Na lista dos 26 nomes convocados por Tite para representar a seleção brasileira na Copa do Catar, o atacante Antony, do Manchester United, não vai se curvar para as críticas que têm recebido da imprensa inglesa sobre o seu estilo de jogo, caracterizado pelos dribles e fintas nas beirada do campo. Aos 22 anos, o jovem atleta voltou a dizer que nunca vai mudar a forma de jogar porque não se trata de estilo, mas um conceito que o define e que faz parte de sua história.
“Eu nunca vou mudar a maneira como eu jogo, porque não é um estilo. Sou eu. Uma parte de mim. Uma parte da nossa história, como brasileiros”, disse o atacante. “Nada que eu faço é brincadeira. Tudo tem um propósito. Atacar com ousadia, botar medo no adversário, criar espaço, fazer a diferença para o meu time”. As declarações foram publicadas pelo site The Player’s Tribune, que divulga depoimentos em primeira pessoa de atletas de diferentes modalidades e países.
Recentemente, Antony foi criticado pelo comentarista e ex-jogador do Manchester United Paul Scholes por conta de uma jogada que o brasileiro fez pela Liga Europa, em que ele controlou a bola com um dos pés, e a girou ao redor do seu corpo sem sair do lugar. “É ridículo. É apenas exibicionismo. Ele não está entretendo ninguém, não está tentando passar por ninguém e depois erra o passe. O que ele está pensando? Ele precisa cortar isso do jogo dele”, disse Scholes.
Em seu relato ao site, Antony conta sobre como a sua infância na periferia de São Paulo, marcada pela violência, pela presença do tráfico e a truculência policial, foi importante na sua construção como jogador e ser humano.
“Fui da favela para o Ajax e o Manchester United em três anos. As pessoas sempre me perguntam como eu consegui ‘virar a chave’ tão rapidamente. Pra ser sincero, é porque não sinto pressão dentro de campo”, diz Antony. “Quando você cresce tendo que pular cadáveres apenas para chegar à escola, você não pode ter medo de nada no futebol. As coisas que eu vi, a maioria dos especialistas em futebol só pode imaginar.”
A comunidade em que Antony vivia, uma favela batizada de Inferninho, na zona norte de São Paulo, foi a casa do atacante ex-São Paulo até 2019. Ele lembra que depois da final do Campeonato Paulista daquele ano, quando chegou a marcar um gol na derrota para o Corinthians por 2 a 1, as pessoas estavam surpresas com a presença dele na região.
“Não tínhamos outra escolha. Em 2019, quando fiz o gol contra o Corinthians, na final do Campeonato Paulista em Itaquera, e depois do jogo eu já estava de volta na favela onde eu nasci. As pessoas apontavam para mim na rua. ‘Acabei de ver você na TV. O que você está fazendo aqui?’. ‘Irmão, eu moro aqui’.Todo mundo riu. Eles não acreditaram”, conta.
“Se você fala com a mídia, eles sempre perguntam sobre seus sonhos. A Champions League? A Copa do Mundo? A Bola de Ouro? Mas esses não são sonhos. São objetivos. Meu único sonho era tirar meus pais da favela. Não tinha plano B. Eu ia conseguir ou morrer tentando”, conta o atacante ao site.
Não demorou para a carreira de Antony começar a decolar e ele conseguir concretizar o sonho de dar uma vida melhor para os pais, que se separaram quando ele tinha 11 anos — episódio que ele define como um dos mais tristes da sua vida.
Depois de se firmar entre os titulares do São Paulo em 2019, o atacante se mudou para a Europa no ano seguinte, quando foi comprado pelo Ajax, da Holanda. “Um ano depois, eu estava no Ajax, jogando a Champions League. Foi assim que as coisas mudaram rápido.”
Depois de um bom desempenho no time holandês — foram 24 gols e 22 assistências em 82 jogos — o jogador foi vendido ao Manchester United no meio deste ano por 95 milhões de euros. A transação milionária beneficiou até mesmo o próprio São Paulo por ser o clube formador.
Sua chegada à Premier League, porém, não tem sido das mais fáceis. Além das críticas recebidas, ele se encontra em um clube que não disputa a Liga dos Campeões e que vive em crises por conta da relação estremecida entre Cristiano Ronaldo e o técnico Erik Ten Hag.
Considerado uma das principais promessas do futebol mundial, Antony diz que não é possível dar as costas às suas origens e que os aprendizados do passado o ajudam a seguir em frente na carreira e superar os obstáculos que encara como jogador de futebol.
“Eu sempre digo que aonde quer que eu vá na vida, não importa o que aconteça comigo, eu represento o lugar que me ensinou tudo. Sem minha casa e meu povo, nada disso importa. Antes de cada partida, olho para um pequeno lembrete, escrito na minha chuteira: ‘Favela’. Quando eu amarro meus cadarços, eu me lembro. Eu me lembro de tudo”, conta o brasileiro.