Brasileirão tem 80% dos jogos apitados por árbitros do Sul-Sudeste; demais regiões são ‘ignoradas’


Levantamento do Estadão mostra que profissionais do Nordeste e Norte são preteridos no quadro; ex-árbitros classificam Série B como ‘laboratório’

Por Murillo César Alves

Além da pontuação dos times na luta pelo título ou contra o rebaixamento, a tabela do Campeonato Brasileiro revela uma escala de poder no futebol nacional. Das 20 equipes na primeira divisão, 15 são das regiões Sul e Sudeste (75%). Chamados popularmente de “Eixo”, os Estados e suas respectivas federações dominam as disputas esportivas no País.

Mas há outra nuance, que se estende para além das equipes: a comissão da arbitragem do Brasileirão, também dominado pelo Eixo. Em 2024, somente 12,5% das partidas foram apitadas por árbitros do Nordeste, enquanto o Centro-Oeste esteve representado em 7,3%. Até a 36ª rodada, o Norte não havia tido juízes na primeira divisão do campeonato.

Anderson Daronco é um dos árbitros que mais apitaram partidas nesse Brasileirão 2024 Foto: Cesar Greco/Palmeiras
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Já as regiões Sul e Sudeste somam para mais 80% das partidas arbitradas no Brasileirão de 2024. Esses números partem de um levantamento exclusivo do Estadão, com base nas informações disponíveis pela CBF, no seu quadro de árbitros e nas escalas de cada partida das Séries A e B do Campeonato Brasileiro.

Bruno Arleu de Araújo, do Rio de Janeiro, é o árbitro com mais partidas apitadas no Brasileirão de 2024 (19). Ele é seguido pelo trio Davi de Oliveira Lacerda (ES), Rafael Rodrigo Klein (RS) e Ramon Abatti Abel (SC), com 18 jogos trabalhados. Todos do Centro-Sul. Rodrigo José Pereira de Lima, de Pernambuco, é o primeiro árbitro nascido fora do Eixo a figurar no ranking, na 17ª posição. A lista considera apenas o árbitro principal:

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  1. Bruno Arleu de Araújo (RJ) - 19 partidas
  2. Davi de Oliveira Lacerda (ES) - 18 partidas
  3. Rafael Rodrigo Klein (RS) - 18 partidas
  4. Ramon Abatti Abel (SC) - 18 partidas
  5. Alex Gomes Stefano (RJ) - 17 partidas
  6. Anderson Daronco (RS) - 17 partidas
  7. Matheus Delgado Candançan (SP) - 17 partidas
  8. Raphael Claus (SP) - 17 partidas
  9. Braulio da Silva Machado (SC) -16 partidas
  10. Wilton Pereira Sampaio (GO) - 15 partidas

Diversas razões ajudam a explicar o porquê de, por exemplo, São Paulo e Rio de Janeiro terem mais profissionais no quadro, em comparação com Estados do Nordeste, como Maranhão, por exemplo. Ex-árbitros ouvidos por Estadão apontam que este domínio se deve, principalmente, à relação e proximidade política das federações do Sul e Sudeste com a CBF, assim como à “tradição” das escolas de arbitragem regionais.

É uma questão de alinhamento, que envolve a dimensão política. Federações mais próximas à CBF terão, consequentemente, mais árbitros comandando as partidas na Série A. Raphael Claus, Anderson Daronco e Bráulio da Silva Machado são nomes conhecidos do torcedor brasileiro. Em comum, são todos das regiões Sul e Sudeste. Nomes importantes do Nordeste, como Manoel Serapião Filho, se queixam de terem sido preteridos.

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Disparidade entre os Estados

No calendário do futebol brasileiro, os árbitros trabalham, entre janeiro e abril, quase que exclusivamente em Campeonatos Estaduais – a exceção são as partidas de competições continentais e Copa do Brasil, em que as primeiras fases ocorrem simultaneamente às disputas regionais. Nesse período, a CBF analisa a atuação dos profissionais, para escalá-los nas partidas do primeiro nível do futebol brasileiro.

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Para cada rodada, são convocadas audiências públicas, com a presença de Federações, clubes, árbitros e profissionais da imprensa, a fim de definir a escala de arbitragem das Séries A e B.

Além disso, a CBF destina verbas às federações anualmente. A entidade manda, a cada mês, R$ 120 mil para cada Federação. Esse dinheiro deve ser investido no desenvolvimento do futebol regional – que inclui o quadro de arbitragem da federação.

Essa verba é fundamental para o desenvolvimento da arbitragem local, com cursos de capacitação para os profissionais, e para oferecer oportunidades ao quadro nos Estaduais – que servem de base para os juízes se tornarem árbitros da CBF. Isso se dá gradualmente, e, atualmente, todas as federações têm ao menos um nome no quadro da entidade.

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Entretanto, pela verba ser a mesma para todas as federações, a arbitragem não recebe a mesma atenção em todos os Estados. Em São Paulo, a Federação Paulista de Futebol (FPF) conta com uma renomada escola de arbitragem, em atuação desde a década de 1950 – em função da Copa do Mundo disputada no Brasil naquele ano.

Gráfico com federações com mais partidas no Brasileirão 2024 Foto: Arte Estadão

Outras federações, no entanto, têm demandas mais urgentes do que melhorar o desempenho de seus árbitros. É o caso da cearense, que tem dois nomes no Brasileirão deste ano, sendo que um destes é o de Marcelo de Lima Henrique, experiente árbitro carioca, mas que passou a atuar pelo quadro do Nordeste desde 2022.

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O plano da Federação Cearense de Futebol (FCF) era de que Marcelo, que já foi árbitro Fifa entre 2008 e 2014, pudesse elevar o nível da arbitragem local. Neste ano, ele apitou 12 jogos do Brasileirão – passou a ganhar mais oportunidades na reta final da competição, quando a CBF coloca profissionais de “nome” para comandar as partidas –, mas o único profissional cearense a trabalhar nesta temporada do Brasileirão foi Luciano da Silva Miranda Filho, com um jogo.

“É uma satisfação muito grande pra gente poder contar com o Marcelo, é um árbitro bastante experiente, está no melhor da sua carreira, ama o que faz e é bem gabaritado. Com toda certeza, vai agregar bastante”, afirmou Paulo Sílvio, presidente da Comissão de Arbitragem da FCF, em 2021.

O quadro da CBF conta com 333 árbitros. Em 2024, 39 nomes trabalharam em partidas da Série A. É uma média próxima a um árbitro por rodada. No entanto, 12 federações não tiveram representantes na primeira divisão: todas da região Norte, Maranhão, Paraíba, Piauí, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Maranhão é um caso que mostra o alinhamento de federações junto à CBF – no caso, a falta dele. Ele tem o mesmo número de árbitros que o DF, mas não possui representantes na Série A – diferentemente da capital do país, com dois. A Federação do Distrito Federal tem dez árbitros no quadro da CBF, e 20% destes trabalham na primeira divisão.

Próximo à capital, Goiás também tem 20% de seus árbitros na principal divisão do País. Mas em números absolutos, o domínio é do Sudeste: a região teve 17 árbitros na principal divisão do país neste ano.

Quadro Fifa

A falta de diversidade regional na arbitragem brasileira impacta diretamente no quadro da Fifa. Assim como na CBF, a entidade máxima do futebol observa quais profissionais têm a capacidade de arbitrar partidas internacionais, com a patente da Fifa.

Atualmente, como árbitro principal, o Brasil tem 17 profissionais; destes, apenas três não são do Centro-Sul: Deborah Cecília Cruz Correira e Rodrigo Pereira Sampaio, ambos de Pernambuco, e Thayslane de Melo Costa, do Sergipe. Destes, ainda há o fato de que Rodrigo é o único a ter arbitrado partidas de Série A nesta temporada.

As escolhas da CBF na Série A impactam nesses números, já que o árbitro precisa de um ‘portfólio’ de jogos antes de ser designado ao quadro da Fifa. Não só isso, mas as Federações costumam “pressionar” a CBF para que seus profissionais sejam elevados ao quadro da Fifa – fato que garante prestígio, tanto ao árbitro, quanto para a federação.

“A comissão de arbitragem da CBF sempre foi política. Presidentes das federações pressionam a CBF e nomes, que não são necessariamente os melhores, são alçados ao quadro justamente por ter esse apoio político, que falta a estados menores”, aponta Arnaldo Cezar Coelho, ex-árbitro da Fifa, ao Estadão. Com passagem como comentarista da TV Globo, ele chegou a trabalhar na final da Copa do Mundo de 1982. “Quanto mais próxima da comissão, mais prestígio a Federação tem junto à CBF.”

O árbitro Wilton Pereira Sampaio em ação pelo Campeonato Brasileiro Foto: Cesar Greco/Palmeiras

Além do prestígio profissional que o quadro da Fifa oferece, ter a patente da entidade máxima do futebol garante mais dinheiro no bolso dos juízes. Um árbitro Fifa ganha R$ 6,9 mil por jogo, enquanto os demais, apenas filiados à CBF, ganham R$ 5 mil. Já na Série B, um árbitro da Fifa recebe R$ 5,4 mil por partida; já um juiz da CBF recebe R$ 3,6 mil.

Ciclo sem fim

Manoel Serapião Filho, ex-árbitro da CBF e baiano, nunca foi alçado ao quadro da Fifa. Idealizador do projeto do Árbitro de Vídeo (VAR), que é utilizado atualmente no esporte, cita as questões políticas à época como um dos fatores para não ter sido alçado à posição.

“Passei seis ou sete anos na esperança da Fifa e não era designado, porque aparecia alguém, de outras federações, que passava na minha frente”, diz, ao Estadão. Na década de 2010, durante a implementação do VAR no Brasil, Serapião chegou a trabalhar em cargos na CBF. Atuou em mais de 850 jogos ao longo de sua carreira nos gramados.

A qualidade do futebol no Eixo também é apontada como um dos fatores para que os árbitros desta região sejam predominantes a nível nacional. “Quem mora em São Paulo, apita diversos clássicos e está na base do melhor futebol do país, quem apita no Rio, Porto Alegre, a mesma coisa”, aponta Serapião.

“Esses árbitros naturalmente estão afeitos a grandes clássicos, a grandes emoções. Quando a CBF for designar um árbitro para um jogo importante, envolvendo Palmeiras, Grêmio, Vasco, Flamengo, entre outros, vai colocar um árbitro que está habituado a esses jogos”, defende.

É por este motivo que Marcelo de Lima Henrique, mesmo na federação cearense, é um dos nomes com maior destaque no Brasileirão deste ano. Cria-se um ‘ciclo sem fim’, já que, mesmo que os árbitros tenham cursos profissionalizantes nos seus estados, a CBF opta por escalar nomes que já têm experiência com jogos de alto nível, como é o caso dos Estaduais de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, por exemplo.

Série B

Nas divisões inferiores, árbitros das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste têm mais oportunidades. Somente Roraima, Amazonas, Acre, Paraíba e Mato Grosso não tiveram representantes no primeiro turno da série B. Não só isso: a Federação Baiana é o quarto estado com maior número de partidas apitadas no campeonato deste ano.

A notoriedade da Federação Baiana se deve a uma proximidade com o próprio presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues. Torcedor do Vitória, Ednaldo tem boa relação com a Federação Baiana. Em agosto, convocou reunião entre clubes e comissão de arbitragem, um dia após o presidente do clube baiano, Fábio Mota, criticar a atuação dos juízes na partida com o Cruzeiro.

“É escandaloso, é vergonhoso, o Cruzeiro não precisava disso. Será que o Corinthians e o Fluminense precisavam disso para não cair e para o Vitória cair, porque no elo é o de menor investimento?”, afirmou o mandatário à época. A reportagem apurou que a reunião havia sido convocada em função do clássico entre Palmeiras e São Paulo, na mesma semana, que também resultou em críticas à arbitragem de Raphael Claus e briga entre as equipes.

De qualquer modo, a escala da Série B evidencia a aproximação da Federação Baiana junto à CBF. Também em novembro, o Brasil disputou, em Salvador, partida com o Uruguai pelas Eliminatórias da Copa do Mundo.

Problemas na CBF

A reportagem do Estadão questionou por e-mail a CBF sobre a regionalização da arbitragem brasileira. Realizou cobranças sucessivas por WhatsApp ao longo de um mês, também sem sucesso. Veja abaixo as perguntas feitas ao presidente da Comissão. Nos últimos meses, a confederação passou por problemas internos e externos, que afetaram a comissão liderada por Seneme.

Mensagem de WhatsApp enviada à CBF Foto: Reprodução

Na reunião entre clubes para discutir os problemas da arbitragem no Brasil, as principais questões diziam respeito à atuação do VAR e a interferência da arbitragem nas partidas. Após esta reunião, conduzida a portas fechadas em um dia que a entidade recebeu os clubes para o sorteio da Copa do Brasil, Seneme pediu licença para tratar de sua saúde.

Antes disso, em 2023, a CBF realizou, pela primeira vez, um trabalho de pré-temporada para os árbitros. À época, Seneme afirmou que a ideia era sair da “teoria para ter árbitros mais práticos do que teóricos”. Essa preparação surgiu de uma demanda, apontada pela comissão e pelos próprios árbitros: de que os profissionais chegavam à CBF ainda despreparados para partidas de alto nível.

“Hoje vejo que todas as federações se organizaram. Estão preocupados com o desenvolvimento da arbitragem. Mas ainda é muito cômodo para a CBF colocar profissionais de nome, porque é mais fácil ‘segurar o rojão’, em caso de erros”, aponta Arnaldo.

“O árbitro errou, fica punido. Fica meses sem ganhar nada”, comentou Marcelo de Lima Henrique, neste ano. Desde 2023, Wilton Pereira Sampaio e Ramon Abatti Abel, dois dos árbitros com mais partidas apitadas no Brasileirão desta temporada, foram suspensos por erros em partidas do Brasileirão. Consequentemente, deixaram de ganhar o repasse da CBF pelas partidas apitadas.

Além da pontuação dos times na luta pelo título ou contra o rebaixamento, a tabela do Campeonato Brasileiro revela uma escala de poder no futebol nacional. Das 20 equipes na primeira divisão, 15 são das regiões Sul e Sudeste (75%). Chamados popularmente de “Eixo”, os Estados e suas respectivas federações dominam as disputas esportivas no País.

Mas há outra nuance, que se estende para além das equipes: a comissão da arbitragem do Brasileirão, também dominado pelo Eixo. Em 2024, somente 12,5% das partidas foram apitadas por árbitros do Nordeste, enquanto o Centro-Oeste esteve representado em 7,3%. Até a 36ª rodada, o Norte não havia tido juízes na primeira divisão do campeonato.

Anderson Daronco é um dos árbitros que mais apitaram partidas nesse Brasileirão 2024 Foto: Cesar Greco/Palmeiras

Já as regiões Sul e Sudeste somam para mais 80% das partidas arbitradas no Brasileirão de 2024. Esses números partem de um levantamento exclusivo do Estadão, com base nas informações disponíveis pela CBF, no seu quadro de árbitros e nas escalas de cada partida das Séries A e B do Campeonato Brasileiro.

Bruno Arleu de Araújo, do Rio de Janeiro, é o árbitro com mais partidas apitadas no Brasileirão de 2024 (19). Ele é seguido pelo trio Davi de Oliveira Lacerda (ES), Rafael Rodrigo Klein (RS) e Ramon Abatti Abel (SC), com 18 jogos trabalhados. Todos do Centro-Sul. Rodrigo José Pereira de Lima, de Pernambuco, é o primeiro árbitro nascido fora do Eixo a figurar no ranking, na 17ª posição. A lista considera apenas o árbitro principal:

  1. Bruno Arleu de Araújo (RJ) - 19 partidas
  2. Davi de Oliveira Lacerda (ES) - 18 partidas
  3. Rafael Rodrigo Klein (RS) - 18 partidas
  4. Ramon Abatti Abel (SC) - 18 partidas
  5. Alex Gomes Stefano (RJ) - 17 partidas
  6. Anderson Daronco (RS) - 17 partidas
  7. Matheus Delgado Candançan (SP) - 17 partidas
  8. Raphael Claus (SP) - 17 partidas
  9. Braulio da Silva Machado (SC) -16 partidas
  10. Wilton Pereira Sampaio (GO) - 15 partidas

Diversas razões ajudam a explicar o porquê de, por exemplo, São Paulo e Rio de Janeiro terem mais profissionais no quadro, em comparação com Estados do Nordeste, como Maranhão, por exemplo. Ex-árbitros ouvidos por Estadão apontam que este domínio se deve, principalmente, à relação e proximidade política das federações do Sul e Sudeste com a CBF, assim como à “tradição” das escolas de arbitragem regionais.

É uma questão de alinhamento, que envolve a dimensão política. Federações mais próximas à CBF terão, consequentemente, mais árbitros comandando as partidas na Série A. Raphael Claus, Anderson Daronco e Bráulio da Silva Machado são nomes conhecidos do torcedor brasileiro. Em comum, são todos das regiões Sul e Sudeste. Nomes importantes do Nordeste, como Manoel Serapião Filho, se queixam de terem sido preteridos.

Disparidade entre os Estados

No calendário do futebol brasileiro, os árbitros trabalham, entre janeiro e abril, quase que exclusivamente em Campeonatos Estaduais – a exceção são as partidas de competições continentais e Copa do Brasil, em que as primeiras fases ocorrem simultaneamente às disputas regionais. Nesse período, a CBF analisa a atuação dos profissionais, para escalá-los nas partidas do primeiro nível do futebol brasileiro.

Para cada rodada, são convocadas audiências públicas, com a presença de Federações, clubes, árbitros e profissionais da imprensa, a fim de definir a escala de arbitragem das Séries A e B.

Além disso, a CBF destina verbas às federações anualmente. A entidade manda, a cada mês, R$ 120 mil para cada Federação. Esse dinheiro deve ser investido no desenvolvimento do futebol regional – que inclui o quadro de arbitragem da federação.

Essa verba é fundamental para o desenvolvimento da arbitragem local, com cursos de capacitação para os profissionais, e para oferecer oportunidades ao quadro nos Estaduais – que servem de base para os juízes se tornarem árbitros da CBF. Isso se dá gradualmente, e, atualmente, todas as federações têm ao menos um nome no quadro da entidade.

Entretanto, pela verba ser a mesma para todas as federações, a arbitragem não recebe a mesma atenção em todos os Estados. Em São Paulo, a Federação Paulista de Futebol (FPF) conta com uma renomada escola de arbitragem, em atuação desde a década de 1950 – em função da Copa do Mundo disputada no Brasil naquele ano.

Gráfico com federações com mais partidas no Brasileirão 2024 Foto: Arte Estadão

Outras federações, no entanto, têm demandas mais urgentes do que melhorar o desempenho de seus árbitros. É o caso da cearense, que tem dois nomes no Brasileirão deste ano, sendo que um destes é o de Marcelo de Lima Henrique, experiente árbitro carioca, mas que passou a atuar pelo quadro do Nordeste desde 2022.

O plano da Federação Cearense de Futebol (FCF) era de que Marcelo, que já foi árbitro Fifa entre 2008 e 2014, pudesse elevar o nível da arbitragem local. Neste ano, ele apitou 12 jogos do Brasileirão – passou a ganhar mais oportunidades na reta final da competição, quando a CBF coloca profissionais de “nome” para comandar as partidas –, mas o único profissional cearense a trabalhar nesta temporada do Brasileirão foi Luciano da Silva Miranda Filho, com um jogo.

“É uma satisfação muito grande pra gente poder contar com o Marcelo, é um árbitro bastante experiente, está no melhor da sua carreira, ama o que faz e é bem gabaritado. Com toda certeza, vai agregar bastante”, afirmou Paulo Sílvio, presidente da Comissão de Arbitragem da FCF, em 2021.

O quadro da CBF conta com 333 árbitros. Em 2024, 39 nomes trabalharam em partidas da Série A. É uma média próxima a um árbitro por rodada. No entanto, 12 federações não tiveram representantes na primeira divisão: todas da região Norte, Maranhão, Paraíba, Piauí, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Maranhão é um caso que mostra o alinhamento de federações junto à CBF – no caso, a falta dele. Ele tem o mesmo número de árbitros que o DF, mas não possui representantes na Série A – diferentemente da capital do país, com dois. A Federação do Distrito Federal tem dez árbitros no quadro da CBF, e 20% destes trabalham na primeira divisão.

Próximo à capital, Goiás também tem 20% de seus árbitros na principal divisão do País. Mas em números absolutos, o domínio é do Sudeste: a região teve 17 árbitros na principal divisão do país neste ano.

Quadro Fifa

A falta de diversidade regional na arbitragem brasileira impacta diretamente no quadro da Fifa. Assim como na CBF, a entidade máxima do futebol observa quais profissionais têm a capacidade de arbitrar partidas internacionais, com a patente da Fifa.

Atualmente, como árbitro principal, o Brasil tem 17 profissionais; destes, apenas três não são do Centro-Sul: Deborah Cecília Cruz Correira e Rodrigo Pereira Sampaio, ambos de Pernambuco, e Thayslane de Melo Costa, do Sergipe. Destes, ainda há o fato de que Rodrigo é o único a ter arbitrado partidas de Série A nesta temporada.

As escolhas da CBF na Série A impactam nesses números, já que o árbitro precisa de um ‘portfólio’ de jogos antes de ser designado ao quadro da Fifa. Não só isso, mas as Federações costumam “pressionar” a CBF para que seus profissionais sejam elevados ao quadro da Fifa – fato que garante prestígio, tanto ao árbitro, quanto para a federação.

“A comissão de arbitragem da CBF sempre foi política. Presidentes das federações pressionam a CBF e nomes, que não são necessariamente os melhores, são alçados ao quadro justamente por ter esse apoio político, que falta a estados menores”, aponta Arnaldo Cezar Coelho, ex-árbitro da Fifa, ao Estadão. Com passagem como comentarista da TV Globo, ele chegou a trabalhar na final da Copa do Mundo de 1982. “Quanto mais próxima da comissão, mais prestígio a Federação tem junto à CBF.”

O árbitro Wilton Pereira Sampaio em ação pelo Campeonato Brasileiro Foto: Cesar Greco/Palmeiras

Além do prestígio profissional que o quadro da Fifa oferece, ter a patente da entidade máxima do futebol garante mais dinheiro no bolso dos juízes. Um árbitro Fifa ganha R$ 6,9 mil por jogo, enquanto os demais, apenas filiados à CBF, ganham R$ 5 mil. Já na Série B, um árbitro da Fifa recebe R$ 5,4 mil por partida; já um juiz da CBF recebe R$ 3,6 mil.

Ciclo sem fim

Manoel Serapião Filho, ex-árbitro da CBF e baiano, nunca foi alçado ao quadro da Fifa. Idealizador do projeto do Árbitro de Vídeo (VAR), que é utilizado atualmente no esporte, cita as questões políticas à época como um dos fatores para não ter sido alçado à posição.

“Passei seis ou sete anos na esperança da Fifa e não era designado, porque aparecia alguém, de outras federações, que passava na minha frente”, diz, ao Estadão. Na década de 2010, durante a implementação do VAR no Brasil, Serapião chegou a trabalhar em cargos na CBF. Atuou em mais de 850 jogos ao longo de sua carreira nos gramados.

A qualidade do futebol no Eixo também é apontada como um dos fatores para que os árbitros desta região sejam predominantes a nível nacional. “Quem mora em São Paulo, apita diversos clássicos e está na base do melhor futebol do país, quem apita no Rio, Porto Alegre, a mesma coisa”, aponta Serapião.

“Esses árbitros naturalmente estão afeitos a grandes clássicos, a grandes emoções. Quando a CBF for designar um árbitro para um jogo importante, envolvendo Palmeiras, Grêmio, Vasco, Flamengo, entre outros, vai colocar um árbitro que está habituado a esses jogos”, defende.

É por este motivo que Marcelo de Lima Henrique, mesmo na federação cearense, é um dos nomes com maior destaque no Brasileirão deste ano. Cria-se um ‘ciclo sem fim’, já que, mesmo que os árbitros tenham cursos profissionalizantes nos seus estados, a CBF opta por escalar nomes que já têm experiência com jogos de alto nível, como é o caso dos Estaduais de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, por exemplo.

Série B

Nas divisões inferiores, árbitros das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste têm mais oportunidades. Somente Roraima, Amazonas, Acre, Paraíba e Mato Grosso não tiveram representantes no primeiro turno da série B. Não só isso: a Federação Baiana é o quarto estado com maior número de partidas apitadas no campeonato deste ano.

A notoriedade da Federação Baiana se deve a uma proximidade com o próprio presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues. Torcedor do Vitória, Ednaldo tem boa relação com a Federação Baiana. Em agosto, convocou reunião entre clubes e comissão de arbitragem, um dia após o presidente do clube baiano, Fábio Mota, criticar a atuação dos juízes na partida com o Cruzeiro.

“É escandaloso, é vergonhoso, o Cruzeiro não precisava disso. Será que o Corinthians e o Fluminense precisavam disso para não cair e para o Vitória cair, porque no elo é o de menor investimento?”, afirmou o mandatário à época. A reportagem apurou que a reunião havia sido convocada em função do clássico entre Palmeiras e São Paulo, na mesma semana, que também resultou em críticas à arbitragem de Raphael Claus e briga entre as equipes.

De qualquer modo, a escala da Série B evidencia a aproximação da Federação Baiana junto à CBF. Também em novembro, o Brasil disputou, em Salvador, partida com o Uruguai pelas Eliminatórias da Copa do Mundo.

Problemas na CBF

A reportagem do Estadão questionou por e-mail a CBF sobre a regionalização da arbitragem brasileira. Realizou cobranças sucessivas por WhatsApp ao longo de um mês, também sem sucesso. Veja abaixo as perguntas feitas ao presidente da Comissão. Nos últimos meses, a confederação passou por problemas internos e externos, que afetaram a comissão liderada por Seneme.

Mensagem de WhatsApp enviada à CBF Foto: Reprodução

Na reunião entre clubes para discutir os problemas da arbitragem no Brasil, as principais questões diziam respeito à atuação do VAR e a interferência da arbitragem nas partidas. Após esta reunião, conduzida a portas fechadas em um dia que a entidade recebeu os clubes para o sorteio da Copa do Brasil, Seneme pediu licença para tratar de sua saúde.

Antes disso, em 2023, a CBF realizou, pela primeira vez, um trabalho de pré-temporada para os árbitros. À época, Seneme afirmou que a ideia era sair da “teoria para ter árbitros mais práticos do que teóricos”. Essa preparação surgiu de uma demanda, apontada pela comissão e pelos próprios árbitros: de que os profissionais chegavam à CBF ainda despreparados para partidas de alto nível.

“Hoje vejo que todas as federações se organizaram. Estão preocupados com o desenvolvimento da arbitragem. Mas ainda é muito cômodo para a CBF colocar profissionais de nome, porque é mais fácil ‘segurar o rojão’, em caso de erros”, aponta Arnaldo.

“O árbitro errou, fica punido. Fica meses sem ganhar nada”, comentou Marcelo de Lima Henrique, neste ano. Desde 2023, Wilton Pereira Sampaio e Ramon Abatti Abel, dois dos árbitros com mais partidas apitadas no Brasileirão desta temporada, foram suspensos por erros em partidas do Brasileirão. Consequentemente, deixaram de ganhar o repasse da CBF pelas partidas apitadas.

Além da pontuação dos times na luta pelo título ou contra o rebaixamento, a tabela do Campeonato Brasileiro revela uma escala de poder no futebol nacional. Das 20 equipes na primeira divisão, 15 são das regiões Sul e Sudeste (75%). Chamados popularmente de “Eixo”, os Estados e suas respectivas federações dominam as disputas esportivas no País.

Mas há outra nuance, que se estende para além das equipes: a comissão da arbitragem do Brasileirão, também dominado pelo Eixo. Em 2024, somente 12,5% das partidas foram apitadas por árbitros do Nordeste, enquanto o Centro-Oeste esteve representado em 7,3%. Até a 36ª rodada, o Norte não havia tido juízes na primeira divisão do campeonato.

Anderson Daronco é um dos árbitros que mais apitaram partidas nesse Brasileirão 2024 Foto: Cesar Greco/Palmeiras

Já as regiões Sul e Sudeste somam para mais 80% das partidas arbitradas no Brasileirão de 2024. Esses números partem de um levantamento exclusivo do Estadão, com base nas informações disponíveis pela CBF, no seu quadro de árbitros e nas escalas de cada partida das Séries A e B do Campeonato Brasileiro.

Bruno Arleu de Araújo, do Rio de Janeiro, é o árbitro com mais partidas apitadas no Brasileirão de 2024 (19). Ele é seguido pelo trio Davi de Oliveira Lacerda (ES), Rafael Rodrigo Klein (RS) e Ramon Abatti Abel (SC), com 18 jogos trabalhados. Todos do Centro-Sul. Rodrigo José Pereira de Lima, de Pernambuco, é o primeiro árbitro nascido fora do Eixo a figurar no ranking, na 17ª posição. A lista considera apenas o árbitro principal:

  1. Bruno Arleu de Araújo (RJ) - 19 partidas
  2. Davi de Oliveira Lacerda (ES) - 18 partidas
  3. Rafael Rodrigo Klein (RS) - 18 partidas
  4. Ramon Abatti Abel (SC) - 18 partidas
  5. Alex Gomes Stefano (RJ) - 17 partidas
  6. Anderson Daronco (RS) - 17 partidas
  7. Matheus Delgado Candançan (SP) - 17 partidas
  8. Raphael Claus (SP) - 17 partidas
  9. Braulio da Silva Machado (SC) -16 partidas
  10. Wilton Pereira Sampaio (GO) - 15 partidas

Diversas razões ajudam a explicar o porquê de, por exemplo, São Paulo e Rio de Janeiro terem mais profissionais no quadro, em comparação com Estados do Nordeste, como Maranhão, por exemplo. Ex-árbitros ouvidos por Estadão apontam que este domínio se deve, principalmente, à relação e proximidade política das federações do Sul e Sudeste com a CBF, assim como à “tradição” das escolas de arbitragem regionais.

É uma questão de alinhamento, que envolve a dimensão política. Federações mais próximas à CBF terão, consequentemente, mais árbitros comandando as partidas na Série A. Raphael Claus, Anderson Daronco e Bráulio da Silva Machado são nomes conhecidos do torcedor brasileiro. Em comum, são todos das regiões Sul e Sudeste. Nomes importantes do Nordeste, como Manoel Serapião Filho, se queixam de terem sido preteridos.

Disparidade entre os Estados

No calendário do futebol brasileiro, os árbitros trabalham, entre janeiro e abril, quase que exclusivamente em Campeonatos Estaduais – a exceção são as partidas de competições continentais e Copa do Brasil, em que as primeiras fases ocorrem simultaneamente às disputas regionais. Nesse período, a CBF analisa a atuação dos profissionais, para escalá-los nas partidas do primeiro nível do futebol brasileiro.

Para cada rodada, são convocadas audiências públicas, com a presença de Federações, clubes, árbitros e profissionais da imprensa, a fim de definir a escala de arbitragem das Séries A e B.

Além disso, a CBF destina verbas às federações anualmente. A entidade manda, a cada mês, R$ 120 mil para cada Federação. Esse dinheiro deve ser investido no desenvolvimento do futebol regional – que inclui o quadro de arbitragem da federação.

Essa verba é fundamental para o desenvolvimento da arbitragem local, com cursos de capacitação para os profissionais, e para oferecer oportunidades ao quadro nos Estaduais – que servem de base para os juízes se tornarem árbitros da CBF. Isso se dá gradualmente, e, atualmente, todas as federações têm ao menos um nome no quadro da entidade.

Entretanto, pela verba ser a mesma para todas as federações, a arbitragem não recebe a mesma atenção em todos os Estados. Em São Paulo, a Federação Paulista de Futebol (FPF) conta com uma renomada escola de arbitragem, em atuação desde a década de 1950 – em função da Copa do Mundo disputada no Brasil naquele ano.

Gráfico com federações com mais partidas no Brasileirão 2024 Foto: Arte Estadão

Outras federações, no entanto, têm demandas mais urgentes do que melhorar o desempenho de seus árbitros. É o caso da cearense, que tem dois nomes no Brasileirão deste ano, sendo que um destes é o de Marcelo de Lima Henrique, experiente árbitro carioca, mas que passou a atuar pelo quadro do Nordeste desde 2022.

O plano da Federação Cearense de Futebol (FCF) era de que Marcelo, que já foi árbitro Fifa entre 2008 e 2014, pudesse elevar o nível da arbitragem local. Neste ano, ele apitou 12 jogos do Brasileirão – passou a ganhar mais oportunidades na reta final da competição, quando a CBF coloca profissionais de “nome” para comandar as partidas –, mas o único profissional cearense a trabalhar nesta temporada do Brasileirão foi Luciano da Silva Miranda Filho, com um jogo.

“É uma satisfação muito grande pra gente poder contar com o Marcelo, é um árbitro bastante experiente, está no melhor da sua carreira, ama o que faz e é bem gabaritado. Com toda certeza, vai agregar bastante”, afirmou Paulo Sílvio, presidente da Comissão de Arbitragem da FCF, em 2021.

O quadro da CBF conta com 333 árbitros. Em 2024, 39 nomes trabalharam em partidas da Série A. É uma média próxima a um árbitro por rodada. No entanto, 12 federações não tiveram representantes na primeira divisão: todas da região Norte, Maranhão, Paraíba, Piauí, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Maranhão é um caso que mostra o alinhamento de federações junto à CBF – no caso, a falta dele. Ele tem o mesmo número de árbitros que o DF, mas não possui representantes na Série A – diferentemente da capital do país, com dois. A Federação do Distrito Federal tem dez árbitros no quadro da CBF, e 20% destes trabalham na primeira divisão.

Próximo à capital, Goiás também tem 20% de seus árbitros na principal divisão do País. Mas em números absolutos, o domínio é do Sudeste: a região teve 17 árbitros na principal divisão do país neste ano.

Quadro Fifa

A falta de diversidade regional na arbitragem brasileira impacta diretamente no quadro da Fifa. Assim como na CBF, a entidade máxima do futebol observa quais profissionais têm a capacidade de arbitrar partidas internacionais, com a patente da Fifa.

Atualmente, como árbitro principal, o Brasil tem 17 profissionais; destes, apenas três não são do Centro-Sul: Deborah Cecília Cruz Correira e Rodrigo Pereira Sampaio, ambos de Pernambuco, e Thayslane de Melo Costa, do Sergipe. Destes, ainda há o fato de que Rodrigo é o único a ter arbitrado partidas de Série A nesta temporada.

As escolhas da CBF na Série A impactam nesses números, já que o árbitro precisa de um ‘portfólio’ de jogos antes de ser designado ao quadro da Fifa. Não só isso, mas as Federações costumam “pressionar” a CBF para que seus profissionais sejam elevados ao quadro da Fifa – fato que garante prestígio, tanto ao árbitro, quanto para a federação.

“A comissão de arbitragem da CBF sempre foi política. Presidentes das federações pressionam a CBF e nomes, que não são necessariamente os melhores, são alçados ao quadro justamente por ter esse apoio político, que falta a estados menores”, aponta Arnaldo Cezar Coelho, ex-árbitro da Fifa, ao Estadão. Com passagem como comentarista da TV Globo, ele chegou a trabalhar na final da Copa do Mundo de 1982. “Quanto mais próxima da comissão, mais prestígio a Federação tem junto à CBF.”

O árbitro Wilton Pereira Sampaio em ação pelo Campeonato Brasileiro Foto: Cesar Greco/Palmeiras

Além do prestígio profissional que o quadro da Fifa oferece, ter a patente da entidade máxima do futebol garante mais dinheiro no bolso dos juízes. Um árbitro Fifa ganha R$ 6,9 mil por jogo, enquanto os demais, apenas filiados à CBF, ganham R$ 5 mil. Já na Série B, um árbitro da Fifa recebe R$ 5,4 mil por partida; já um juiz da CBF recebe R$ 3,6 mil.

Ciclo sem fim

Manoel Serapião Filho, ex-árbitro da CBF e baiano, nunca foi alçado ao quadro da Fifa. Idealizador do projeto do Árbitro de Vídeo (VAR), que é utilizado atualmente no esporte, cita as questões políticas à época como um dos fatores para não ter sido alçado à posição.

“Passei seis ou sete anos na esperança da Fifa e não era designado, porque aparecia alguém, de outras federações, que passava na minha frente”, diz, ao Estadão. Na década de 2010, durante a implementação do VAR no Brasil, Serapião chegou a trabalhar em cargos na CBF. Atuou em mais de 850 jogos ao longo de sua carreira nos gramados.

A qualidade do futebol no Eixo também é apontada como um dos fatores para que os árbitros desta região sejam predominantes a nível nacional. “Quem mora em São Paulo, apita diversos clássicos e está na base do melhor futebol do país, quem apita no Rio, Porto Alegre, a mesma coisa”, aponta Serapião.

“Esses árbitros naturalmente estão afeitos a grandes clássicos, a grandes emoções. Quando a CBF for designar um árbitro para um jogo importante, envolvendo Palmeiras, Grêmio, Vasco, Flamengo, entre outros, vai colocar um árbitro que está habituado a esses jogos”, defende.

É por este motivo que Marcelo de Lima Henrique, mesmo na federação cearense, é um dos nomes com maior destaque no Brasileirão deste ano. Cria-se um ‘ciclo sem fim’, já que, mesmo que os árbitros tenham cursos profissionalizantes nos seus estados, a CBF opta por escalar nomes que já têm experiência com jogos de alto nível, como é o caso dos Estaduais de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, por exemplo.

Série B

Nas divisões inferiores, árbitros das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste têm mais oportunidades. Somente Roraima, Amazonas, Acre, Paraíba e Mato Grosso não tiveram representantes no primeiro turno da série B. Não só isso: a Federação Baiana é o quarto estado com maior número de partidas apitadas no campeonato deste ano.

A notoriedade da Federação Baiana se deve a uma proximidade com o próprio presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues. Torcedor do Vitória, Ednaldo tem boa relação com a Federação Baiana. Em agosto, convocou reunião entre clubes e comissão de arbitragem, um dia após o presidente do clube baiano, Fábio Mota, criticar a atuação dos juízes na partida com o Cruzeiro.

“É escandaloso, é vergonhoso, o Cruzeiro não precisava disso. Será que o Corinthians e o Fluminense precisavam disso para não cair e para o Vitória cair, porque no elo é o de menor investimento?”, afirmou o mandatário à época. A reportagem apurou que a reunião havia sido convocada em função do clássico entre Palmeiras e São Paulo, na mesma semana, que também resultou em críticas à arbitragem de Raphael Claus e briga entre as equipes.

De qualquer modo, a escala da Série B evidencia a aproximação da Federação Baiana junto à CBF. Também em novembro, o Brasil disputou, em Salvador, partida com o Uruguai pelas Eliminatórias da Copa do Mundo.

Problemas na CBF

A reportagem do Estadão questionou por e-mail a CBF sobre a regionalização da arbitragem brasileira. Realizou cobranças sucessivas por WhatsApp ao longo de um mês, também sem sucesso. Veja abaixo as perguntas feitas ao presidente da Comissão. Nos últimos meses, a confederação passou por problemas internos e externos, que afetaram a comissão liderada por Seneme.

Mensagem de WhatsApp enviada à CBF Foto: Reprodução

Na reunião entre clubes para discutir os problemas da arbitragem no Brasil, as principais questões diziam respeito à atuação do VAR e a interferência da arbitragem nas partidas. Após esta reunião, conduzida a portas fechadas em um dia que a entidade recebeu os clubes para o sorteio da Copa do Brasil, Seneme pediu licença para tratar de sua saúde.

Antes disso, em 2023, a CBF realizou, pela primeira vez, um trabalho de pré-temporada para os árbitros. À época, Seneme afirmou que a ideia era sair da “teoria para ter árbitros mais práticos do que teóricos”. Essa preparação surgiu de uma demanda, apontada pela comissão e pelos próprios árbitros: de que os profissionais chegavam à CBF ainda despreparados para partidas de alto nível.

“Hoje vejo que todas as federações se organizaram. Estão preocupados com o desenvolvimento da arbitragem. Mas ainda é muito cômodo para a CBF colocar profissionais de nome, porque é mais fácil ‘segurar o rojão’, em caso de erros”, aponta Arnaldo.

“O árbitro errou, fica punido. Fica meses sem ganhar nada”, comentou Marcelo de Lima Henrique, neste ano. Desde 2023, Wilton Pereira Sampaio e Ramon Abatti Abel, dois dos árbitros com mais partidas apitadas no Brasileirão desta temporada, foram suspensos por erros em partidas do Brasileirão. Consequentemente, deixaram de ganhar o repasse da CBF pelas partidas apitadas.

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