A Copa São Paulo de Futebol Júnior, popularmente conhecida como Copinha, é a principal competição das categorias de base do Brasil. Com jogadores de até 20 anos, ela reúne clubes de todo o Brasil, com craques que sonham com o estrelato; uma conquista, ainda que não seja no futebol profissional, pode alçar atletas a outros patamares – é o caso de Lucas Moura, campeão pelo São Paulo na década de 2000. Não depende só dos jogadores, no entanto: é preciso um investimento milionário dos clubes para alçar seus talentos a outros níveis.
Nos últimos cinco anos – 2019 a 2023 –, dois times dominaram o futebol brasileiro: Flamengo e Palmeiras; não por acaso, ambos estão entre os clubes que mais investem financeiramente em suas categorias de base. É o que aponta o Relatório Convocados Galápagos Outfield, desenvolvido pelo economista César Grafietti, que faz um raio x das finanças do futebol brasileiro. Somados, as duas principais potências do País desembolsaram R$ 311 milhões com seus juniores.
O clube rubro-negro é, de fato, o que mais investe em suas categorias de base. Desde 2019, foram investidos R$ 184 milhões nos “Garotos do Ninho”. O resultado é a revelação de nomes como Victor Hugo, Matheus Gonçalves e João Gomes, além dos inúmeros títulos profissionais. De 2019 a 2023, foram dez títulos, entre nacionais, internacionais e estaduais – dentre estes, duas Libertadores (2019 e 2022).
“Os clubes brasileiros destinaram 71% de seus investimentos ao elenco profissional, 16% nas categorias de base e 13% em infraestrutura. Isso se explica pelo fato de que no final do dia, o grande objetivo de um clube de futebol é desempenhar bem no profissional, caso contrário o impacto financeiro é tamanho que vai faltar recurso para poder investir em base”, aponta Marco Sirangelo, Head de Projetos da Outfield.
Além do Flamengo, Grêmio, São Paulo, Palmeiras e Internacional completam o top 5 dos clubes que mais despendem para promover seu futebol nos juvenis. O time alviverde, inclusive, sente essa mudança além do futebol profissional: na Copinha, apesar de ter sido eliminado pelo surpreendente Aster nas oitavas de final desta temporada, conquistou o bicampeonato em 2022 e 2023. Antes desses anos, o clube nunca havia conquistado a competição. Também revelou Endrick, maior venda da história do clube.
“O Internacional tem em seu DNA o investimento pela base, e na nossa gestão, aprofundamos essa qualificação não apenas na parte técnica, mas também em estrutura e capacitação humana, de dados e equipamentos. Temos a certeza que a formação de novos profissionais nas categorias de base é um dos pilares desta gestão”, analisa Felipe Becker, vice-presidente de futebol do Internacional.
São Paulo investiu R$ 128 milhões em sua base. Na última temporada, conquistou a Copa do Brasil – a primeira de sua história – com um gol de Rodrigo Nestor, revelado pelo clube. Além do Relatório Convocados, um levantamento do CIES Football Observatory revelou que o time tricolor – de acordo com os parâmetros analisados – tem a melhor categoria de base do País. Foram 66 jogadores revelados e que chegaram a atuar pelo clube profissionalmente.
“Investimento na base tem dois grandes objetivos enquanto negócio: formar atletas que possam ser utilizados pela equipe profissional e negociar os direitos de atletas que custaram comparativamente menos que outros que vieram de for”, aponta Grafietti. “Palmeiras e Flamengo têm conquistado títulos com menos atletas formados em casa, e a exceção importante foi a participação decisiva de Endrick na arrancada do palmeiras no Brasileiro do ano passado.”
Palmeiras tem centro de treinamento exclusivo para suas categorias de base. A Academia de Futebol 2, em Guarulhos, tem cinco campos em tamanho oficial com grama natural. Já o Flamengo, no Ninho do Urubu, permite que os atletas do juniores utilizem as mesmas dependências do futebol profissional. “O sucesso de um trabalho de base pode ser medido pela quantidade de atletas formados que conseguem atingir o elenco profissional e, principalmente, pelo retorno financeiro obtido através da negociação para outro clube, seja ela direta ou via o mecanismo de solidariedade da Fifa”, defende Sirangelo.
“O mercado brasileiro tem cinco grandes clubes com um trabalho de formação diferenciados dos demais, englobando captação, desenvolvimento e promoção de atletas. A superioridade de suas equipes em campo, em vários torneios, permite que o clube os conquiste, tanto atuando com atletas mais novos que os demais, como quase sempre, sem os principais destaques de cada geração. Outro diferencial importante é a clara compreensão de que a promoção precoce de um jovem para a equipe principal exige mobilização para diversas promoções a categorias superiores”, analisa Thiago Freitas, COO da Roc Nation Sports Brazil, empresa que gerencia as carreiras de Endrick, Vini Jr., Lucas Paquetá e Gabriel Martinelli.
Destaques negativos do Relatório são Corinthians e Botafogo. Apesar de ser o maior campeão da Copinha, o time alvinegro investiu apenas R$ 39 milhões nos últimos cinco anos em seus “Filhos do Terrão”. Já o Botafogo, que planeja um novo CT, em parceria com o Lyon, de John Textor, dono da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) do clube, gastou apenas R$ 18 milhões com seus talentos.
“No Brasil, dado nosso histórico de aparecerem atletas altamente técnicos, deixamos a desejar no que é a formação em si. Os europeus, sem tantos talentos naturais, desenvolveram metodologia que possibilita uma formação mais sólida de aspecto básicos, como passe, movimento do corpo, chute, e compromisso tático. Com isso, selecionamos mais que formamos”, afirma Grafietti. No mesmo levantamento do CIES, o Ajax, da Holanda, é apontado como a melhor base do mundo.
Quem mais arrecada?
Os números de venda dos atletas contemplam os resultados de 2020 a 2022, corrigidos em 2023 de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Porém, é possível se ter uma ideia do resultado do investimento na base por meio do total arrecadado com transferências nesse período.
O Flamengo é o que mais investe e o que mais arrecada (R$ 564 milhões), mas destaca-se também a dupla paulista: São Paulo e Palmeiras, que também são dois dos clubes que têm um foco nos juniores, acumulam R$ 500 milhões e 494 milhões, respectivamente, com transferências. Esses números correspondem a todas as saídas e vendas dos clubes no período. “Como atletas a partir de 22 anos já tem mercado restrito na Europa, a grande maioria das negociações tem sido feitas por atletas formados, ou contratados ainda jovens”, aponta Grafietti.
Por exemplo, a gestão de Leila Pereira conseguiu costurar acordo com o Real Madrid para a venda de Endrick pelo recorde na história do clube alviverde. O valor da negociação pode superar 72 milhões de euros (R$ 408,6 milhões na cotação atual). Do montante, 12 milhões são referentes a impostos que serão pagos pelos espanhóis. Dos 60 milhões restantes, uma parcela menor é referente a metas a serem atingidas pelo atleta na Europa.
Custo-benefício
Pelos altos valores investidos, nenhum dos clubes do top 5 aparecem nas primeiras posições do gráfico de custo-benefício – aqueles que mais arrecadam com transferências com menos dinheiro gasto na base. É inversamente proporcional a relação, e justamente por isso o Corinthians lidera nessa categoria. A cada R$ 1 milhão investido, o time alvinegro arrecada, em média R$ 7,1 milhões com vendas.
O mesmo acontece com o Botafogo. Nos últimos três anos, o clube é o quarto no ranking de custo benefício – R$ 6,1 milhões para cada milhão investido. A estatística, no entanto, não indica um fator positivo, necessariamente. “O Corinthians investe pouco, por isso a relação é melhor que a média. E tudo bem, porque consegue, através da formação natural de atração, receber bons atletas, que se destacam e são negociados”, aponta Grafietti.
Para efeito de comparação, São Paulo e Palmeiras têm uma média de R$ 3,9 milhões, apesar de estarem no top 3 dos clubes que mais arrecadaram com vendas nos últimos três anos. Red Bull Bragantino e Cuiabá, dois clubes-empresas, não tiveram seus dados de investimento avaliados no Relatório.
“Recentemente, tem sido comum os clubes buscarem resultados cada vez mais expressivos nas categorias de base. Com isso, submetem os atletas a cargas de treino excessivas e um alto número de competições. Toda essa exigência tem de ser acompanhada de perto pelos departamentos médicos das equipes, que devem fazer os ajustes necessários para amenizar a rotina e evitar lesões precoces, que podem atrapalhar o desenvolvimento desses jovens”, explica Flávia Magalhães, médica e nutricionista, especialista em gestão de saúde e performance de atletas, que possui mais de 20 anos de experiência no futebol e já atuou nos departamentos de base de Atlético-MG e América-MG.