Conheça Khvicha Kvaratskhelia, jogador georgiano apelidado de Kvaradona pela torcida do Napoli


Atacante de 21 anos tem feito sucesso estrondoso no Campeonato Italiano e na Liga dos Campeões, colecionado elogios de renomados esportistas do país

Por Rory Smith / The New York Times
Atualização:

Eles costumavam se preocupar que a Arena Adjarabet, com seus arcos sinuosos e exterior iluminado, se transformasse em uma espécie de elefante branco. Afinal, Batumi é uma pitoresca cidade turística; havia pouca necessidade de um estádio com capacidade para 20.000 pessoas. O Dinamo, time de futebol que a chamaria de lar, geralmente exigia apenas metade desse número de lugares. E então, no início de abril, Khvicha Kvaratskhelia chegou.

“A cidade vivia de um jogo para outro”, disse Tariel Varshanidze, uma voz proeminente na cena de torcedores do Dinamo. “A atmosfera mudou radicalmente.” As partidas da Erovnuli Liga, a principal divisão da Geórgia, de repente passaram a ter a mesma atmosfera dos “principais jogos da Liga dos Campeões”, ele disse. “Foi fantástico.”

Nos três meses que Kvaratskhelia passou em Batumi, todos os lugares foram ocupados. Os turistas que iam às praias do Mar Negro adicionaram um jogo aos seus itinerários. Amigos, parentes, vizinhos, colegas e conhecidos começaram a pedir ingressos extras aos frequentadores regulares, quer apoiassem o Dinamo, outro time ou ninguém.

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Durante os jogos, disse Varshanidze, todo o estádio aplaudia cada jogada de Kvaratskhelia, mesmo aqueles torcedores que teoricamente vieram para torcer pelo time oposto. E não foi só em Batumi. “Tínhamos estádios cheios em quase todas as cidades”, disse George Geguchadze, treinador do Dinamo. Toda a Geórgia queria assistir. Mesmo jogos nos locais mais distantes do país, em estádios que em tempos normais poderiam atrair apenas algumas centenas de espectadores, os ingressos esgotaram.

Na verdade, não foi uma surpresa. Kvaratskhelia (pronuncia-se kuh-varats-kell-eeya) chegou a Batumi como um ícone nacional estabelecido. Ele floresceu como uma sensação aos 16 anos no Dinamo Tbilisi, o maior clube da Geórgia. Quando fez sua estreia por seu país, apenas dois anos depois, ele havia superado a liga georgiana, mudando-se para a Rússia para se juntar ao Lokomotiv Moscou e depois ao Rubin Kazan. A breve e inesperada chance de vê-lo em carne e osso novamente - quando ele foi liberado para anular seu contrato depois que a Rússia invadiu a Ucrânia - era uma oportunidade boa demais para ser desperdiçada.

Khvicha Kvaratskhelia comemora gol pelo Napoli na Liga dos Campeões Foto: Ciro de Luca / Reuters
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O que poucos previam era a rapidez e até onde essa mania se espalharia. Apenas seis meses depois, a fama do ponta de 21 anos se espalhou para longe da Geórgia. Em questão de semanas, ele cativou o futebol italiano e emergiu como a estrela da Liga dos Campeões.

A RARIDADE DA ANARQUIA

Os números brutos são estes: desde que ingressou no Napoli por cerca de US$ 10 milhões (R$ 52 milhões) neste verão, Kvaratskhelia marcou cinco gols e deu cinco assistências na liga italiana e mais dois e três assistências na Liga dos Campeões, ajudando o Napoli a se classificar com facilidade dentro de um grupo intimidador com Liverpool e Ajax. Os números são bons, sem dúvida. Mas eles nem sequer começam a explicar o fenômeno

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Seu treinador no Napoli, Luciano Spalletti, descreveu Kvaratskhelia como “estratosférico”. Arrigo Sacchi, ex-técnico da Itália e do Milan, prefere a palavra “devastador”. Um vencedor da Copa do Mundo, Alessandro Del Piero, que tem capacidade para avaliar a qualidade dos jogadores atacantes, sugeriu que ele parecia “feito para jogar na Europa”.

Os torcedores do Napoli lhe concederam sua maior honra, apelidando-o de Kvaradona, em homenagem ao craque mais amado da história do clube. Talvez o testemunho mais revelador, porém, tenha sido de Fabrizio Ravanelli, ex-atacante do Juventus. Depois que o Napoli venceu o Milan no mês passado, Ravanelli admitiu que foi cativado por Kvaratskhelia e Rafael Leão, do Milan. “No mundo”, ele disse, “há cada vez menos jogadores como eles.”

Essa sensação de raridade é a raiz do apelo de Kvaratskhelia. Ele é o tipo de jogador que o futebol moderno - com seus sistemas juvenis industrializados e modelos estilísticos - não produz mais: inconstante e intuitivo, levemente independente, de alguma forma indomável. Willy Sagnol, técnico da seleção da Geórgia, sugeriu que seu paralelo mais próximo é o jovem Franck Ribéry, ex-ponta do Bayern de Munique, mas essa não é uma combinação exata.

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Kvaratskhelia é mais alto, mais lânguido, menos facilmente categorizado. Ribéry era um jogador de ameaça e propósito que queria, na maioria das vezes, cortar por dentro. Kvaratskelia poderia fazer isso. Ou talvez não possa. Ele poderia jogar como número 10 por alguns minutos.

Ou ele poderia, como fez em um jogo contra o Lazio há algumas semanas, ignorar três passes seguros, fazer uma pirueta em meio a três defensores e, em seguida, dar um chute na trave à distância de 30 jardas. Sua força, para Levan Kobiashvili, presidente da federação georgiana de futebol, é sua “imprevisibilidade”.

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Kobiashvili contesta a ideia de que Kvaratskhelia seja a “continuação de qualquer processo”. A Geórgia pode ter uma rica história de produção de atacantes virtuosos - mais notavelmente o ex-jogador do Manchester City e ponta do Ajax Georgi Kinkladze - mas Kvaratskhelia, ele disse, é produto apenas de seu próprio talento.

Outros não têm tanta certeza. “Ele tem alguns aspectos que são muito georgianos”, disse Andrés Carrasco, chefe espanhol de desenvolvimento juvenil do Dinamo Tbilisi, clube que revelou Kvaratskhelia. “Ele tende a não se preocupar se algo não funciona. Ele não pensa nas consequências negativas. Isso é verdade para muitos atacantes aqui. Eles são ousados. Eles são audazes. Eles são um pouco anárquicos.” E há, disse Carrasco, mais por vir.

O BOOM

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Em Batumi, e na Geórgia como um todo, os torcedores de futebol acompanharam a explosão de Kvaratskhelia com a mesma avidez de quando ele foi brevemente jogador do Dinamo Batumi, morando em um hotel não muito longe do estádio. Agora são os jogos do Napoli que paralisam o país. “Todo mundo está reunido em torno das televisões”, disse Kobiashvili, ele próprio um dos jogadores mais condecorados da história da Geórgia. “Não consigo me lembrar de nada parecido.”

Mas ele, como Carrasco, faz questão de enfatizar que Kvaratskhelia não está sozinho. O futebol georgiano está em ascensão. Quando Kobiashvili assumiu o cargo de presidente da federação georgiana de futebol em 2015, o país estava “mais ou menos em 150º no ranking da FIFA”, ele disse. Atualmente está em 78º.

Ainda mais impressionante, porém, foram suas performances na Liga das Nações. A Geórgia foi promovida duas vezes - inicialmente do nível mais baixo da competição para o terceiro e depois, neste verão, para a segunda divisão - o que significa que na próxima edição do campeonato, jogará no mesmo nível que a Inglaterra.

“Temos vários jogadores talentosos e eles estão contribuindo coletivamente para essa euforia”, disse Kobiashvili. Ele apontou, em particular, para Giorgi Mamardashvili, um goleiro imponente que agora brilha no clube espanhol Valencia, mas ele poderia ter citado Zuriko Davitashvili, companheiro de equipe de Kvaratskhelia no Batumi que agora joga pelo time francês Bordeaux.

Seu surgimento não passou despercebido. Mas Kvaratskhelia não surgiu do nada: não há segredos no futebol europeu, e uma série de grandes times de todo o continente sabiam de seus dons enquanto ele estava na Rússia, se não antes. O Juventus e o Tottenham o observavam. O Napoli o acompanhava há dois anos. “Ele foi um pouco vítima, de certa forma”, disse Oleg Yarovinski, gerente geral do Rubin Kazan. “Eles gostavam dele, mas talvez não precisassem dele.” O Rubin Kazan, ele disse, nunca recebeu uma única oferta.

Quando Kvaratskhelia chegou ao mercado aberto em março, depois que a FIFA concedeu a todos os jogadores estrangeiros do futebol russo o direito de cancelar seus contratos unilateralmente, Sagnol, o técnico da seleção da Geórgia, começou a trabalhar com sua rede de contatos para tentar levá-lo para a Europa Ocidental. Ele disse que foi recebido com muito ceticismo.

“Tudo o que ouvi foi que ele era um jogador que estava cansado após os 70 minutos”, disse Sagnol à rádio francesa RMC Sport. “Eles disseram: ‘Sabe, Willy, ele é apenas um georgiano, não é um brasileiro. É menos glamoroso.’” Então Kvaratskhelia voltou para casa, para Batumi, para ganhar tempo.

Seus sucessores provavelmente não terão o mesmo problema. No próximo ano, Luka Parkadze, um ponta de 17 anos que passou pela academia do Dinamo Tbilisi, se juntará ao Bayern de Munique, depois de ter sido enviado para um teste bem-sucedido no início deste ano lá. “Não temos muitos batedores na Geórgia”, disse Carrasco. “Por isso, temos que nos esforçar para ajudá-los a conhecer nossos jogadores.”

Carrasco descreve Parkadze como “muito ofensivo, sem medo, que entende o jogo individual, aparece em grandes jogos”. Parece familiar. “Apenas alguns anos atrás, as crianças na Geórgia queriam ser o próximo Lionel Messi, o próximo Cristiano Ronaldo”, disse Kobiashvili. “Agora são Khvicha e Mamardashvili. Eles transformaram toda a cultura do futebol na Geórgia”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

Eles costumavam se preocupar que a Arena Adjarabet, com seus arcos sinuosos e exterior iluminado, se transformasse em uma espécie de elefante branco. Afinal, Batumi é uma pitoresca cidade turística; havia pouca necessidade de um estádio com capacidade para 20.000 pessoas. O Dinamo, time de futebol que a chamaria de lar, geralmente exigia apenas metade desse número de lugares. E então, no início de abril, Khvicha Kvaratskhelia chegou.

“A cidade vivia de um jogo para outro”, disse Tariel Varshanidze, uma voz proeminente na cena de torcedores do Dinamo. “A atmosfera mudou radicalmente.” As partidas da Erovnuli Liga, a principal divisão da Geórgia, de repente passaram a ter a mesma atmosfera dos “principais jogos da Liga dos Campeões”, ele disse. “Foi fantástico.”

Nos três meses que Kvaratskhelia passou em Batumi, todos os lugares foram ocupados. Os turistas que iam às praias do Mar Negro adicionaram um jogo aos seus itinerários. Amigos, parentes, vizinhos, colegas e conhecidos começaram a pedir ingressos extras aos frequentadores regulares, quer apoiassem o Dinamo, outro time ou ninguém.

Durante os jogos, disse Varshanidze, todo o estádio aplaudia cada jogada de Kvaratskhelia, mesmo aqueles torcedores que teoricamente vieram para torcer pelo time oposto. E não foi só em Batumi. “Tínhamos estádios cheios em quase todas as cidades”, disse George Geguchadze, treinador do Dinamo. Toda a Geórgia queria assistir. Mesmo jogos nos locais mais distantes do país, em estádios que em tempos normais poderiam atrair apenas algumas centenas de espectadores, os ingressos esgotaram.

Na verdade, não foi uma surpresa. Kvaratskhelia (pronuncia-se kuh-varats-kell-eeya) chegou a Batumi como um ícone nacional estabelecido. Ele floresceu como uma sensação aos 16 anos no Dinamo Tbilisi, o maior clube da Geórgia. Quando fez sua estreia por seu país, apenas dois anos depois, ele havia superado a liga georgiana, mudando-se para a Rússia para se juntar ao Lokomotiv Moscou e depois ao Rubin Kazan. A breve e inesperada chance de vê-lo em carne e osso novamente - quando ele foi liberado para anular seu contrato depois que a Rússia invadiu a Ucrânia - era uma oportunidade boa demais para ser desperdiçada.

Khvicha Kvaratskhelia comemora gol pelo Napoli na Liga dos Campeões Foto: Ciro de Luca / Reuters

O que poucos previam era a rapidez e até onde essa mania se espalharia. Apenas seis meses depois, a fama do ponta de 21 anos se espalhou para longe da Geórgia. Em questão de semanas, ele cativou o futebol italiano e emergiu como a estrela da Liga dos Campeões.

A RARIDADE DA ANARQUIA

Os números brutos são estes: desde que ingressou no Napoli por cerca de US$ 10 milhões (R$ 52 milhões) neste verão, Kvaratskhelia marcou cinco gols e deu cinco assistências na liga italiana e mais dois e três assistências na Liga dos Campeões, ajudando o Napoli a se classificar com facilidade dentro de um grupo intimidador com Liverpool e Ajax. Os números são bons, sem dúvida. Mas eles nem sequer começam a explicar o fenômeno

Seu treinador no Napoli, Luciano Spalletti, descreveu Kvaratskhelia como “estratosférico”. Arrigo Sacchi, ex-técnico da Itália e do Milan, prefere a palavra “devastador”. Um vencedor da Copa do Mundo, Alessandro Del Piero, que tem capacidade para avaliar a qualidade dos jogadores atacantes, sugeriu que ele parecia “feito para jogar na Europa”.

Os torcedores do Napoli lhe concederam sua maior honra, apelidando-o de Kvaradona, em homenagem ao craque mais amado da história do clube. Talvez o testemunho mais revelador, porém, tenha sido de Fabrizio Ravanelli, ex-atacante do Juventus. Depois que o Napoli venceu o Milan no mês passado, Ravanelli admitiu que foi cativado por Kvaratskhelia e Rafael Leão, do Milan. “No mundo”, ele disse, “há cada vez menos jogadores como eles.”

Essa sensação de raridade é a raiz do apelo de Kvaratskhelia. Ele é o tipo de jogador que o futebol moderno - com seus sistemas juvenis industrializados e modelos estilísticos - não produz mais: inconstante e intuitivo, levemente independente, de alguma forma indomável. Willy Sagnol, técnico da seleção da Geórgia, sugeriu que seu paralelo mais próximo é o jovem Franck Ribéry, ex-ponta do Bayern de Munique, mas essa não é uma combinação exata.

Kvaratskhelia é mais alto, mais lânguido, menos facilmente categorizado. Ribéry era um jogador de ameaça e propósito que queria, na maioria das vezes, cortar por dentro. Kvaratskelia poderia fazer isso. Ou talvez não possa. Ele poderia jogar como número 10 por alguns minutos.

Ou ele poderia, como fez em um jogo contra o Lazio há algumas semanas, ignorar três passes seguros, fazer uma pirueta em meio a três defensores e, em seguida, dar um chute na trave à distância de 30 jardas. Sua força, para Levan Kobiashvili, presidente da federação georgiana de futebol, é sua “imprevisibilidade”.

Kobiashvili contesta a ideia de que Kvaratskhelia seja a “continuação de qualquer processo”. A Geórgia pode ter uma rica história de produção de atacantes virtuosos - mais notavelmente o ex-jogador do Manchester City e ponta do Ajax Georgi Kinkladze - mas Kvaratskhelia, ele disse, é produto apenas de seu próprio talento.

Outros não têm tanta certeza. “Ele tem alguns aspectos que são muito georgianos”, disse Andrés Carrasco, chefe espanhol de desenvolvimento juvenil do Dinamo Tbilisi, clube que revelou Kvaratskhelia. “Ele tende a não se preocupar se algo não funciona. Ele não pensa nas consequências negativas. Isso é verdade para muitos atacantes aqui. Eles são ousados. Eles são audazes. Eles são um pouco anárquicos.” E há, disse Carrasco, mais por vir.

O BOOM

Em Batumi, e na Geórgia como um todo, os torcedores de futebol acompanharam a explosão de Kvaratskhelia com a mesma avidez de quando ele foi brevemente jogador do Dinamo Batumi, morando em um hotel não muito longe do estádio. Agora são os jogos do Napoli que paralisam o país. “Todo mundo está reunido em torno das televisões”, disse Kobiashvili, ele próprio um dos jogadores mais condecorados da história da Geórgia. “Não consigo me lembrar de nada parecido.”

Mas ele, como Carrasco, faz questão de enfatizar que Kvaratskhelia não está sozinho. O futebol georgiano está em ascensão. Quando Kobiashvili assumiu o cargo de presidente da federação georgiana de futebol em 2015, o país estava “mais ou menos em 150º no ranking da FIFA”, ele disse. Atualmente está em 78º.

Ainda mais impressionante, porém, foram suas performances na Liga das Nações. A Geórgia foi promovida duas vezes - inicialmente do nível mais baixo da competição para o terceiro e depois, neste verão, para a segunda divisão - o que significa que na próxima edição do campeonato, jogará no mesmo nível que a Inglaterra.

“Temos vários jogadores talentosos e eles estão contribuindo coletivamente para essa euforia”, disse Kobiashvili. Ele apontou, em particular, para Giorgi Mamardashvili, um goleiro imponente que agora brilha no clube espanhol Valencia, mas ele poderia ter citado Zuriko Davitashvili, companheiro de equipe de Kvaratskhelia no Batumi que agora joga pelo time francês Bordeaux.

Seu surgimento não passou despercebido. Mas Kvaratskhelia não surgiu do nada: não há segredos no futebol europeu, e uma série de grandes times de todo o continente sabiam de seus dons enquanto ele estava na Rússia, se não antes. O Juventus e o Tottenham o observavam. O Napoli o acompanhava há dois anos. “Ele foi um pouco vítima, de certa forma”, disse Oleg Yarovinski, gerente geral do Rubin Kazan. “Eles gostavam dele, mas talvez não precisassem dele.” O Rubin Kazan, ele disse, nunca recebeu uma única oferta.

Quando Kvaratskhelia chegou ao mercado aberto em março, depois que a FIFA concedeu a todos os jogadores estrangeiros do futebol russo o direito de cancelar seus contratos unilateralmente, Sagnol, o técnico da seleção da Geórgia, começou a trabalhar com sua rede de contatos para tentar levá-lo para a Europa Ocidental. Ele disse que foi recebido com muito ceticismo.

“Tudo o que ouvi foi que ele era um jogador que estava cansado após os 70 minutos”, disse Sagnol à rádio francesa RMC Sport. “Eles disseram: ‘Sabe, Willy, ele é apenas um georgiano, não é um brasileiro. É menos glamoroso.’” Então Kvaratskhelia voltou para casa, para Batumi, para ganhar tempo.

Seus sucessores provavelmente não terão o mesmo problema. No próximo ano, Luka Parkadze, um ponta de 17 anos que passou pela academia do Dinamo Tbilisi, se juntará ao Bayern de Munique, depois de ter sido enviado para um teste bem-sucedido no início deste ano lá. “Não temos muitos batedores na Geórgia”, disse Carrasco. “Por isso, temos que nos esforçar para ajudá-los a conhecer nossos jogadores.”

Carrasco descreve Parkadze como “muito ofensivo, sem medo, que entende o jogo individual, aparece em grandes jogos”. Parece familiar. “Apenas alguns anos atrás, as crianças na Geórgia queriam ser o próximo Lionel Messi, o próximo Cristiano Ronaldo”, disse Kobiashvili. “Agora são Khvicha e Mamardashvili. Eles transformaram toda a cultura do futebol na Geórgia”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

Eles costumavam se preocupar que a Arena Adjarabet, com seus arcos sinuosos e exterior iluminado, se transformasse em uma espécie de elefante branco. Afinal, Batumi é uma pitoresca cidade turística; havia pouca necessidade de um estádio com capacidade para 20.000 pessoas. O Dinamo, time de futebol que a chamaria de lar, geralmente exigia apenas metade desse número de lugares. E então, no início de abril, Khvicha Kvaratskhelia chegou.

“A cidade vivia de um jogo para outro”, disse Tariel Varshanidze, uma voz proeminente na cena de torcedores do Dinamo. “A atmosfera mudou radicalmente.” As partidas da Erovnuli Liga, a principal divisão da Geórgia, de repente passaram a ter a mesma atmosfera dos “principais jogos da Liga dos Campeões”, ele disse. “Foi fantástico.”

Nos três meses que Kvaratskhelia passou em Batumi, todos os lugares foram ocupados. Os turistas que iam às praias do Mar Negro adicionaram um jogo aos seus itinerários. Amigos, parentes, vizinhos, colegas e conhecidos começaram a pedir ingressos extras aos frequentadores regulares, quer apoiassem o Dinamo, outro time ou ninguém.

Durante os jogos, disse Varshanidze, todo o estádio aplaudia cada jogada de Kvaratskhelia, mesmo aqueles torcedores que teoricamente vieram para torcer pelo time oposto. E não foi só em Batumi. “Tínhamos estádios cheios em quase todas as cidades”, disse George Geguchadze, treinador do Dinamo. Toda a Geórgia queria assistir. Mesmo jogos nos locais mais distantes do país, em estádios que em tempos normais poderiam atrair apenas algumas centenas de espectadores, os ingressos esgotaram.

Na verdade, não foi uma surpresa. Kvaratskhelia (pronuncia-se kuh-varats-kell-eeya) chegou a Batumi como um ícone nacional estabelecido. Ele floresceu como uma sensação aos 16 anos no Dinamo Tbilisi, o maior clube da Geórgia. Quando fez sua estreia por seu país, apenas dois anos depois, ele havia superado a liga georgiana, mudando-se para a Rússia para se juntar ao Lokomotiv Moscou e depois ao Rubin Kazan. A breve e inesperada chance de vê-lo em carne e osso novamente - quando ele foi liberado para anular seu contrato depois que a Rússia invadiu a Ucrânia - era uma oportunidade boa demais para ser desperdiçada.

Khvicha Kvaratskhelia comemora gol pelo Napoli na Liga dos Campeões Foto: Ciro de Luca / Reuters

O que poucos previam era a rapidez e até onde essa mania se espalharia. Apenas seis meses depois, a fama do ponta de 21 anos se espalhou para longe da Geórgia. Em questão de semanas, ele cativou o futebol italiano e emergiu como a estrela da Liga dos Campeões.

A RARIDADE DA ANARQUIA

Os números brutos são estes: desde que ingressou no Napoli por cerca de US$ 10 milhões (R$ 52 milhões) neste verão, Kvaratskhelia marcou cinco gols e deu cinco assistências na liga italiana e mais dois e três assistências na Liga dos Campeões, ajudando o Napoli a se classificar com facilidade dentro de um grupo intimidador com Liverpool e Ajax. Os números são bons, sem dúvida. Mas eles nem sequer começam a explicar o fenômeno

Seu treinador no Napoli, Luciano Spalletti, descreveu Kvaratskhelia como “estratosférico”. Arrigo Sacchi, ex-técnico da Itália e do Milan, prefere a palavra “devastador”. Um vencedor da Copa do Mundo, Alessandro Del Piero, que tem capacidade para avaliar a qualidade dos jogadores atacantes, sugeriu que ele parecia “feito para jogar na Europa”.

Os torcedores do Napoli lhe concederam sua maior honra, apelidando-o de Kvaradona, em homenagem ao craque mais amado da história do clube. Talvez o testemunho mais revelador, porém, tenha sido de Fabrizio Ravanelli, ex-atacante do Juventus. Depois que o Napoli venceu o Milan no mês passado, Ravanelli admitiu que foi cativado por Kvaratskhelia e Rafael Leão, do Milan. “No mundo”, ele disse, “há cada vez menos jogadores como eles.”

Essa sensação de raridade é a raiz do apelo de Kvaratskhelia. Ele é o tipo de jogador que o futebol moderno - com seus sistemas juvenis industrializados e modelos estilísticos - não produz mais: inconstante e intuitivo, levemente independente, de alguma forma indomável. Willy Sagnol, técnico da seleção da Geórgia, sugeriu que seu paralelo mais próximo é o jovem Franck Ribéry, ex-ponta do Bayern de Munique, mas essa não é uma combinação exata.

Kvaratskhelia é mais alto, mais lânguido, menos facilmente categorizado. Ribéry era um jogador de ameaça e propósito que queria, na maioria das vezes, cortar por dentro. Kvaratskelia poderia fazer isso. Ou talvez não possa. Ele poderia jogar como número 10 por alguns minutos.

Ou ele poderia, como fez em um jogo contra o Lazio há algumas semanas, ignorar três passes seguros, fazer uma pirueta em meio a três defensores e, em seguida, dar um chute na trave à distância de 30 jardas. Sua força, para Levan Kobiashvili, presidente da federação georgiana de futebol, é sua “imprevisibilidade”.

Kobiashvili contesta a ideia de que Kvaratskhelia seja a “continuação de qualquer processo”. A Geórgia pode ter uma rica história de produção de atacantes virtuosos - mais notavelmente o ex-jogador do Manchester City e ponta do Ajax Georgi Kinkladze - mas Kvaratskhelia, ele disse, é produto apenas de seu próprio talento.

Outros não têm tanta certeza. “Ele tem alguns aspectos que são muito georgianos”, disse Andrés Carrasco, chefe espanhol de desenvolvimento juvenil do Dinamo Tbilisi, clube que revelou Kvaratskhelia. “Ele tende a não se preocupar se algo não funciona. Ele não pensa nas consequências negativas. Isso é verdade para muitos atacantes aqui. Eles são ousados. Eles são audazes. Eles são um pouco anárquicos.” E há, disse Carrasco, mais por vir.

O BOOM

Em Batumi, e na Geórgia como um todo, os torcedores de futebol acompanharam a explosão de Kvaratskhelia com a mesma avidez de quando ele foi brevemente jogador do Dinamo Batumi, morando em um hotel não muito longe do estádio. Agora são os jogos do Napoli que paralisam o país. “Todo mundo está reunido em torno das televisões”, disse Kobiashvili, ele próprio um dos jogadores mais condecorados da história da Geórgia. “Não consigo me lembrar de nada parecido.”

Mas ele, como Carrasco, faz questão de enfatizar que Kvaratskhelia não está sozinho. O futebol georgiano está em ascensão. Quando Kobiashvili assumiu o cargo de presidente da federação georgiana de futebol em 2015, o país estava “mais ou menos em 150º no ranking da FIFA”, ele disse. Atualmente está em 78º.

Ainda mais impressionante, porém, foram suas performances na Liga das Nações. A Geórgia foi promovida duas vezes - inicialmente do nível mais baixo da competição para o terceiro e depois, neste verão, para a segunda divisão - o que significa que na próxima edição do campeonato, jogará no mesmo nível que a Inglaterra.

“Temos vários jogadores talentosos e eles estão contribuindo coletivamente para essa euforia”, disse Kobiashvili. Ele apontou, em particular, para Giorgi Mamardashvili, um goleiro imponente que agora brilha no clube espanhol Valencia, mas ele poderia ter citado Zuriko Davitashvili, companheiro de equipe de Kvaratskhelia no Batumi que agora joga pelo time francês Bordeaux.

Seu surgimento não passou despercebido. Mas Kvaratskhelia não surgiu do nada: não há segredos no futebol europeu, e uma série de grandes times de todo o continente sabiam de seus dons enquanto ele estava na Rússia, se não antes. O Juventus e o Tottenham o observavam. O Napoli o acompanhava há dois anos. “Ele foi um pouco vítima, de certa forma”, disse Oleg Yarovinski, gerente geral do Rubin Kazan. “Eles gostavam dele, mas talvez não precisassem dele.” O Rubin Kazan, ele disse, nunca recebeu uma única oferta.

Quando Kvaratskhelia chegou ao mercado aberto em março, depois que a FIFA concedeu a todos os jogadores estrangeiros do futebol russo o direito de cancelar seus contratos unilateralmente, Sagnol, o técnico da seleção da Geórgia, começou a trabalhar com sua rede de contatos para tentar levá-lo para a Europa Ocidental. Ele disse que foi recebido com muito ceticismo.

“Tudo o que ouvi foi que ele era um jogador que estava cansado após os 70 minutos”, disse Sagnol à rádio francesa RMC Sport. “Eles disseram: ‘Sabe, Willy, ele é apenas um georgiano, não é um brasileiro. É menos glamoroso.’” Então Kvaratskhelia voltou para casa, para Batumi, para ganhar tempo.

Seus sucessores provavelmente não terão o mesmo problema. No próximo ano, Luka Parkadze, um ponta de 17 anos que passou pela academia do Dinamo Tbilisi, se juntará ao Bayern de Munique, depois de ter sido enviado para um teste bem-sucedido no início deste ano lá. “Não temos muitos batedores na Geórgia”, disse Carrasco. “Por isso, temos que nos esforçar para ajudá-los a conhecer nossos jogadores.”

Carrasco descreve Parkadze como “muito ofensivo, sem medo, que entende o jogo individual, aparece em grandes jogos”. Parece familiar. “Apenas alguns anos atrás, as crianças na Geórgia queriam ser o próximo Lionel Messi, o próximo Cristiano Ronaldo”, disse Kobiashvili. “Agora são Khvicha e Mamardashvili. Eles transformaram toda a cultura do futebol na Geórgia”. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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