Espanha x Brasil: saiba o que a CBF planejou para apoiar Vini Jr. em amistoso contra o racismo


Jogo da seleção brasileira será totalmente focado no astro do Real Madrid, voz antirracista mais forte do futebol neste momento

Por Bruno Accorsi
Atualização:

“Uma só pele, uma só identidade”. Este é o lema da campanha antirracismo que será colocada em prática no amistoso entre Espanha e Brasil, marcado para as 17h30 (horário de Brasília) de terça-feira, no Santiago Bernabéu, onde o astro da seleção Vinícius Júnior está muito acostumado a jogar, mas com a camisa do Real Madrid, dono do estádio. Mesmo antes de a partida começar, é possível afirmar com segurança que o atacante será o protagonista do dia, até porque está diretamente envolvido na questão social que envolve o duelo.

Os inúmeros ataques racistas sofridos por Vini Jr em solo espanhol motivaram a CBF a se unir à Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) para realizar um amistoso voltado à luta contra o racismo. A figura do jogador do Real Madrid será utilizada como símbolo da campanha, em ações que vão desde a colocação de cartazes em várias partes do estádio e áreas técnicas, até os painéis de entrevistas.

A seleção brasileira fez um amistoso com Guiné, em junho do ano passado, também na Espanha, mas em Barcelona, no estádio do Espanyol. Vini jogou e marcou o quarto gol da goleada por 4 a 1. Na ocasião, o Brasil vestiu um uniforme todo preto pela primeira vez em 109 anos de história e lançou a campanha “Com racismo não tem jogo”. Tudo isso foi feito após uma consulta a Vini, em razão do jogo ser numa cidade espanhola. Não houve registro de ataques contra ele.

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Vini Jr celebrou gol contra o Valencia com o punho cerrado, no Mestalla, onde foi alvo de racismo.  Foto: Biel Aliño/Efe

Desta vez, a diferença é que do outro lado do campo estará a Espanha, o que deve atrair mais torcedores locais ao Santiago Bernabéu. Conforme apurado pelo Estadão, contudo, a CBF e demais organizadores não demonstram tanta preocupação com possíveis ataques contra Vinícius Júnior por entenderem que o estádio do Real Madrid é “a casa” do jogador. A expectativa é de que o espírito seja o extremo oposto.

A seleção espanhola conta com 17 adversários que atuam contra o brasileiro na liga nacional. Um deles é José Luis Gaya, lateral-esquerdo do Valencia que ficou conhecido por criticá-lo após os episódios de ataques racistas. Antes de Valencia e Real Madrid empatarem por 2 a 2, em partida com dois gols e comemoração com punho cerrado de Vini Jr, no início deste mês, o defensor minimizou as acusações de racismo feitas pelo rival em maio ano passado, quando gritos de “macaco” foram entoados nas arquibancadas do Estádio Mestalla, em outro duelo entre valencianos e merengues.

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“O tratamento que foi dado ao Valencia e aos torcedores me pareceu muito injusto. Estou aqui há 10 anos e nunca aconteceu nada nesse sentido. É verdade que houve quatro ou cinco que agiram de forma tola, e o Valencia agiu da melhor forma que pôde, expulsando-os. Essas pessoas não poderão mais voltar ao estádio, mas acho que o Valencia, a cidade e todas as pessoas são um exemplo de torcedor em tudo. Não se pode dizer que os torcedores do Valencia são racistas porque quatro ou cinco idiotas fizeram isso. Parece muito injusto para mim”, reclamou Gaya.

No dia da partida citada por Gaya, a força dos cânticos racistas era tanta que o sistema de áudio do estádio chegou a pedir para os torcedores locais pararem. Foi depois deste duelo, vencido por 1 a 0 pelo Valencia, que o camisa 7 do Real Madrid endureceu o tom e passou a ser mais combativo, até porque já havia passado por muitas situações parecidas. “Lamento pelos espanhóis que não concordam, mas hoje, no Brasil, a Espanha é conhecida como um país de racistas”, chegou a dizer. A partir daí, começou a ter mais apoio da LaLiga, embora tenha enfrentado resistência em um primeiro momento.

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Desde então, Vini Jr passou a ser visto como uma referência mundial na luta contra o racismo dentro do esporte, o que não impediu que continuasse sendo vítima, como foi há cerca de uma semana. Torcedores do Atlético de Madrid o chamaram de chimpanzé, como é possível ver em vídeo gravado na parte de fora do Estádio Metropolitano, antes de uma partida que sequer envolvia o Real, contra a Inter de Milão.

“Espero que vocês já tenham pensado na punição deles Champions League, UEFA. É uma triste realidade que passa até nos jogos que eu não estou presente”, escreveu nas redes sociais o jogador, que ganhou apoio até do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “É inacreditável que na segunda década do século 21 ainda exista um comportamento desse tipo. Toda a nossa solidariedade ao Vini Jr. Ele merece todo respeito e admiração pelo seu talento e competência, não essas manifestações de barbárie racista”, afirmou o petista.

Em sua luta, Vinícius cruzou o caminho de outros esportistas que se tornaram símbolos no combate ao racismo. É o caso de Colin Kaepernick, ex-jogador de futebol americano que se ajoelhou durante o hino dos Estados Unidos, em 2016, para protestar contra a violência policial contra negros. Muito criticado, ele foi acusado de desrespeitar a nação americana, não encontrou um time para jogar em 2017 e nunca mais voltou à NFL. Juntos, Vini e Kaepernick protagonizaram um campanha da Organização das Nações Unidas (ONU) contra o racismo, lançada nesta quinta-feira, 21, Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.

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“Penso não apenas sobre as minhas experiências pessoais, mas também sobre a luta mais ampla pelo respeito dentro e fora do esporte. Está muito claro: ainda há muito a ser feito. Precisamos de igualdade, de um mundo onde todos, independentemente da cor, tenham igualdade de oportunidades. Como defensor dos direitos humanos da ONU, estou empenhado em enfrentar a discriminação de frente e liderar o ataque contra a injustiça. Unidos com meu irmão Kaepernick, continuaremos lutando, silenciando as vozes do ódio e abrindo caminho para um mundo mais igualitário e inclusivo”, disse o jogador brasileiro.

Um amistoso de futebol pode ser realmente útil na luta contra o racismo?

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Lemas e campanhas contra o racismo não são novidade no futebol, e casos do tipo continuam ocorrendo. É fácil lembrar do “Somos todos macacos”, campanha polêmica criada pelo estafe de Neymar na época em que o lateral Daniel Alves ironizou ato racista ao comer uma banana atirada no gramado, em 2014, enquanto defendia o Barcelona contra o Villarreal. Neste caso, houve críticas à frase em si, e a ação foi interpretada como comercialização e banalização da causa.

Dez anos depois, embora ainda ocorram muitos equívocos, o tom está mais ajustado em algumas esferas da sociedade. Marcelo Carvalho, diretor executivo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, vê as ações do jogo desta terça-feira como uma oportunidade de “marcar território”.

“Muitas vezes eu vejo as pessoas cobrando posicionamento da CBF, dos jogadores. Então, um jogo desse é na verdade um posicionamento. É marcar a posição dizendo: ‘olha nós queremos falar ou estamos falando sobre racismo’”, afirma. “Você está chamando atenção na sociedade, dizendo ‘olha aqui a temática.’ A razão é um ponto crucial do que está acontecendo. Nós, enquanto sociedade brasileira, enquanto CBF, jogadores, estamos muito atentos para isso. Esse é o recado que a gente sempre pensou que o futebol poderia dar. E aí ele vai dar né?”

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Uma sequência de eventos e o racismo constante contra Vini Jr foram os motivadores da entidade de usar o futebol para passar uma mensagem. O atacante já tem feito isso e foi a postura dele que permitiu construir algo de maior proporção. Marcelo Carvalho defende que o fato de o jogador ter trazido grandes instituições, como CBF e RFEF, para o seu lado leva segurança a outros jogadores que desejam se manifestar.

Vini Jr. demais jogadores vestiram uniforme preto inédito da seleção em jogo contra Guiné. Foto: Joilson Marconne / CBF

“A partir do momento que um jogador de futebol está dentro da seleção brasileira, dentro daquele ambiente e sente que aquele ambiente protege ele e permite ele se expressar, com certeza nós vamos ter outros jogadores se posicionado. Por isso que eu digo que é importante a CBF marcar posição, porque, querendo ou não, está estimulando que outros jogadores também falem, além de Vini Júnior, além do Richarlison”, afirma, citando o atacante do Tottenham, também conhecido por se posicionar sobre questões políticas e sociais.

Há também o caso do atacante Paulinho, do Atlético-MG que foi vítima de intolerância religiosa. Ele costuma comemorar gols fazendo o gesto que simboliza a flecha de Oxóssi, orixá que presente tanto nas crenças do Candomblé quanto da Umbanda, duas religiões afro-brasileiras. Ao ser convocado na última data Fifa de 2023, celebrou “Nunca foi sorte, sempre foi Exú” e recebeu uma enxurrada de comentários preconceituosos após fazer sua estreia pela seleção principal em derrota por 2 a 1 para a Colômbia. “Nossa luta é diária... Seguimos. Gratidão aos orixás”, respondeu.

“Daniel Alves comeu a banana e muita gente disse ‘ele venceu o racismo’. ‘Porque o Fulano fez um gol e calou os racistas.’ Mas para o racista, ele não calou. No fundo ele comeu banana e para o racista não mudou nada. Agora, um cara se manifestando, você tendo o olhar do mundo inteiro direcionado à Espanha por conta do Vinícius Junior, isso sim mexe com racismo”, conclui Marcelo Carvalho.

“Uma só pele, uma só identidade”. Este é o lema da campanha antirracismo que será colocada em prática no amistoso entre Espanha e Brasil, marcado para as 17h30 (horário de Brasília) de terça-feira, no Santiago Bernabéu, onde o astro da seleção Vinícius Júnior está muito acostumado a jogar, mas com a camisa do Real Madrid, dono do estádio. Mesmo antes de a partida começar, é possível afirmar com segurança que o atacante será o protagonista do dia, até porque está diretamente envolvido na questão social que envolve o duelo.

Os inúmeros ataques racistas sofridos por Vini Jr em solo espanhol motivaram a CBF a se unir à Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) para realizar um amistoso voltado à luta contra o racismo. A figura do jogador do Real Madrid será utilizada como símbolo da campanha, em ações que vão desde a colocação de cartazes em várias partes do estádio e áreas técnicas, até os painéis de entrevistas.

A seleção brasileira fez um amistoso com Guiné, em junho do ano passado, também na Espanha, mas em Barcelona, no estádio do Espanyol. Vini jogou e marcou o quarto gol da goleada por 4 a 1. Na ocasião, o Brasil vestiu um uniforme todo preto pela primeira vez em 109 anos de história e lançou a campanha “Com racismo não tem jogo”. Tudo isso foi feito após uma consulta a Vini, em razão do jogo ser numa cidade espanhola. Não houve registro de ataques contra ele.

Vini Jr celebrou gol contra o Valencia com o punho cerrado, no Mestalla, onde foi alvo de racismo.  Foto: Biel Aliño/Efe

Desta vez, a diferença é que do outro lado do campo estará a Espanha, o que deve atrair mais torcedores locais ao Santiago Bernabéu. Conforme apurado pelo Estadão, contudo, a CBF e demais organizadores não demonstram tanta preocupação com possíveis ataques contra Vinícius Júnior por entenderem que o estádio do Real Madrid é “a casa” do jogador. A expectativa é de que o espírito seja o extremo oposto.

A seleção espanhola conta com 17 adversários que atuam contra o brasileiro na liga nacional. Um deles é José Luis Gaya, lateral-esquerdo do Valencia que ficou conhecido por criticá-lo após os episódios de ataques racistas. Antes de Valencia e Real Madrid empatarem por 2 a 2, em partida com dois gols e comemoração com punho cerrado de Vini Jr, no início deste mês, o defensor minimizou as acusações de racismo feitas pelo rival em maio ano passado, quando gritos de “macaco” foram entoados nas arquibancadas do Estádio Mestalla, em outro duelo entre valencianos e merengues.

“O tratamento que foi dado ao Valencia e aos torcedores me pareceu muito injusto. Estou aqui há 10 anos e nunca aconteceu nada nesse sentido. É verdade que houve quatro ou cinco que agiram de forma tola, e o Valencia agiu da melhor forma que pôde, expulsando-os. Essas pessoas não poderão mais voltar ao estádio, mas acho que o Valencia, a cidade e todas as pessoas são um exemplo de torcedor em tudo. Não se pode dizer que os torcedores do Valencia são racistas porque quatro ou cinco idiotas fizeram isso. Parece muito injusto para mim”, reclamou Gaya.

No dia da partida citada por Gaya, a força dos cânticos racistas era tanta que o sistema de áudio do estádio chegou a pedir para os torcedores locais pararem. Foi depois deste duelo, vencido por 1 a 0 pelo Valencia, que o camisa 7 do Real Madrid endureceu o tom e passou a ser mais combativo, até porque já havia passado por muitas situações parecidas. “Lamento pelos espanhóis que não concordam, mas hoje, no Brasil, a Espanha é conhecida como um país de racistas”, chegou a dizer. A partir daí, começou a ter mais apoio da LaLiga, embora tenha enfrentado resistência em um primeiro momento.

Desde então, Vini Jr passou a ser visto como uma referência mundial na luta contra o racismo dentro do esporte, o que não impediu que continuasse sendo vítima, como foi há cerca de uma semana. Torcedores do Atlético de Madrid o chamaram de chimpanzé, como é possível ver em vídeo gravado na parte de fora do Estádio Metropolitano, antes de uma partida que sequer envolvia o Real, contra a Inter de Milão.

“Espero que vocês já tenham pensado na punição deles Champions League, UEFA. É uma triste realidade que passa até nos jogos que eu não estou presente”, escreveu nas redes sociais o jogador, que ganhou apoio até do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “É inacreditável que na segunda década do século 21 ainda exista um comportamento desse tipo. Toda a nossa solidariedade ao Vini Jr. Ele merece todo respeito e admiração pelo seu talento e competência, não essas manifestações de barbárie racista”, afirmou o petista.

Em sua luta, Vinícius cruzou o caminho de outros esportistas que se tornaram símbolos no combate ao racismo. É o caso de Colin Kaepernick, ex-jogador de futebol americano que se ajoelhou durante o hino dos Estados Unidos, em 2016, para protestar contra a violência policial contra negros. Muito criticado, ele foi acusado de desrespeitar a nação americana, não encontrou um time para jogar em 2017 e nunca mais voltou à NFL. Juntos, Vini e Kaepernick protagonizaram um campanha da Organização das Nações Unidas (ONU) contra o racismo, lançada nesta quinta-feira, 21, Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.

“Penso não apenas sobre as minhas experiências pessoais, mas também sobre a luta mais ampla pelo respeito dentro e fora do esporte. Está muito claro: ainda há muito a ser feito. Precisamos de igualdade, de um mundo onde todos, independentemente da cor, tenham igualdade de oportunidades. Como defensor dos direitos humanos da ONU, estou empenhado em enfrentar a discriminação de frente e liderar o ataque contra a injustiça. Unidos com meu irmão Kaepernick, continuaremos lutando, silenciando as vozes do ódio e abrindo caminho para um mundo mais igualitário e inclusivo”, disse o jogador brasileiro.

Um amistoso de futebol pode ser realmente útil na luta contra o racismo?

Lemas e campanhas contra o racismo não são novidade no futebol, e casos do tipo continuam ocorrendo. É fácil lembrar do “Somos todos macacos”, campanha polêmica criada pelo estafe de Neymar na época em que o lateral Daniel Alves ironizou ato racista ao comer uma banana atirada no gramado, em 2014, enquanto defendia o Barcelona contra o Villarreal. Neste caso, houve críticas à frase em si, e a ação foi interpretada como comercialização e banalização da causa.

Dez anos depois, embora ainda ocorram muitos equívocos, o tom está mais ajustado em algumas esferas da sociedade. Marcelo Carvalho, diretor executivo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, vê as ações do jogo desta terça-feira como uma oportunidade de “marcar território”.

“Muitas vezes eu vejo as pessoas cobrando posicionamento da CBF, dos jogadores. Então, um jogo desse é na verdade um posicionamento. É marcar a posição dizendo: ‘olha nós queremos falar ou estamos falando sobre racismo’”, afirma. “Você está chamando atenção na sociedade, dizendo ‘olha aqui a temática.’ A razão é um ponto crucial do que está acontecendo. Nós, enquanto sociedade brasileira, enquanto CBF, jogadores, estamos muito atentos para isso. Esse é o recado que a gente sempre pensou que o futebol poderia dar. E aí ele vai dar né?”

Uma sequência de eventos e o racismo constante contra Vini Jr foram os motivadores da entidade de usar o futebol para passar uma mensagem. O atacante já tem feito isso e foi a postura dele que permitiu construir algo de maior proporção. Marcelo Carvalho defende que o fato de o jogador ter trazido grandes instituições, como CBF e RFEF, para o seu lado leva segurança a outros jogadores que desejam se manifestar.

Vini Jr. demais jogadores vestiram uniforme preto inédito da seleção em jogo contra Guiné. Foto: Joilson Marconne / CBF

“A partir do momento que um jogador de futebol está dentro da seleção brasileira, dentro daquele ambiente e sente que aquele ambiente protege ele e permite ele se expressar, com certeza nós vamos ter outros jogadores se posicionado. Por isso que eu digo que é importante a CBF marcar posição, porque, querendo ou não, está estimulando que outros jogadores também falem, além de Vini Júnior, além do Richarlison”, afirma, citando o atacante do Tottenham, também conhecido por se posicionar sobre questões políticas e sociais.

Há também o caso do atacante Paulinho, do Atlético-MG que foi vítima de intolerância religiosa. Ele costuma comemorar gols fazendo o gesto que simboliza a flecha de Oxóssi, orixá que presente tanto nas crenças do Candomblé quanto da Umbanda, duas religiões afro-brasileiras. Ao ser convocado na última data Fifa de 2023, celebrou “Nunca foi sorte, sempre foi Exú” e recebeu uma enxurrada de comentários preconceituosos após fazer sua estreia pela seleção principal em derrota por 2 a 1 para a Colômbia. “Nossa luta é diária... Seguimos. Gratidão aos orixás”, respondeu.

“Daniel Alves comeu a banana e muita gente disse ‘ele venceu o racismo’. ‘Porque o Fulano fez um gol e calou os racistas.’ Mas para o racista, ele não calou. No fundo ele comeu banana e para o racista não mudou nada. Agora, um cara se manifestando, você tendo o olhar do mundo inteiro direcionado à Espanha por conta do Vinícius Junior, isso sim mexe com racismo”, conclui Marcelo Carvalho.

“Uma só pele, uma só identidade”. Este é o lema da campanha antirracismo que será colocada em prática no amistoso entre Espanha e Brasil, marcado para as 17h30 (horário de Brasília) de terça-feira, no Santiago Bernabéu, onde o astro da seleção Vinícius Júnior está muito acostumado a jogar, mas com a camisa do Real Madrid, dono do estádio. Mesmo antes de a partida começar, é possível afirmar com segurança que o atacante será o protagonista do dia, até porque está diretamente envolvido na questão social que envolve o duelo.

Os inúmeros ataques racistas sofridos por Vini Jr em solo espanhol motivaram a CBF a se unir à Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) para realizar um amistoso voltado à luta contra o racismo. A figura do jogador do Real Madrid será utilizada como símbolo da campanha, em ações que vão desde a colocação de cartazes em várias partes do estádio e áreas técnicas, até os painéis de entrevistas.

A seleção brasileira fez um amistoso com Guiné, em junho do ano passado, também na Espanha, mas em Barcelona, no estádio do Espanyol. Vini jogou e marcou o quarto gol da goleada por 4 a 1. Na ocasião, o Brasil vestiu um uniforme todo preto pela primeira vez em 109 anos de história e lançou a campanha “Com racismo não tem jogo”. Tudo isso foi feito após uma consulta a Vini, em razão do jogo ser numa cidade espanhola. Não houve registro de ataques contra ele.

Vini Jr celebrou gol contra o Valencia com o punho cerrado, no Mestalla, onde foi alvo de racismo.  Foto: Biel Aliño/Efe

Desta vez, a diferença é que do outro lado do campo estará a Espanha, o que deve atrair mais torcedores locais ao Santiago Bernabéu. Conforme apurado pelo Estadão, contudo, a CBF e demais organizadores não demonstram tanta preocupação com possíveis ataques contra Vinícius Júnior por entenderem que o estádio do Real Madrid é “a casa” do jogador. A expectativa é de que o espírito seja o extremo oposto.

A seleção espanhola conta com 17 adversários que atuam contra o brasileiro na liga nacional. Um deles é José Luis Gaya, lateral-esquerdo do Valencia que ficou conhecido por criticá-lo após os episódios de ataques racistas. Antes de Valencia e Real Madrid empatarem por 2 a 2, em partida com dois gols e comemoração com punho cerrado de Vini Jr, no início deste mês, o defensor minimizou as acusações de racismo feitas pelo rival em maio ano passado, quando gritos de “macaco” foram entoados nas arquibancadas do Estádio Mestalla, em outro duelo entre valencianos e merengues.

“O tratamento que foi dado ao Valencia e aos torcedores me pareceu muito injusto. Estou aqui há 10 anos e nunca aconteceu nada nesse sentido. É verdade que houve quatro ou cinco que agiram de forma tola, e o Valencia agiu da melhor forma que pôde, expulsando-os. Essas pessoas não poderão mais voltar ao estádio, mas acho que o Valencia, a cidade e todas as pessoas são um exemplo de torcedor em tudo. Não se pode dizer que os torcedores do Valencia são racistas porque quatro ou cinco idiotas fizeram isso. Parece muito injusto para mim”, reclamou Gaya.

No dia da partida citada por Gaya, a força dos cânticos racistas era tanta que o sistema de áudio do estádio chegou a pedir para os torcedores locais pararem. Foi depois deste duelo, vencido por 1 a 0 pelo Valencia, que o camisa 7 do Real Madrid endureceu o tom e passou a ser mais combativo, até porque já havia passado por muitas situações parecidas. “Lamento pelos espanhóis que não concordam, mas hoje, no Brasil, a Espanha é conhecida como um país de racistas”, chegou a dizer. A partir daí, começou a ter mais apoio da LaLiga, embora tenha enfrentado resistência em um primeiro momento.

Desde então, Vini Jr passou a ser visto como uma referência mundial na luta contra o racismo dentro do esporte, o que não impediu que continuasse sendo vítima, como foi há cerca de uma semana. Torcedores do Atlético de Madrid o chamaram de chimpanzé, como é possível ver em vídeo gravado na parte de fora do Estádio Metropolitano, antes de uma partida que sequer envolvia o Real, contra a Inter de Milão.

“Espero que vocês já tenham pensado na punição deles Champions League, UEFA. É uma triste realidade que passa até nos jogos que eu não estou presente”, escreveu nas redes sociais o jogador, que ganhou apoio até do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “É inacreditável que na segunda década do século 21 ainda exista um comportamento desse tipo. Toda a nossa solidariedade ao Vini Jr. Ele merece todo respeito e admiração pelo seu talento e competência, não essas manifestações de barbárie racista”, afirmou o petista.

Em sua luta, Vinícius cruzou o caminho de outros esportistas que se tornaram símbolos no combate ao racismo. É o caso de Colin Kaepernick, ex-jogador de futebol americano que se ajoelhou durante o hino dos Estados Unidos, em 2016, para protestar contra a violência policial contra negros. Muito criticado, ele foi acusado de desrespeitar a nação americana, não encontrou um time para jogar em 2017 e nunca mais voltou à NFL. Juntos, Vini e Kaepernick protagonizaram um campanha da Organização das Nações Unidas (ONU) contra o racismo, lançada nesta quinta-feira, 21, Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.

“Penso não apenas sobre as minhas experiências pessoais, mas também sobre a luta mais ampla pelo respeito dentro e fora do esporte. Está muito claro: ainda há muito a ser feito. Precisamos de igualdade, de um mundo onde todos, independentemente da cor, tenham igualdade de oportunidades. Como defensor dos direitos humanos da ONU, estou empenhado em enfrentar a discriminação de frente e liderar o ataque contra a injustiça. Unidos com meu irmão Kaepernick, continuaremos lutando, silenciando as vozes do ódio e abrindo caminho para um mundo mais igualitário e inclusivo”, disse o jogador brasileiro.

Um amistoso de futebol pode ser realmente útil na luta contra o racismo?

Lemas e campanhas contra o racismo não são novidade no futebol, e casos do tipo continuam ocorrendo. É fácil lembrar do “Somos todos macacos”, campanha polêmica criada pelo estafe de Neymar na época em que o lateral Daniel Alves ironizou ato racista ao comer uma banana atirada no gramado, em 2014, enquanto defendia o Barcelona contra o Villarreal. Neste caso, houve críticas à frase em si, e a ação foi interpretada como comercialização e banalização da causa.

Dez anos depois, embora ainda ocorram muitos equívocos, o tom está mais ajustado em algumas esferas da sociedade. Marcelo Carvalho, diretor executivo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, vê as ações do jogo desta terça-feira como uma oportunidade de “marcar território”.

“Muitas vezes eu vejo as pessoas cobrando posicionamento da CBF, dos jogadores. Então, um jogo desse é na verdade um posicionamento. É marcar a posição dizendo: ‘olha nós queremos falar ou estamos falando sobre racismo’”, afirma. “Você está chamando atenção na sociedade, dizendo ‘olha aqui a temática.’ A razão é um ponto crucial do que está acontecendo. Nós, enquanto sociedade brasileira, enquanto CBF, jogadores, estamos muito atentos para isso. Esse é o recado que a gente sempre pensou que o futebol poderia dar. E aí ele vai dar né?”

Uma sequência de eventos e o racismo constante contra Vini Jr foram os motivadores da entidade de usar o futebol para passar uma mensagem. O atacante já tem feito isso e foi a postura dele que permitiu construir algo de maior proporção. Marcelo Carvalho defende que o fato de o jogador ter trazido grandes instituições, como CBF e RFEF, para o seu lado leva segurança a outros jogadores que desejam se manifestar.

Vini Jr. demais jogadores vestiram uniforme preto inédito da seleção em jogo contra Guiné. Foto: Joilson Marconne / CBF

“A partir do momento que um jogador de futebol está dentro da seleção brasileira, dentro daquele ambiente e sente que aquele ambiente protege ele e permite ele se expressar, com certeza nós vamos ter outros jogadores se posicionado. Por isso que eu digo que é importante a CBF marcar posição, porque, querendo ou não, está estimulando que outros jogadores também falem, além de Vini Júnior, além do Richarlison”, afirma, citando o atacante do Tottenham, também conhecido por se posicionar sobre questões políticas e sociais.

Há também o caso do atacante Paulinho, do Atlético-MG que foi vítima de intolerância religiosa. Ele costuma comemorar gols fazendo o gesto que simboliza a flecha de Oxóssi, orixá que presente tanto nas crenças do Candomblé quanto da Umbanda, duas religiões afro-brasileiras. Ao ser convocado na última data Fifa de 2023, celebrou “Nunca foi sorte, sempre foi Exú” e recebeu uma enxurrada de comentários preconceituosos após fazer sua estreia pela seleção principal em derrota por 2 a 1 para a Colômbia. “Nossa luta é diária... Seguimos. Gratidão aos orixás”, respondeu.

“Daniel Alves comeu a banana e muita gente disse ‘ele venceu o racismo’. ‘Porque o Fulano fez um gol e calou os racistas.’ Mas para o racista, ele não calou. No fundo ele comeu banana e para o racista não mudou nada. Agora, um cara se manifestando, você tendo o olhar do mundo inteiro direcionado à Espanha por conta do Vinícius Junior, isso sim mexe com racismo”, conclui Marcelo Carvalho.

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