AL KHOR, Catar - Com sua aura altiva de exclusividade, a entrada VIP com tapete vermelho e corda de veludo no Estádio Al Bayt parece projetada para inspirar o máximo de admiração e inveja. Enquanto torcedores comuns passavam por seus portões no jogo entre Inglaterra e Estados Unidos na sexta-feira, os convidados VIP foram recebidos por uma figura exótica vestida como uma espécie de antílope, coberta da cabeça aos pés por quadrados dourados brilhantes.
Quando pressionada sobre sua identidade, a figura, que não deveria falar, murmurou baixinho: “Oryx.”) Mas esta é a Copa do Mundo do Catar, onde há algo ainda melhor do que a entrada VIP: a entrada VVIP.
Não que ela esteja disponível, ou mesmo totalmente visível, para você. Ladeada por barreiras e isolada do sistema viário normal, a entrada VVIP do Al Bayt é uma via ampla na qual os torcedores mais importantes, começando pelo emir do Catar, que chega de helicóptero com sua comitiva e depois entra em uma Mercedes, são conduzidos diretamente para seu enclave especial no estádio. Dessa forma, eles nunca são obrigados a interagir ou mesmo ocupar o mesmo espaço geral que os torcedores comuns.
Todo local de esportes tem seu sistema de luxo escalonado - o camarote do proprietário, os lounges de negócios, os elevadores de acesso especial, os assentos ridiculamente caros, os assentos ainda mais ridiculamente caros. Mas na Copa do Mundo deste ano, a convergência de duas entidades repletas de luxo e direitos - o Catar, onde todo o poder e privilégio vêm do emir, e a Fifa, com sua vasta riqueza e rede de patrocínio - fornece um lembrete revigorante de que há sempre um grau mais rarefeito de exclusividade.
A principal diferença entre os assentos luxuosos e não luxuosos na Copa do Mundo deste ano é o álcool. Para o choque dos torcedores (e da Budweiser, cerveja oficial do torneio desde 1986), o Catar voltou atrás e decretou, pouco antes do início do torneio, que a venda de cerveja alcoólica (aliás, qualquer tipo de álcool) seria proibida dentro e ao redor dos estádios.
Mas isso não afetou o fluxo de cerveja gratuita - ou champanhe, Scotch, gim, uísque, vinho e outras bebidas gratuitas - disponíveis para os torcedores especiais nas áreas VIP, VVIP e de hospitalidade. As regras, ao que parecia, não se aplicavam a eles.
Em um lounge de hospitalidade de US$ 3 mil (R$15,5 mil) por assento no Al Bayt durante o jogo entre os Estados Unidos e a Inglaterra, por exemplo, o menu do bar incluía champanhe Taittinger, uísque Chivas Regal de 12 anos, conhaque Martell VSOP e tequila Jose Cuervo 1800.
”Se você quer beber, não pode beber nos estádios”, disse Keemya Najmi, que veio de Los Angeles com sua família. “Então isso é muito mais confortável”.
Para aumentar ainda mais o conforto: um balcão de check-in exclusivo, com funcionários sorridentes distribuindo passes especiais e sacolinhas de presentes; uma bebida de boas-vindas com infusão de coentro que causou impacto; mesas enfeitadas com nozes, tâmaras, pipoca e batata chips; um bufê infinitamente suntuoso composto por pratos como ombro de cordeiro cozido lentamente e bife de atum marinado, juntamente com uma estação de carnes e uma seleção de seis sobremesas; e uma banda cantando as favoritas dos torcedores interculturais como a música “Sweet Caroline”.
Ao todo, há cinco níveis de “hospitalidade” nos estádios, de acordo com a Match Hospitality, parceira da Fifa que opera essas seções, começando com assentos de US$ 950 (R$ 4,9 mil) que servem comida de rua, junto com vinho e cerveja. No topo estão as suítes privadas que custam cerca de US$ 5 mil (R$ 25,9 mil) por pessoa e oferecem refeições de seis pratos preparadas por um chef particular, coquetéis servidos por sommeliers e mixologistas e a promessa de “aparições” de celebridades não identificadas.
A suíte mais exclusiva é a Pearl Lounge, logo acima da linha intermediária do Estádio Lusail, que oferece a cada hóspede um “excepcional presente comemorativo”. Há também, segundo quem já esteve nela, uma suíte no Al Bayt que, por algum motivo, possui cama retrátil e banheiro equipado com ducha.
Esta Copa do Mundo arrecadou cerca de US$ 800 milhões (R$ 4,1 bilhões) em vendas de assentos de hospitalidade - um recorde da indústria esportiva, disse um porta-voz da Match Hospitality. Mas muitos desses convidados pagaram pelo privilégio, ao contrário, ao que parece, dos VIPs (ou VVIPs). Há um consenso de que os principais dirigentes da Fifa, como o presidente Gianni Infantino, são VVIPs, mas que outros funcionários da Fifa e colaboradores adjacentes à Fifa sejam apenas VIPs.
Enquanto isso, um catariano envolvido na organização da logística do torneio, que não quis falar oficialmente porque não tem permissão, disse que às vezes há excesso de VIPs nos eventos do Catar. Nesse caso, tantas pessoas acabam sendo promovidas ao status VVIP que os organizadores são forçados a criar um nível totalmente novo: VVVIP, o equivalente humano de um hotel sete estrelas.
Com toda essa inflação VIP, é de se espantar que os visitantes sofram de ansiedade de status? Em uma manhã recente no luxuoso Fairmont Doha, que foi um ímã durante o torneio para ex-astros do futebol, empresários ricos e figurões da Fifa, os dirigentes estavam reunidos antes da primeira partida do dia. Um segurança estava a postos para repelir visitantes indesejados.
Uma integrante do Conselho da Fifa, o conselho administrativo da organização, caminhava pelo piso de mármore do saguão, com um celular preso à bochecha direita. Ela estava dizendo à pessoa do outro lado quantos ingressos (grátis) ela precisava para cada jogo. Outro funcionário da Fifa estava distribuindo ingressos já adquiridos aos hóspedes do hotel.
Chegava a hora de partir para o estádio e duas mulheres de blazers azul-marinho apareceram, segurando placas orientando os convidados a segui-las - uma para “Fifa VIPs” e outra para “Fifa VVIPs”. Alguns minutos depois, um casal bem vestido recebeu seus ingressos. A mulher espiou lá dentro. A notícia era ruim. ”Apenas VIP,” ela murmurou.
Na entrada, os VVIPs foram direcionados para uma frota de SUVs pretos que os transportariam para o jogo. Os VIPs tiveram que pegar um ônibus. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES