Comemoração mais controversa das últimas semanas no futebol brasileiro, protagonizada por Raphael Veiga, do Palmeiras, Luciano, do São Paulo, Pavón, do Atlético Mineiro, e outros jogadores, o chute na bandeira de escanteio suscita dúvidas em razão da ausência de um critério definido para punir ou não essas celebrações e gera opiniões diferentes entre os árbitros.
Não existe no livro das leis do jogo elaborado pela International Football Association Board (IFAB), órgão responsável pelas regras do futebol, nenhuma norma que verse especificamente sobre o chute dado pelo jogador na bandeira de canto. A Ifab apenas diz que as comemorações de gols não devem “ser excessivas” e, na regra 12 (faltas e condutas incorretas), no item “comemoração de gols”, ela determina quando o jogador deve ser advertido com cartão. Veja o que a regra diz:
Um jogador deve ser advertido, mesmo que o gol seja anulado, se:
- Subir no alambrado e/ou se aproximar dos espectadores, originando problemas de segurança;
- Fizer gestos ou agir de uma maneira provocatória, de troça, ou inflamatória;
- Cobrir a cabeça ou o rosto com uma máscara;
- Tirar a camisa ou cobrir a cabeça com a camisa.
Falta de critério
O Estadão ouviu Carlos Eugênio Simon, Leonardo Gaciba e Salvio Spinola, três dos ex-árbitros mais famosos do País, para entender por que essa celebração tem ou não tem de ser punida com cartão amarelo e em quais as circunstâncias. Cabe lembrar que, até pouco tempo atrás, os mastros eram neutros, isto é, não carregavam a flâmulas das equipes. Hoje, a maioria dos estádios têm o distintivos dos clubes nas bandeiras de escanteio, o que faz alguns entenderem ser desrespeito chutar o objeto.
“Pra mim, chutar a bandeira é desrespeito ao jogo”, opina Gaciba. “Houve uma mudança na regra com a permissão da colocação das bandeiras dos clubes. É uma comemoração normal, que ninguém nunca tinha considerado desrespeitosa. A partir do momento em que houve essa mudança, pode ser considerado desrespeito o fato de o jogador chutar a bandeira de canto”, explica o comentarista de arbitragem dos canais ESPN.
Salvio Spinola, ex-analista de arbitragem do Grupo Globo, diz que a questão central, para o juiz, é analisar se o atleta se excedeu ou não na sua celebração do gol. “O árbitro tem de analisar se houve excesso na comemoração. O Luciano, por exemplo, teve uma atitude antidesportiva contra a equipe local”, afirma Spinola, citando o lance envolvendo o atacante do São Paulo na Neo Química Arena, em duelo da semifinal da Copa do Brasil contra o Corinthians. Na ocasião, Wilton Pereira Sampaio justificou que aplicou o cartão amarelo ao jogador porque a comemoração foi “provocativa” contra a torcida adversária.
Simon avalia que o atleta, celebrando seu gol com uma voadora em direção à bandeira de escanteio fora de casa, com a flâmula do time adversário, “pode inflamar o torcedor rival”. “O distintivo do clube é o símbolo do clube. No meu entendimento, é cartão amarelo. Esses mastros são um equipamento do jogo”, esclarece.
Eles entendem que o maior problema é a ausência de um critério definido, assim como disse o próprio Raphael Veiga, uma orientação clara que deveria ser passada pela Comissão de Arbitragem da CBF aos árbitros em atividade no Brasil. Assim, como cada juiz interpreta da sua maneira, um jogador pode levar amarelo caso chute a bandeira da equipe rival e outro não.
“A tese que tenho é a seguinte: ou pode ou não pode. Tem de definir bem isso. Sou favorável que haja uma posição. Ou regulariza ou deixa como está e fica essa festa, um pune e outro não pune”, salienta Simon.
Raphael Veiga, por exemplo, não foi advertido pelo argentino Facundo Tello em jogo das quartas da Libertadores quando chutou o mastro do Mineirão, mas levou amarelo no último sábado de André Luiz Skettino Policarpo Bento ao celebrar da mesma maneira na Arena Pantanal, em duelo do Brasileirão.
“Está faltando a regulamentação. A CBF tem de chegar e dizer: ‘a partir de hoje, é essa a regra. Olha, vamos considerar desrespeito ao jogo quando o cara chutar a bandeira do time adversário’”, corrobora Gaciba. “O que precisa haver é uma linha, sair de cima do muro, não deixar na conta do árbitro de campo”.
Ex-chefe de arbitragem da CBF, Gaciba fez críticas ao seu sucessor, Wilson Luiz Seneme. “O Seneme bota muita coisa para a interpretação dos árbitros. Acho engraçado, é uma coisa simples, e ele não faz. Quer complicar o processo? Do jeito que está, fica igual aos casos de bola na mão, que ninguém consegue entender”.
Spinola discorda. Ele considera que a CBF deve manter como está e deixar a decisão na mão dos árbitros devido ausência de uma regra escrita. “O critério objetivo tem de ser em texto da regra, não em orientação, na minha opinião”, argumenta. “A comissão de arbitragem não faz regra”.
‘Ninguém vai ser autoritário’
Seneme, em sua defesa, diz que não pode ser “autoritário” ao “passar o limite da instrução ao árbitro que a regra não dá” e afirma que esse tipo de lance vai continuar sendo interpretativo. “A gente não pode determinar isso como instrução única. A gente não pode definir isso porque a regra não permite que chutar a bandeirinha de escanteio é igual a cartão amarelo. Então, vai do bom senso do jogador e da interpretação do árbitro”, declarou.
O chefe de arbitragem da CBF aconselhou os atletas a reverem suas comemorações. Ele entende que os jogadores “assumem o risco” de inflamar a torcida adversária quando celebram seus gols com um pontapé na bandeira, ainda que isso não aconteça, como com Veiga diante do Cuiabá. Ele fazia isso bem antes da polêmica. “Talvez o árbitro tenha sido um pouco rigoroso demais”, admitiu Seneme.