm”, como é a chamada a atual e vencedora geração do surfe brasileiro, que conquistou sete títulos nas últimas dez temporadas. Adriano de Souza “Mineirinho” tem uma conquista, assim como Italo Ferreira, enquanto Gabriel Medina é tricampeão. Ser um surfista determinado, contudo, não é o suficiente para explicar o sucesso brasileiro, que Filipinho atribui à capacidade de quebrar barreiras.
“Se eu falar que eles (os estrangeiros) não têm a mesma garra, a determinação, eu vou estar mentindo, eles têm. Acho que só é de um jeitinho diferente. Para gente do Brasil sempre foi tudo mais difícil em questão de oportunidade e quando pegamos essa oportunidade não deixamos escapar. Acho que essa é a grande diferença”, disse.
A possibilidade de ser o primeiro representante do Brasil bicampeão de forma consecutiva causou ansiedade em Filipe Toledo. Competir como campeão foi fruto de um nervosismo maior do que o sentido na temporada passada, quando ele venceu o circuito pela primeira vez e colocou fim à série de frustrações que havia vivido nas edições anteriores.
“A primeira eu estava muito mais tranquilo. Nessa, fiquei muito mais nervoso, mais um nervoso para o lado bom. Fiquei querendo competir, saber com quem ia competir contra. Ano passado, não estava preocupado com isso, esse ano, estava mais agitado, mas consegui ficar tranquilo”, disse. “Isso, dos pensamentos ruins, é a insegurança de saber se vai conseguir, se vai vir, duas seguidas ainda, era a história a ser feita, com a família toda na praia, todo mundo acompanhando. A nossa mente fica manipulando a gente e querendo nos levar para o lado mais fraco. Consegui deixar tudo isso de lado e entrar no modo competição”, comentou.
A forma como o título foi conquistado também foi muito valorizado pelo surfista ubatubense, que acredita ter feito a melhor bateria de sua vida na primeira disputa da melhor de três decisiva. Do outro lado, ele encontrou um adversário protagonista de uma campanha incrível. O Ethan Ewing lesionou duas vértebras um mês antes do Finals e chegou a ser dúvida, mas foi competir.
Quarto colocado do ranking, o australiano começou na segunda rodada e bateu o brasileiro João Chianca, o Chumbinho, antes de eliminar o compatriota Jake Robinson e enfrentar Filipinho, primeiro do ranking, que apenas aguardava a definição do rival para a decisão. A primeira bateria foi vencida por 17,97 a 17,23 pelo brasileiro, que apresentou bons aéreos para alavancar sua pontuação.
“Foram duas baterias difíceis, totalmente diferentes. A primeira bateria acho que foi uma das melhores baterias que já fiz. Falando com os amigos, com a família, todo mundo falou ‘foi uma das melhores baterias que já vi na minha vida. Foi um show de surfe, tivemos muita oportunidade e venceu que surfou mais. Não tem muito o que falar”, disse o bicampeão.
Já o triunfo na segunda bateria, por 14,27 a 12,37, veio graças a uma estratégia inteligente de Filipinho diante de um mar mais calmo do que no confronto anterior. “Como eu moro aqui e conheço a onda, isso fez diferença. Fiquei ali cozinhando nos primeiros 20 minutos, fomos pegar (as ondas) faltando uns 15 minutos. Enquanto estava ali, resolvi começar a pegar porque sabia que ia demorar pra vir onda, colocar duas ondas em cima dele, porque sabia que ele iria esperar a maior da série. Foi praticamente o que aconteceu, ele conseguiu pegar uma, mas quando ele teria a oportunidade, eu estava com a prioridade. Foi mais um jogo de xadrez do que a primeira”.
No ano que vem, o paulista vai disputar a Olimpíada de Paris-2024, assim como Chumbinho, e está animado com a estreia olímpica. No Japão, em 2021, os representantes brasileiros foram Italo Ferreira, medalhista de ouro, e Gabriel Medina. “O foco é começar o próximo ano tranquilo no circuito e aí, conforme vai acontecendo, chegando a Olimpíada... e será o foco sem dúvida. Vou dar o meu máximo para poder representar muito bem o nosso país e o Chumbinho vai fazer a mesma coisa. Compartilhar essa experiência com ele vai ser irado”.