Leony Pinheiro vive do breakdance e trata o ofício de b-boy com muita responsabilidade, pois carrega o compromisso de representar a cultura do hip hop e também de seu estado, o Pará. O sonho é levar essa fusão cultural à Olimpíada de Paris-2024, afinal o breaking virou modalidade olímpica e o paraense de 28 anos é o único brasileiro com chances de classificação, atualmente na 33ª posição do ranking mundial. Neste sábado, disputa em Xangai, na China, o penúltimo qualificatório em busca de pontos na corrida olímpica.
As apresentações de Leony são cheias de personalidade. Ele traz conceitos do tecnobrega e do carimbó para o breaking, além de ter buscado inspiração em danças indígenas, como fez ao visitar uma aldeia em Paragominas, no sul do Pará. “Foi a experiência mais próxima de entrar profundamente no mundo indígena. Nem todos lá falam português. Consegui absorver muito essa coisa do que é o Norte, o indígena. Eu pude olhar os passos, entender como eles pensam aquilo, toda a profundidade do que eles acreditam, a fé e tudo mais. Foi uma experiência que eu trouxe para a minha dança”, conta ao Estadão.
Ter essa assinatura é um diferencial do b-boy paraense, algo raro de se ver em outros competidores do estilo de dança urbana originado nos Estados Unidos. “É a saída que eu encontrei para ser diferente dos outros pelo mundo. Sou do Brasil e ainda sou de Belém do Pará, um lugar rico culturalmente, de dança, de música, de natureza, de comida. Eu entendo que eu preciso me apropriar daquilo que está no meu quintal e isso vai me tornar diferente do resto da galera”.
A aplicação da regionalidade no breaking, contudo, é sútil. Nas competições, o b-boy ou a b-girl tem de improvisar ouvindo o que o DJ resolve tocar naquele momento, por isso é necessário ter criatividade e muita habilidade para trazer elementos diferentes que façam sentido dentro do contexto da batalha de dança.
“Eu não danço de fato os passos do tecnobrega, eu pego o conceito da dança. Tecnobrega é uma dança a dois, muitas passadas de mão, giros, então eu tento entender aquilo para colocar dentro do break”, explica. “Quando estou criando uma movimentação e quero me inspirar no tecnobrega, imagino que o chão é o meu parceiro. Aí vou tentando girar, buscar saídas, é um processo de experimentação. Mas tem muito movimento também que a gente consegue identificar, como os giros do carimbó.”
Nem sempre a música escolhida pelo DJ agrada o competidor. Leony não é tão fã das batidas genéricas utilizadas no meio esportivo e preferiria poder dançar ao som de algo com “mais alma” - James Brown, por exemplo -, mas entende que é preciso estar pronto para tudo. Por isso, leva uma rotina rigorosa de cinco horas de treino por dia para a prática de movimentos. Também faz trabalhos de preparação física voltados às necessidades do breaking e recebe conselhos a distância de Ruddy Miranda, b-boy brasileiro radicado em Portugal e o mais próximo que Leony tem de um treinador.
A figura do técnico não é algo comum no breaking, um esporte-dança que se desenvolve coletivamente por meio das crews, como são chamados os grupos que reúnem b-boys e b-girls. É na vivência dentro desses coletivos que está o aprendizado da modalidade. Leony, por exemplo, faz parte da Amazon Crew, de Belém, grupo com o qual chegou até a se apresentar no quadro Se Vira nos 30, do extinto Domingão do Faustão, da TV Globo, em 2013.
Cabeças girando na Praça de São Brás
Foi no Kurumin Crew, projeto social da Amazon para crianças, que o potencial atleta olímpico deu os primeiros passos de sua trajetória no breaking. O primeiro contato, contudo, foi na Praça de São Brás, em Belém, onde seu primo viu um homem girando sobre a própria cabeça, de pernas para o ar, e resolveu levá-lo para testemunhar a cena inacreditável. Ali, aos 11 anos, apaixonou-se pelo break dance.
Aos 15, Leony cravou o objetivo de ter a dança como ofício, depois de ter a experiência da participar de um evento em Montepellier, na França, onde acabou sendo incluído como figurante no filme “Batalha do ano”, estrelado por Chris Brow, e ficou impressionado ao receber um cachê de 1 mil euros.
Até conseguir viver do breaking, contudo, levou algum tempo, tanto que chegou a trabalhar como camelô, ajudante de pedreiro, pintor, entre outros. “Eu me estabilizei mais ou menos em 2016, quando ganhei meu primeiro evento internacional, o Red Bull Last Chance Cypher, um evento mundial com campeões de todo o mundo. Depois que eu ganhei, as coisas deram uma virada e comecei a ser convidado para várias eventos, começaram a me contratar para ser jurado, para dar aula.”
Daí pra frente, a evolução foi meteórica. O paraense já soma cinco títulos do Red Bull BC One Brasil, a edição brasileira do maior campeonato de breaking do mundo - mas que não conta pontos para o ranking olímpico. Na briga pela Olimpíada, Leony encerrou a primeira janela entre os 40 melhores do mundo, em 33ª lugar, e avançou para etapa final da classificação, que consiste em duas séries qualificatórias: a primeira neste final de semana, em Xangai, e a segunda de 20 a 23 de junho, em Budapeste.
É difícil, mas tudo pode acontecer
Os pontos conquistados na primeira janela foram deixados para trás e agora todos os b-boys estão zerados. Nos Jogos de Paris, a disputa terá 16 competidores, mas restam apenas sete vagas a serem preenchidas. As outras foram distribuídas por meio do Mundial da Bélgica de 2023 e dos classificatórios continentais, caso do Pan-Americano, por exemplo. Uma das vagas é reservada a um atleta da França, por ser o país-sede.
Os franceses aliás, têm muita força no breaking, até por isso o incluíram no quadro olímpico. O melhor francês do ranking é Danis Civil, em terceiro lugar, abaixo apenas do japonês Shigeyuki Nakarai e do canadense Philip Kim. Estados Unidos e Holanda são outros países com boa perspectiva. Nenhum deles, contudo, assusta Leony, que sabe da dificuldade em se classificar, mas mantém a esperança.
“Foram dois anos nessa loucura e foi bem exaustivo chegar até aqui, é uma pena que só tenha eu do Brasil, queria que tivesse outros, mas infelizmente não foi possível. Eu estou bem esperançoso, na verdade. Eu treinei e estou entre os 40 melhores do mundo”, diz. “Tudo pode acontecer, está zerado, não tem ninguém acima de ninguém. Nós vamos buscar a vaga. Seria histórico ter o Brasil na Olímpiada pela primeira vez”, completa.
A possibilidade de disputar uma Olimpíada, entretanto, é apenas uma parte do que o breaking oferece a Leony. Apegado à origem da dança, como parte da cultura hip hop, o paraense faz questão de preservar o seu lado mais undeground e artístico, além de valorizar as experiências que teve fora do âmbito competitivo.
“Agora estou de cabeça no mundo esportivo, mas me policio todo dia para que eu não perca a parte artística, a parte do estilo de vida do breaking, de realmente viver a minha cultura. Tenho esse medo. Pessoas já se deixaram levar por isso, mas tenho na minha consciência que preciso sempre seguir por esse caminho de equilíbrio, né? Eu estou aqui no esportivo, mas jamais posso abandonar o cultural, jamais passo abandonar o lifestyle”, afirma.
“Eu conheço pessoas do mundo inteiro, a gente troca experiências. Eu acho que essa é a coisa mais legal do break, esse intercâmbio cultura, esse intercâmbio humano que o break proporciona, que o hip hop proporciona. É uma das experiências que eu mais me alegro de poder ter na minha vida, porque infelizmente nem todo mundo tem essa oportunidade”, conclui.