Bandeira conta como Fla virou potência após ‘remédio amargo’ que Corinthians resiste: ‘Dever moral’


Eleito por flamenguistas como o principal dirigente das últimas duas décadas, ex-presidente recorda processo de austeridade, rigidez com dívidas e elogia CEO corintiano: ‘Sabe o que precisa fazer’

Por Rodrigo Sampaio

O duelo entre Corinthians e Flamengo neste domingo, pelo jogo de volta das semifinais da Copa do Brasil, coloca frente a frente os dois clubes de maior torcida no País. A dupla, de potencial comercial ímpar, porém, vive momentos distintos. Enquanto os cariocas nadam de braçada após tomarem o “remédio amargo” da reestruturação financeira, com um faturamento superior a R$ 1 bilhão, os paulistas enfrentam um “círculo vicioso sem fim” de aumento de dívidas, mesmo com receitas próximas à do clube do Rio.

Levando em consideração o aumento no número de times competitivos na primeira divisão, há quem acredite que uma reestruturação corintiana seja muito mais difícil do que a realizada pelo Flamengo, iniciada há 11 anos pelo ex-presidente Eduardo Bandeira de Mello. O ex-dirigente foi escolhido pelos flamenguistas como o dirigente mais importante do clube nas últimas décadas, segundo pesquisa publicada pela Atlas Intel em parceria com o Estadão.

“Isso é motivo de muito orgulho para mim”, celebra. “Apesar de saber o potencial do Flamengo, a gente precisava fazer algo a curto prazo para não dar mais vexame. A gente precisava dar bom exemplo para nossos 40 milhões de torcedores. A gente tinha um passivo ético e moral para resgatar maior do que o financeiro. E conseguimos”

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Eduardo Bandeira de Mello foi eleito por torcedores o dirigente mais importante do clube nos últimos 20 anos.  Foto: Fabio Motta/Estadão

Os caminhos que levaram o Flamengo a ter Bandeira como presidente se desenharam quase que por acaso. Depois de três décadas trabalhando no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o torcedor apaixonado, como o próprio se define, foi escolhido pela chapa que apoiava na eleição de 2012 depois de o principal concorrente, Wallim Vasconcellos, ter a candidatura impugnada. Apesar dos três anos em que fez parte do Conselho de Administração, ele não tinha a pretensão de ocupar a cadeira principal. Ter Zico como cabo-eleitoral ajudou na vitória acachapante nas urnas, e a promessa de austeridade foi colocada em prática a partir do ano seguinte.

Bandeira conta que ele e os membros de sua gestão encontraram um cenário pior do que o imaginado. Para saber o real valor do passivo, foi contratada uma auditoria da EY, que indicou uma dívida de aproximadamente R$ 800 milhões. Na época, a receita anual do clube dificilmente ultrapassava a casa dos R$ 200 milhões. A solução foi cortar gastos excessivos de imediato. Entre os casos mais emblemáticos, o clube findou parcerias com atletas olímpicos de nome, como o nadador Cesar Cielo, os irmãos Diego e Daniele Hypólito, e Jade Barbosa, além de não exercer a opção de compra do atacante Vagner Love junto ao CSKA, da Rússia, por não ter condições de pagar o salário de R$ 1 milhão do atleta.

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“No dia seguinte à saída do Vagner Love, um torcedor me abordou no supermercado. Era um cara grande, forte, e que falou para mim com uma voz grave: ‘Presidente, você vendeu o Vagner Love’. Eu achava que ainda era anônimo porque estava no início de mandato. Na hora pensei: ‘Pronto, morri’. Mas daí ele falou logo em seguida: ‘Pois fez muito bem. Se não tem como pagar, está certo’”, conta Bandeira, aos risos.

“A gente precisou interditar nossa piscina olímpica. Ela tinha um vazamento, causado por uma rachadura, e desperdiçava muita água. A gente brincava que o nosso segundo jogador mais caro era a conta da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro), porque era R$ 600 mil por mês. Algo inadmissível.”

Receita do sucesso

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Segundo Bandeira, um dos motivos para o aumento da dívida flamenguista era o fato de gestões anteriores não pagarem rescisões contratuais, mandando o funcionário para o fim da fila do ato trabalhista, mecanismo da Justiça do Trabalho que obrigava o clube a destinar 10% da receita para pagar credores. Assim, os valores corriam juros e terminavam muito maiores anos depois. À época, o Flamengo não dispunha de mecanismos atuais, como a criação de uma Sociedade Anônima do Futebol (SAF) ou a possibilidade de fazer uma recuperação judicial. A solução foi encerrar a prática de “empurrar a barriga” as multas rescisórias, e negociar dívidas trabalhistas “no braço”, uma por uma, até zerar as cobranças.

“A gente tinha dívidas enormes com o Petkovic, Joel Santana, Romário, Ronaldinho Gaúcho… Com a ajuda do nosso jurídico e financeiro, começamos a chamar eles, e outros credores de valores menores. A gente negociava um pagamento em 24 meses, ou falamos: ‘Podemos pagar assim. Conforme eles iam aceitando, começamos a ganhar credibilidade”, recorda.

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Atualmente vinculado ao PSB, Bandeira exerce o cago de deputado federal pelo RJ. Ele conta que aprendeu a andar pelos corredores da Câmara na época em que era presidente do Flamengo, quando passou a ir para Brasília para negociar um projeto de lei que permitisse ao clube ter um alívio das dívidas tributárias, que sufocavam o clube. Em 2015, é criado o Profut, lei de responsabilidade fiscal do futebol que permitiu associações desportivas a parcelarem pendências fiscais a juros baixos.

Em 2018, último ano do mandato do reeleito Bandeira de Mello, o Flamengo quitou todas as dívidas trabalhistas, tornando-se credor do ato trabalhista. Com as pendências tributárias amortizadas pelo Profut, com previsão de liquidação em 15 anos a partir da adesão à lei, o clube viu uma oportunidade de aplicar no futebol parte da receita, incrementadas ao longo daquele período.

Bandeira conta que concluiu as obras do centro de treinamento com parte do dinheiro de uma parcela das luvas pela assinatura de contrato com a Globo, em 2016, enquanto a outra parte ficou para a gestão seguinte, contemplada também pelo depósito do valor de R$ 150 milhões da venda de Lucas Paquetá ao Milan, da Itália.

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Corinthians e Flamengo se enfrentam neste domingo por vaga na final da Copa do Brasil.  Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Assim, em 2019, quando Rodolfo Landim assumiu a presidência, fez uma janela de contratações arrojada, investindo alto em De Arrascaeta (R$ 63,7 milhões), Gerson (R$ 49,7 milhões) e Bruno Henrique (R$ 23 milhões), então atletas de Cruzeiro, Roma e Santos, respectivamente. Naquele ano, o clube assinou também com Gabigol, Rodrigo Caio, Filipe Luís, Rafinha, além do técnico Jorge Jesus, se consagrando campeão da Libertadores e do Brasileirão.

“Sabe por que o Flamengo sobrou em 2019? Porque naquele ano o futuro chegou para o Flamengo. Enquanto os outros times formavam elencos fortes, nós arrumamos a casa e colhemos os frutos de maneira automática. Para eles, a conta chegou”, comenta.

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‘Necessidade de sacrifícios’

Em julho deste ano, o Corinthians anunciou Fred Luz como novo CEO. Ele chegou ao clube paulista credenciado pelo trabalho que desenvolveu no Flamengo durante a gestão Bandeira de Mello, sendo peça importante no resgate rubro-negro. No Parque São Jorge, porém, o profissional encontra um cenário de ebulição política. O presidente Augusto Melo perdeu força nos bastidores após a perda do contrato com a Vai de Bet e viu a oposição ganhar contornos ferrenhos, com a acusação de que a gestão aumentou os gastos — em setembro, a dívida foi atualizada para R$ 2,3 bilhões — para criar um cenário de inviabilidade e, assim, pedir recuperação judicial. Tudo isso seria pretexto para a criação de uma SAF, informação que Augusto nega.

Fred Luz, CEO do Corinthians, trabalhou no processo de reestruturação do Flamengo.  Foto: Rodrigo Coca/Ag. Corinthians

Ao ser anunciado, Fred Luz afirmou que via potencial para o Corinthians ser uma potência do futebol nacional, mas avisou também que era necessário “sofrer” no início. Ao comentar sobre o executivo alvinegro, Bandeira de Mello não poupou elogios ao profissional, cuja orientação estratégica foi essencial para o clube cumprir o plano operacional da melhor maneira possível, segundo o ex-presidente flamenguista.

“Eu tenho a melhor das impressões do Fred. Hoje, ele está enfrentando uma bola dividida considerável no Corinthians. Mas é aquela coisa, ninguém faz milagre. Tenho certeza que ele sabe exatamente o que precisa fazer, mas para ele ter sucesso no Corinthians, é preciso que a torcida, os sócios e a imprensa compreendam a necessidade de fazer sacrifícios. Não tem solução mágica. Vai demorar.”

O duelo entre Corinthians e Flamengo neste domingo, pelo jogo de volta das semifinais da Copa do Brasil, coloca frente a frente os dois clubes de maior torcida no País. A dupla, de potencial comercial ímpar, porém, vive momentos distintos. Enquanto os cariocas nadam de braçada após tomarem o “remédio amargo” da reestruturação financeira, com um faturamento superior a R$ 1 bilhão, os paulistas enfrentam um “círculo vicioso sem fim” de aumento de dívidas, mesmo com receitas próximas à do clube do Rio.

Levando em consideração o aumento no número de times competitivos na primeira divisão, há quem acredite que uma reestruturação corintiana seja muito mais difícil do que a realizada pelo Flamengo, iniciada há 11 anos pelo ex-presidente Eduardo Bandeira de Mello. O ex-dirigente foi escolhido pelos flamenguistas como o dirigente mais importante do clube nas últimas décadas, segundo pesquisa publicada pela Atlas Intel em parceria com o Estadão.

“Isso é motivo de muito orgulho para mim”, celebra. “Apesar de saber o potencial do Flamengo, a gente precisava fazer algo a curto prazo para não dar mais vexame. A gente precisava dar bom exemplo para nossos 40 milhões de torcedores. A gente tinha um passivo ético e moral para resgatar maior do que o financeiro. E conseguimos”

Eduardo Bandeira de Mello foi eleito por torcedores o dirigente mais importante do clube nos últimos 20 anos.  Foto: Fabio Motta/Estadão

Os caminhos que levaram o Flamengo a ter Bandeira como presidente se desenharam quase que por acaso. Depois de três décadas trabalhando no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o torcedor apaixonado, como o próprio se define, foi escolhido pela chapa que apoiava na eleição de 2012 depois de o principal concorrente, Wallim Vasconcellos, ter a candidatura impugnada. Apesar dos três anos em que fez parte do Conselho de Administração, ele não tinha a pretensão de ocupar a cadeira principal. Ter Zico como cabo-eleitoral ajudou na vitória acachapante nas urnas, e a promessa de austeridade foi colocada em prática a partir do ano seguinte.

Bandeira conta que ele e os membros de sua gestão encontraram um cenário pior do que o imaginado. Para saber o real valor do passivo, foi contratada uma auditoria da EY, que indicou uma dívida de aproximadamente R$ 800 milhões. Na época, a receita anual do clube dificilmente ultrapassava a casa dos R$ 200 milhões. A solução foi cortar gastos excessivos de imediato. Entre os casos mais emblemáticos, o clube findou parcerias com atletas olímpicos de nome, como o nadador Cesar Cielo, os irmãos Diego e Daniele Hypólito, e Jade Barbosa, além de não exercer a opção de compra do atacante Vagner Love junto ao CSKA, da Rússia, por não ter condições de pagar o salário de R$ 1 milhão do atleta.

“No dia seguinte à saída do Vagner Love, um torcedor me abordou no supermercado. Era um cara grande, forte, e que falou para mim com uma voz grave: ‘Presidente, você vendeu o Vagner Love’. Eu achava que ainda era anônimo porque estava no início de mandato. Na hora pensei: ‘Pronto, morri’. Mas daí ele falou logo em seguida: ‘Pois fez muito bem. Se não tem como pagar, está certo’”, conta Bandeira, aos risos.

“A gente precisou interditar nossa piscina olímpica. Ela tinha um vazamento, causado por uma rachadura, e desperdiçava muita água. A gente brincava que o nosso segundo jogador mais caro era a conta da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro), porque era R$ 600 mil por mês. Algo inadmissível.”

Receita do sucesso

Segundo Bandeira, um dos motivos para o aumento da dívida flamenguista era o fato de gestões anteriores não pagarem rescisões contratuais, mandando o funcionário para o fim da fila do ato trabalhista, mecanismo da Justiça do Trabalho que obrigava o clube a destinar 10% da receita para pagar credores. Assim, os valores corriam juros e terminavam muito maiores anos depois. À época, o Flamengo não dispunha de mecanismos atuais, como a criação de uma Sociedade Anônima do Futebol (SAF) ou a possibilidade de fazer uma recuperação judicial. A solução foi encerrar a prática de “empurrar a barriga” as multas rescisórias, e negociar dívidas trabalhistas “no braço”, uma por uma, até zerar as cobranças.

“A gente tinha dívidas enormes com o Petkovic, Joel Santana, Romário, Ronaldinho Gaúcho… Com a ajuda do nosso jurídico e financeiro, começamos a chamar eles, e outros credores de valores menores. A gente negociava um pagamento em 24 meses, ou falamos: ‘Podemos pagar assim. Conforme eles iam aceitando, começamos a ganhar credibilidade”, recorda.

Atualmente vinculado ao PSB, Bandeira exerce o cago de deputado federal pelo RJ. Ele conta que aprendeu a andar pelos corredores da Câmara na época em que era presidente do Flamengo, quando passou a ir para Brasília para negociar um projeto de lei que permitisse ao clube ter um alívio das dívidas tributárias, que sufocavam o clube. Em 2015, é criado o Profut, lei de responsabilidade fiscal do futebol que permitiu associações desportivas a parcelarem pendências fiscais a juros baixos.

Em 2018, último ano do mandato do reeleito Bandeira de Mello, o Flamengo quitou todas as dívidas trabalhistas, tornando-se credor do ato trabalhista. Com as pendências tributárias amortizadas pelo Profut, com previsão de liquidação em 15 anos a partir da adesão à lei, o clube viu uma oportunidade de aplicar no futebol parte da receita, incrementadas ao longo daquele período.

Bandeira conta que concluiu as obras do centro de treinamento com parte do dinheiro de uma parcela das luvas pela assinatura de contrato com a Globo, em 2016, enquanto a outra parte ficou para a gestão seguinte, contemplada também pelo depósito do valor de R$ 150 milhões da venda de Lucas Paquetá ao Milan, da Itália.

Corinthians e Flamengo se enfrentam neste domingo por vaga na final da Copa do Brasil.  Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Assim, em 2019, quando Rodolfo Landim assumiu a presidência, fez uma janela de contratações arrojada, investindo alto em De Arrascaeta (R$ 63,7 milhões), Gerson (R$ 49,7 milhões) e Bruno Henrique (R$ 23 milhões), então atletas de Cruzeiro, Roma e Santos, respectivamente. Naquele ano, o clube assinou também com Gabigol, Rodrigo Caio, Filipe Luís, Rafinha, além do técnico Jorge Jesus, se consagrando campeão da Libertadores e do Brasileirão.

“Sabe por que o Flamengo sobrou em 2019? Porque naquele ano o futuro chegou para o Flamengo. Enquanto os outros times formavam elencos fortes, nós arrumamos a casa e colhemos os frutos de maneira automática. Para eles, a conta chegou”, comenta.

‘Necessidade de sacrifícios’

Em julho deste ano, o Corinthians anunciou Fred Luz como novo CEO. Ele chegou ao clube paulista credenciado pelo trabalho que desenvolveu no Flamengo durante a gestão Bandeira de Mello, sendo peça importante no resgate rubro-negro. No Parque São Jorge, porém, o profissional encontra um cenário de ebulição política. O presidente Augusto Melo perdeu força nos bastidores após a perda do contrato com a Vai de Bet e viu a oposição ganhar contornos ferrenhos, com a acusação de que a gestão aumentou os gastos — em setembro, a dívida foi atualizada para R$ 2,3 bilhões — para criar um cenário de inviabilidade e, assim, pedir recuperação judicial. Tudo isso seria pretexto para a criação de uma SAF, informação que Augusto nega.

Fred Luz, CEO do Corinthians, trabalhou no processo de reestruturação do Flamengo.  Foto: Rodrigo Coca/Ag. Corinthians

Ao ser anunciado, Fred Luz afirmou que via potencial para o Corinthians ser uma potência do futebol nacional, mas avisou também que era necessário “sofrer” no início. Ao comentar sobre o executivo alvinegro, Bandeira de Mello não poupou elogios ao profissional, cuja orientação estratégica foi essencial para o clube cumprir o plano operacional da melhor maneira possível, segundo o ex-presidente flamenguista.

“Eu tenho a melhor das impressões do Fred. Hoje, ele está enfrentando uma bola dividida considerável no Corinthians. Mas é aquela coisa, ninguém faz milagre. Tenho certeza que ele sabe exatamente o que precisa fazer, mas para ele ter sucesso no Corinthians, é preciso que a torcida, os sócios e a imprensa compreendam a necessidade de fazer sacrifícios. Não tem solução mágica. Vai demorar.”

O duelo entre Corinthians e Flamengo neste domingo, pelo jogo de volta das semifinais da Copa do Brasil, coloca frente a frente os dois clubes de maior torcida no País. A dupla, de potencial comercial ímpar, porém, vive momentos distintos. Enquanto os cariocas nadam de braçada após tomarem o “remédio amargo” da reestruturação financeira, com um faturamento superior a R$ 1 bilhão, os paulistas enfrentam um “círculo vicioso sem fim” de aumento de dívidas, mesmo com receitas próximas à do clube do Rio.

Levando em consideração o aumento no número de times competitivos na primeira divisão, há quem acredite que uma reestruturação corintiana seja muito mais difícil do que a realizada pelo Flamengo, iniciada há 11 anos pelo ex-presidente Eduardo Bandeira de Mello. O ex-dirigente foi escolhido pelos flamenguistas como o dirigente mais importante do clube nas últimas décadas, segundo pesquisa publicada pela Atlas Intel em parceria com o Estadão.

“Isso é motivo de muito orgulho para mim”, celebra. “Apesar de saber o potencial do Flamengo, a gente precisava fazer algo a curto prazo para não dar mais vexame. A gente precisava dar bom exemplo para nossos 40 milhões de torcedores. A gente tinha um passivo ético e moral para resgatar maior do que o financeiro. E conseguimos”

Eduardo Bandeira de Mello foi eleito por torcedores o dirigente mais importante do clube nos últimos 20 anos.  Foto: Fabio Motta/Estadão

Os caminhos que levaram o Flamengo a ter Bandeira como presidente se desenharam quase que por acaso. Depois de três décadas trabalhando no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o torcedor apaixonado, como o próprio se define, foi escolhido pela chapa que apoiava na eleição de 2012 depois de o principal concorrente, Wallim Vasconcellos, ter a candidatura impugnada. Apesar dos três anos em que fez parte do Conselho de Administração, ele não tinha a pretensão de ocupar a cadeira principal. Ter Zico como cabo-eleitoral ajudou na vitória acachapante nas urnas, e a promessa de austeridade foi colocada em prática a partir do ano seguinte.

Bandeira conta que ele e os membros de sua gestão encontraram um cenário pior do que o imaginado. Para saber o real valor do passivo, foi contratada uma auditoria da EY, que indicou uma dívida de aproximadamente R$ 800 milhões. Na época, a receita anual do clube dificilmente ultrapassava a casa dos R$ 200 milhões. A solução foi cortar gastos excessivos de imediato. Entre os casos mais emblemáticos, o clube findou parcerias com atletas olímpicos de nome, como o nadador Cesar Cielo, os irmãos Diego e Daniele Hypólito, e Jade Barbosa, além de não exercer a opção de compra do atacante Vagner Love junto ao CSKA, da Rússia, por não ter condições de pagar o salário de R$ 1 milhão do atleta.

“No dia seguinte à saída do Vagner Love, um torcedor me abordou no supermercado. Era um cara grande, forte, e que falou para mim com uma voz grave: ‘Presidente, você vendeu o Vagner Love’. Eu achava que ainda era anônimo porque estava no início de mandato. Na hora pensei: ‘Pronto, morri’. Mas daí ele falou logo em seguida: ‘Pois fez muito bem. Se não tem como pagar, está certo’”, conta Bandeira, aos risos.

“A gente precisou interditar nossa piscina olímpica. Ela tinha um vazamento, causado por uma rachadura, e desperdiçava muita água. A gente brincava que o nosso segundo jogador mais caro era a conta da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro), porque era R$ 600 mil por mês. Algo inadmissível.”

Receita do sucesso

Segundo Bandeira, um dos motivos para o aumento da dívida flamenguista era o fato de gestões anteriores não pagarem rescisões contratuais, mandando o funcionário para o fim da fila do ato trabalhista, mecanismo da Justiça do Trabalho que obrigava o clube a destinar 10% da receita para pagar credores. Assim, os valores corriam juros e terminavam muito maiores anos depois. À época, o Flamengo não dispunha de mecanismos atuais, como a criação de uma Sociedade Anônima do Futebol (SAF) ou a possibilidade de fazer uma recuperação judicial. A solução foi encerrar a prática de “empurrar a barriga” as multas rescisórias, e negociar dívidas trabalhistas “no braço”, uma por uma, até zerar as cobranças.

“A gente tinha dívidas enormes com o Petkovic, Joel Santana, Romário, Ronaldinho Gaúcho… Com a ajuda do nosso jurídico e financeiro, começamos a chamar eles, e outros credores de valores menores. A gente negociava um pagamento em 24 meses, ou falamos: ‘Podemos pagar assim. Conforme eles iam aceitando, começamos a ganhar credibilidade”, recorda.

Atualmente vinculado ao PSB, Bandeira exerce o cago de deputado federal pelo RJ. Ele conta que aprendeu a andar pelos corredores da Câmara na época em que era presidente do Flamengo, quando passou a ir para Brasília para negociar um projeto de lei que permitisse ao clube ter um alívio das dívidas tributárias, que sufocavam o clube. Em 2015, é criado o Profut, lei de responsabilidade fiscal do futebol que permitiu associações desportivas a parcelarem pendências fiscais a juros baixos.

Em 2018, último ano do mandato do reeleito Bandeira de Mello, o Flamengo quitou todas as dívidas trabalhistas, tornando-se credor do ato trabalhista. Com as pendências tributárias amortizadas pelo Profut, com previsão de liquidação em 15 anos a partir da adesão à lei, o clube viu uma oportunidade de aplicar no futebol parte da receita, incrementadas ao longo daquele período.

Bandeira conta que concluiu as obras do centro de treinamento com parte do dinheiro de uma parcela das luvas pela assinatura de contrato com a Globo, em 2016, enquanto a outra parte ficou para a gestão seguinte, contemplada também pelo depósito do valor de R$ 150 milhões da venda de Lucas Paquetá ao Milan, da Itália.

Corinthians e Flamengo se enfrentam neste domingo por vaga na final da Copa do Brasil.  Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Assim, em 2019, quando Rodolfo Landim assumiu a presidência, fez uma janela de contratações arrojada, investindo alto em De Arrascaeta (R$ 63,7 milhões), Gerson (R$ 49,7 milhões) e Bruno Henrique (R$ 23 milhões), então atletas de Cruzeiro, Roma e Santos, respectivamente. Naquele ano, o clube assinou também com Gabigol, Rodrigo Caio, Filipe Luís, Rafinha, além do técnico Jorge Jesus, se consagrando campeão da Libertadores e do Brasileirão.

“Sabe por que o Flamengo sobrou em 2019? Porque naquele ano o futuro chegou para o Flamengo. Enquanto os outros times formavam elencos fortes, nós arrumamos a casa e colhemos os frutos de maneira automática. Para eles, a conta chegou”, comenta.

‘Necessidade de sacrifícios’

Em julho deste ano, o Corinthians anunciou Fred Luz como novo CEO. Ele chegou ao clube paulista credenciado pelo trabalho que desenvolveu no Flamengo durante a gestão Bandeira de Mello, sendo peça importante no resgate rubro-negro. No Parque São Jorge, porém, o profissional encontra um cenário de ebulição política. O presidente Augusto Melo perdeu força nos bastidores após a perda do contrato com a Vai de Bet e viu a oposição ganhar contornos ferrenhos, com a acusação de que a gestão aumentou os gastos — em setembro, a dívida foi atualizada para R$ 2,3 bilhões — para criar um cenário de inviabilidade e, assim, pedir recuperação judicial. Tudo isso seria pretexto para a criação de uma SAF, informação que Augusto nega.

Fred Luz, CEO do Corinthians, trabalhou no processo de reestruturação do Flamengo.  Foto: Rodrigo Coca/Ag. Corinthians

Ao ser anunciado, Fred Luz afirmou que via potencial para o Corinthians ser uma potência do futebol nacional, mas avisou também que era necessário “sofrer” no início. Ao comentar sobre o executivo alvinegro, Bandeira de Mello não poupou elogios ao profissional, cuja orientação estratégica foi essencial para o clube cumprir o plano operacional da melhor maneira possível, segundo o ex-presidente flamenguista.

“Eu tenho a melhor das impressões do Fred. Hoje, ele está enfrentando uma bola dividida considerável no Corinthians. Mas é aquela coisa, ninguém faz milagre. Tenho certeza que ele sabe exatamente o que precisa fazer, mas para ele ter sucesso no Corinthians, é preciso que a torcida, os sócios e a imprensa compreendam a necessidade de fazer sacrifícios. Não tem solução mágica. Vai demorar.”

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