SÃO PAULO - Um goleiro que teve câncer nos testículos e um atacante ex-repositor de supermercado estão entre os protagonistas da maior surpresa do futebol inglês desta temporada. O Bradford, da quarta divisão, decide neste domingo, 24, no estádio de Wembley contra o Swansea, da Premier League, o título da Copa da Liga (13 horas, na ESPN Brasil). Se vencer, o clube que quase foi à falência por duas vezes nos últimos onze anos vai dar ao mundo um verdadeiro exemplo de empreendedorismo. A diretoria gastou o equivalente a R$ 23 mil para montar o atual elenco e se o título vier, vai embolsar R$ 315 mil como premiação.
A equipe do norte da Inglaterra é a primeira da quarta divisão a chegar à final do torneio nos últimos 50 anos e trilhou o caminho com muito sofrimento. Dos seis adversários que derrotou, contra quatro precisou ir para a prorrogação e dois deles só venceu nos pênaltis. Na campanha eliminou ainda três times da Premier League - Wigan, Arsenal e Aston Villa.
"Nunca imaginei que chegaríamos à final. Antes seria até ridículo falar nisso", admitiu o atacante James Hanson, de 25 anos, figura conhecida dos torcedores por ter nascido na cidade e trabalhado em um supermercado local até 2009. Para o goleiro Matt Duke, de 35, a decisão tem sabor ainda mais especial. Ele teve câncer nos testículos em 2008, recuperou-se e agora divide a agenda entre treinos e participação em campanhas de conscientização sobre a doença.
Outro destaque é o treinador Phil Parkinson, um homem discreto e que prefere deixar os méritos com o elenco. "Temos que usar essa campanha como um começo de uma nova era e tentar fazer o Bradford continuar chamando a atenção por feitos positivos", disse.
Apesar da façanha, é possível que o técnico e boa parte dos jogadores não continuem na próxima temporada. A dura realidade financeira obrigou a diretoria a fazer contratos curtos e emergenciais em busca de quem estava sem emprego. A estratégia de montar essa 'colcha de retalhos' deu certo.
"A equipe teve muitas lesões na temporada, mas foi certeira ao integrar jogadores que vieram por empréstimo e trazer reforços pontuais", explicou o presidente da conselho oficial de torcedores, Alan Carling. Nem a participação na Liga Europa está confirmada em caso de título. O clube teme não ter como bancar viagens para o exterior.
REDENÇÃOO Bradford escapou por pouco do rebaixamento para a quinta divisão nos dois últimos anos e tem chances remotas de subir nesta temporada, mas hoje luta pelo título no mais importante estádio da Inglaterra e com o apoio garantido de 32 mil torcedores, que esgotaram a cota de ingressos reservada ao clube. Nos preparativos para ver a final foi confeccionada uma gigantesca camisa do time, com 400 m², repleta de assinaturas e recados de boa sorte. Cerca de 200 ônibus devem viajar os 320 km até Londres para levar a torcida até a partida histórica.
A euforia é a resposta contra o acúmulo de fracassos esportivos e financeiros. O clube, fundado em 1903 para substituir um time que faliu, passou a maior parte desses 110 anos de história alternando entre as 3.ª e 4.ª divisões até chegar à Premier League, em 1999. Ficou duas temporadas entre os grandes, mas depois o declínio não parou mais. "A má administração resultou em três rebaixamentos em sete temporadas, caímos até a quarta divisão e passamos por dois processos de insolvência, um em 2002 e outro em 2004", contou o historiador John Dewhirst, autor de três livros sobre o Bradford.
Calejado em questões financeiras, o Bradford vai encerrar a temporada de forma curiosa. Os jogadores vão para Las Vegas nas férias. A viagem foi uma promessa feita pelo copresidente d clube, Mark Lawn, caso o time passasse pela semifinal. Resta saber se nos casinos americanos os atletas vão repetir nas roletas os milagres multiplicadores do clube que transformou tostões em milhões.