Alvo de muitas críticas em meio à péssima fase do Corinthians, o goleiro Cássio admitiu que cometeu algumas falhas, mas mostrou-se incomodado em ser apontado constantemente como culpado pelas frustrações corintianas e falou até em deixar o clube, durante desabafo após derrota por 1 a 0 para o Argentinos Juniors. O gol sofrido na partida em Buenos Aires foi um dos lances que desencadearam questionamentos sobre o atual desempenho do ídolo corintiano, sempre acompanhados do clamor pela titularidade de Carlos Miguel.
Cássio já vem sendo criticado há algum tempo, situação que se intensificou no ano passado, quando o time alvinegro brigou para não ser rebaixado no Brasileirão. O momento oscilante do goleiro, portanto, coincide com a fase terrível do time. Afinal, as falhas são indícios de que Cássio já não é mais o mesmo e pode estar perto do encerramento da carreira ou representam apenas o reflexo de um clube em crise longa e intensa? O Estadão ouviu ex-goleiros para analisar a situação.
Fernando Prass, que rivalizou com Cássio nos tempos em que jogou no Palmeiras, considera difícil avaliar uma situação como a vivida pelo corintiano. “A olho nu, tu não vai conseguir avaliar isso. Vão ser percepções. E as percepções são muito viciadas e condicionadas também pelo momento do time”, comenta o ex-goleiro e hoje comentarista da ESPN, que se aposentou aos 42 anos, seis anos a mais do que os 36 que Cássio tem agora.
Prass entende que o goleiro do Corinthians cometeu, sim, falhas, mas que elas não são suficientes para cravar que existe um problema técnico ou de reflexos prejudicados. “Ele errou em alguns gols, como o Weverton errou, como o Fábio errou o ano passado e chegou ser vaiado pela torcida do Fluminense. É nítido que o Fábio não está em declínio técnico, né? Ele passou ali um momento de baixa que é natural na carreira. Buffon e Neuer já passaram por isso”.
O comentarista também questiona a dimensão exagerada das críticas em redes sociais e o quanto o momento ruim coletivo pode gerar injustiças no âmbito individual. “Rede social não é parâmetro para nada. São torcedores apaixonados, alguns que não entendem de futebol. A grande maioria é leigo no assunto. E aí você vai querer levar em conta uma opinião de uma pessoa leiga que não vê o dia a dia. Vai querer confrontar a opinião d profissionais que têm anos no futebol, que são capacitados para julgar se o Cássio deve jogar ou não?”, diz.
“Quem hoje no Corinthians está se destacando? Quem está em um momento bom? De repente, o Raniele, mas será que o ele não veio com uma expectativa baixa e isso ajudou também ele construir uma imagem boa, ao contrário do Cássio, que já deu um título mundial para o clube. Então, expectativa em cima do Cássio sempre vai ser a mais alta possível, a do goleiro da seleção, a do melhor goleiro do Brasil, a do goleiro que entrou para contribuir com uma Libertadores, com o Mundial”, completa.
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Quando é a hora de parar?
Formado nas categorias de base do Corinthians, tricampeão paulista e integrante da Democracia Corintiana, o ex-goleiro Sollito foi titular em uma das três conquistas estaduais e teve de brigar por posição com nomes como Emerson Leão e Carlos. Tem 172 jogos com a camisa alvinegra, a qual parou de vestir em 1986, já pensando na possibilidade de parar. Após rodar por times do interior, encerrou a carreira com 31 anos. Para ele, a decisão de parar de jogar é muito pessoal.
“O que vai sobressair mais no futebol é o gol e quem tá tomando gol é o goleiro. Então, vai acabar recaindo nas costas dele, o que eu acho que uma tremenda injustiça não só pela história dele, mas realmente ele é um grande goleiro. Isso daí é indiscutível. Agora, é difícil você, naquela posição, estar seguro com um time que não corresponde. Acho que tem que ter um bom senso, claro, nós temos que pensar também na idade, uma hora para parar temos. É uma coisa que cabe a ele porque muita gente fala ‘tá na hora de parar. Ele tem que saber a hora de parar ou não. A história dele já tá feita lá”, diz.
Já Emerson Leão, que foi goleiro do Corinthians no título paulista de 1983, entende que Cássio deve se fechar para as críticas externas e se ater a ouvir profissionais. Para ele, aliás, existe um vazio a ser preenchido dentro dos clubes brasileiros com pessoas qualificadas para auxiliar os jogadores em momentos como o vivido pelo ídolo corintiano.
“‘Ele tem que parar, ele tem que descansar, ele tem que mudar’... não acho nada disso. Acho que sempre os clubes deveriam ter pessoas qualificadas que já estiveram dentro do gramado para saber como se conduzir num momento desse”, afirma. “Por exemplo, acabou o jogo, todo mundo correu em cima do Cássio. Aí, ele falou aquilo. Se tem um bom senso, uma pessoa ao lado, esta pessoa chega primeiro e fala ‘calma, depois falaremos’. A capacidade dessa pessoa pode ajudar a qualquer atleta. É um ponto falho do futebol brasileiro”.
Leão vê erros em gols recente sofridos por Cássio, mas considera que as falhas ainda são mínimas perto das boas defesas que ele continua fazendo. “Eu acho que ele teve participação de erros. Participação é uma coisa coletiva e individualmente ele pode ter tido alguma falha. Agora, se nós colocarmos porcentagem no que ele salva e no que ele erra, não dá nem para comparar”, afirma. “Agora, eu vou falar para o Cássio: senta com quem sabe, bata um papo e continue jogando”, conclui.
Prass também vê o goleiro corintiano em condições de continuar jogando em alto nível por mais tempo. “O Cássio é novo para parar. Hoje em dia cara um goleiro com 36, 37, 38 anos tem condições totais de continuar a profissão. A medicina do esporte, a tecnologia, o treinamento de goleiro é muito científico. Antigamente era uma loucura. Hoje, você tem condições de manter os níveis de força e velocidade mesmo com uma idade mais avançada, fazendo treinamento específicos”.
É o momento de Carlos Miguel?
Enquanto Cássio convive com as críticas, parte da torcida pede que Carlos Miguel ganhe chance como titular. Sollito concorda que faria bem ao time deixar o ídolo no banco e ver como o reserva se sai em uma sequência de jogos com a pesada camisa alvinegra.
“Cabe ao treinador aliviar o Cássio neste momento, tirá-lo da pressão. É uma transição normal isso daí. Claro, vai entrar o outro goleiro, seja ele qual for, vai entrar em uma fria neste momento, porque a situação do Corinthians não é das melhores, mas tem de se fazer isso em algum momento. Eu vendo de fora, bem de fora, acho que é válido até para tirá-lo um pouco do holofote”, comenta.
Fernando Prass, por sua vez, já não tem tanta certeza sobre a efetividade de realizar um troca debaixo da trave do Corinthians. “É natural que o goleiro reserva que jogou pouco, que não está nessas derrotas, que não falha porque tem jogado pouco, seja o preferido, e isso isso é cíclico. Aí, se o time continuar mal, o Carlos Miguel vai entrar e, daqui a dois meses, ele não vai aguentar também, porque o problema não é apenas o goleiro, é o cenário do Corinthians”, diz.
“Quem pode avaliar é quem está lá dentro, quem vê o dia a dia do Corinthians. Eu falo isso porque eu passei por situações no futebol de torcida indignada. ‘Por que que fulano não recebe a chance?’ No dia a dia para a gente era muito claro o porquê das decisões do treinador. É uma questão muito complicada. Se o Carlos Miguel está no Corinthians, é óbvio que ele tem condição de jogar. Agora, essa questão de de substituir o Cássio ou não, eu vou ser sincero: vendo de fora, no meu achismo, eu não tiraria. Pelo contrário, daria a chance para o Cássio se recuperar”, completa.