Na era do futebol moderno, algumas arenas têm uma semelhança em comum: a busca pela sustentabilidade. No Brasil, desde a Copa do Mundo de 2014, são vários os estádios que adotaram práticas sustentáveis e contribuem com o meio ambiente. Nem tudo neles é sustentável, mas há caminhos como economia e uso de água da chuva, eficiência no uso de energia alternativa e utilização de material reciclável em algumas áreas. É um primeiro passo em direção a um mundo em mudanças nesse sentido.
Neo Química Arena, Allianz Parque, Mineirão, Arena Castelão e Beira-Rio são algumas dessas arenas em transformação. Há também palcos que ainda estão sendo construídos, mas já atentos aos impactos ambientais, caso da Arena MRV, que será a casa do Atlético-MG, em Belo Horizonte. A inauguração está prevista para 2022.
O Castelão, primeiro estádio da América do Sul a receber a certificação ambiental Leed (Leadership in Energy and Environmental Design), oferecida pela organização Green Building Council, conta com sistema de esgoto a vácuo que reduz o consumo de água em todas as suas dependências, torneira com sistema de fechamento automático, mictórios com sensores e captação de águas das chuvas para utilização na irrigação do gramado, por exemplo.
Segundo a Secretaria do Esporte e Juventude (Sejuv) do Ceará, que administra a arena, o local também possui eficiência energética, aproveitando iluminação natural e ar condicionado VRF (Fluxo de Gás Refrigerante Variável) - considerada uma opção sustentável se comparada a outros tipos de sistema de condicionamento de ar.
Na reforma do Castelão para receber jogos da Copa do Mundo de 2014, foram utilizados materiais recicláveis, como todo o aço e o concreto que foi acumulado das demolições, cola para todo o piso instalado à base de água, portas de madeiras de manejo sustentável, controle dos sedimentos de obra, plantio de árvores e as áreas com grama natural.
Da mesma forma, o Mineirão conquistou o selo platinum da certificação Leed, a mais alta classificação no prêmio internacional que avalia projeto, construção, manutenção e operação de prédios sustentáveis. Único a alcançar este posto no Brasil, o Gigante da Pampulha, de acordo com Bárbara Freitas, responsável pelo setor de meio ambiente do estádio, trabalha em três eixos de atuação: gestão de resíduos, economia de água e eficiência energética.
"Os estádios são equipamentos que geram grande impacto sócioambiental no local em que estão inseridos, já que atraem um público enorme em curtos intervalos de tempo. É de grande importância que todos os gestores de estádios de futebol no Brasil façam estudos minuciosos desses impactos e apresentem alternativas sustentáveis para mitigar esses problemas", avalia Bárbara.
Bárbara Freitas, responsável pelo setor de meio ambiente do Mineirão
O Mineirão firmou parceria em 2013 com a Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável de Belo Horizonte (Asmare). Eles são responsáveis pela triagem, coleta e destinação final de todo resíduo reciclável gerado no estádio, de copos a suportes de lances, por exemplo. "Essa prática, além de aumentar o ciclo de vida dos produtos, faz com que a gente deixe de destinar resíduos para o aterro sanitário, aumentando sua vida útil", pontua Bárbara. "Foram doados, desde o início da parceria, somente em partidas de futebol, cerca de 220 toneladas de resíduos", acrescenta.
Para diminuir o consumo de água, outra preocupação do planeta, foram construídos reservatórios de águas de chuva com alta capacidade de armazenamento. Aproximadamente 5 milhões de litros suprem a demanda de água para a irrigação do gramado e descargas de sanitários e mictórios por cerca de três meses durante o período de seca. Essas atividades representam cerca de 70% do consumo total de água do estádio.
O projeto de revitalização do Mineirão previu ainda a instalação de uma usina solar fotovoltaica na cobertura, gerando energia alternativa renovável, que é uma fonte de baixa emissão de carbono. Na obra, foram instalados ares de condicionado com sistema eficiente, com diminuição significativa da energia mensalmente. No local, há tecnologia para ofertar iluminação dimerizada, com controle da intensidade conforme a demanda, e foi feita a setorização da iluminação. Essas medidas possibilitam um consumo energético eficiente.
Gigante gaúcho
O Beira-Rio é outro a ostentar a certificação Leed. Com a reforma e modernização para o Mundial de 2014, foram implementadas iniciativas para mitigar os danos ambientais do estádio do Inter. Das ações, vale ressaltar o sistema de captação de água da chuva que é destinada para duas cisternas com capacidade total de 300 m³, que são reutilizadas nos vasos sanitários da arena. Os mictórios do estádio são secos, e não possuem acionamento de descarga de água.
"Em relação ao consumo de energia, no período posterior à entrega da conclusão das obras de modernização do Beira-Rio, seu gasto médio diário era de 25 KVA em dias sem partidas, podendo chegar a 40 KVA em dias de jogos. Com a implementação da gestão de redução do consumo de energia, o consumo diário em dias sem atividades gira em torno de 13,5 KVA e em dias de jogos, em torno de 21,5", exemplifica o vice-presidente de patrimônio e administração do Inter, Marcelo Poloni.
Para que isso fosse possível, houve a implementação de um sistema de iluminação alternado e a migração para a iluminação LED (exceto os refletores do campo), além da conscientização dos usuários do estádio por meio de campanhas educativas na cidade de Porto Alegre. Também faz parte da estrutura do clube uma central de resíduos que chega a reciclar mais de 29 toneladas de lixo seco/ano, em parceria com a Central de Cooperativas de Catadores de Materiais Recicláveis de Porto Alegre, a Catapoa, ajudando cerca de 800 famílias. No Brasil, há outros estádios que foram carimbados com a certificação Leed. Na lista tem ainda Arena da Amazônia, Fonte Nova, Arena Pernambuco, Maracanã, Arena Grêmio e Pantanal. São todos estádios com alguma pegada de sustentabilidade em sua construção e uso.
Em São Paulo
Em São Paulo, a Neo Química Arena e o Allianz Parque estão atentos a medidas que geram menor impacto ambiental. Assim como Castelão e Mineirão, a casa do Corinthians ganhou o prêmio Leed. Lá, a energia é oriunda de uma empresa que produz fonte renovável e faz o manejo sustentável de lixo. O local também conta com bancos de capacitores que evitam desperdício de energia e boa parte da iluminação é de LED, mais econômica em relação às lâmpadas tradicionais.
Quanto ao consumo de água, há na Neo Química Arena, em Itaquera, um sistema de captação da água de chuva para reuso nos vasos e mictórios. Também existe no local um piscinão, instalado com a finalidade de retardar a água da chuva, o que ajuda a evitar enchentes. As outras iniciativas em prol do meio ambiente são sensores em vasos e mictórios, o que evita desperdício de água, e secadores de mão em todos os sanitários, gerando economia de papel.
"As arenas esportivas são polos geradores de alto fluxo de pessoas e precisam ser espaços que façam a integração e melhoria dos seus arredores e sejam equipamentos que impulsionem a economia da região", diz Breno Felício, gestor da Neo Química Arena.
No Allianz Parque, estádio do Palmeiras, do outro lado da cidade, o diferencial é o gramado. Instalado no início deste ano com o objetivode conciliar a agenda musical com o calendário do futebol e ainda conseguir uma grande economia, o novo piso apresenta manutenção mensal até 85% menor do que a grama natural por dispensar reparos complexos e não precisar de troca pelos próximos dez anos.
O gramado sintético, que tem como base uma tela de polietileno e propileno, possibilita economia de até R$ 100 mil por mês com iluminação artificial, que era necessária para compensar a falta de luz natural em partes do piso, e exige uma manutenção muito mais simples. "Antes o gramado era trocado de três a quatro vezes por ano. Era um impacto ambiental absurdo. Tinham o plantio e manejo nas fazendas, a chegada pelos caminhões e a instalação do piso novo", explica Alessandro Oliveira, presidente da Soccer Grass. A empresa foi a responsável pela execução da reforma no piso da arena palmeirense.
O Allianz Parque também conta com captação da água da chuva para abastecimento dos sanitários e torneiras de jardim, o que representa uma redução de 87% no consumo de água potável; equipamentos sanitários de alta eficiência hidráulica, proporcionando a otimização dos recursos hídricos; fachada em aço inox, inspirada em cesto de vime, que proporcionam redução do consumo de energia e melhoria da climatização da arena; manejo sustentável de resíduos, que, em 2019 impediu o envio de 5,29 toneladas de plásticos, 3,29 toneladas vidros, 44,54 toneladas de papel/ papelão e 17,24 toneladas de alumínio para os aterros sanitários. Estas ações impediram o lançamento de 120,6 toneladas de CO2 equivalentes na atmosfera, a extração de 63 ton de bauxita, a preservação de 1430 árvores, economia de 3,41 milhões de litros de água e 89.718,83 kw/h.
Além disso, segundo o estádio, o plástico gerado nas operações é destinado para produção dos sacos de lixo, e a arena apoia a divulgação e o projeto piloto do Programa Recicla Sampa - desenvolvido pela Autoridade Municipal de Limpeza Urbana (Amlurb) da Prefeitura de São Paulo. A ação resultou na reciclagem de 2 toneladas de resíduos coletados por meio de lixeiras, contêineres, pontos de entrega voluntária e varrição na área externa do local em dia de evento de grande porte.
Arena MRV
Há estádios que ainda não estão prontos, mas que trabalham com ideias ecologicamente sustentáveis, como a Arena MRV, casa do Atlético-MG, que está prevista para ser inaugurada em 2022. A adoção do sistema de aproveitamento de água pluvial é uma das principais medidas ecológicas a ser incorporada ao empreendimento.
"A água da chuva que cairá sobre a cobertura do estádio será armazenada em um reservatório de um milhão de litros. Essa água passará por um sistema de filtragem e tratamento e voltará para ser utilizada na operação do estádio em uso não potável, como mictórios, limpeza e irrigação", indica Carlos Antônio Pinheiro, diretor de Engenharia da Arena MRV.
O estádio mineiro promete ter equipamentos com tecnologia LED, e ser um dos únicos no Brasil que utilizará esse moderno sistema no campo de jogo. Haverá também a adoção de outros dispositivos economizadores de energia elétrica.
A Arena MRV adquiriu uma área de 58 mil m² que será transformada em um parque linear. Será responsável pela regularização fundiária em área de conservação de dois hectares, correspondente a mais do que o dobro da vegetação nativa suprimida. O terreno definido para essa contrapartida fica no Parque Nacional da Serra da Gandarela, no município de Rio Acima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Há outros estádios no Brasil que obtiveram o certificado Leed de construção sustentável: Arena da Amazônia, Arena do Grêmio, Arena Fonte Nova, Arena Pantanal, Arena Pernambuco, Mané Garrincha e o Maracanã.