Decisão judicial pode revolucionar mercado e abalar futebol: ‘Fifa terá de evitar colapso’


Julgamento do processo a favor de Lassana Diarra contra Lokomotiv Moscou obriga entidade a repensar normas de transferências e é visto por especialistas como potencial gerador de instabilidade

Por Leonardo Catto
Atualização:

Lassana Diarra não entra em campo desde o começo de 2019, mas a repercussão da carreira do ex-volante no Judiciário europeu pode mudar o futuro do mercado de transferências do futebol. O francês teve uma vitória no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), anos após ter sido condenado por Fifa e Corte Arbitral do Esporte (CAS) a pagar uma multa para o Lokomotiv Moscou por sua saída do clube russo.

Ao dar o entendimento que Diarra poderia jogar por outro clube, mesmo antes de a multa ser paga, o TJUE cria jurisprudência para que atletas saiam das equipes pelas quais atuam e já comecem a jogar por outras, mesmo que o primeiro clube não tenha recebido o valor correspondente à rescisão contratual.

Lass Diarra encerrou a carreira no PSG, em 2019, quatro anos após polêmica saída do Lokomotiv Moscou. Foto: Michel Euler/AP
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A Fifa já anunciou que irá repensar as regras do mercado de transferências, que segue com o modelo implementado no começo dos anos 2000. Ainda não há detalhes sobre quais novas normas devem ser implementadas. “Entre os tópicos de discussão estão os parâmetros para calcular a compensação por quebra de contrato, sanções e o mecanismo para emitir o Certificado de Transferência Internacional”, listou o diretor da Divisão de Serviços Jurídicos e Compliance da Fifa, Emilio García Silvero.

A FIFPro, sindicato dos jogadores de futbeol ao nível global, vê com bons olhos possíveis mudanças. Segundo a organização, se o modelo seguir o que foi decidido sobre Diarra, os atletas terão mais mobilidade nas carreiras, menos restrições e será possível melhorar a negociação entre clubes e jogadores.

Especialistas consultados pelo Estadão, porém, não compartilham da visão otimista. Na opinião de fontes ouvidas pela reportagem, a movimentação da Fifa vai ter de ir no sentido de estabelecer regras fortes para não haver um cenário predatório, em que clubes maiores possam se dar melhor em detrimento dos times formadores de atletas (posto ocupado muitas vezes por equipes brasileiras).

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O que aconteceu entre Diarra e Lokomotiv?

O Lokomotiv Moscou, insatisfeito com o desempenho de Diarra, propôs reduzir o salário do francês em 2014. A relação clube-atleta degringolou. Os russos decidiram romper o acordo, alegando que o jogador quebrou o contrato, com falta a treinamentos. Diarra foi cobrado na Justiça a pagar 20 milhões de euros (R$ 123 milhões na cotação atual). Ele se recusou a desembolsar tal valor, e o caso foi parar na Fifa.

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Neste ponto, Diarra entrou com uma contra-ação, exigindo uma compensação igual ao que ele receberia em salário durante o período do acordo. A Fifa e a Corte Arbitral do Esporte (CAS) deram razão ao Lokomotiv e condenaram o francês a pagar 10,5 milhões de euros (R$ 65 milhões na cotação atual).

No atual modelo do mercado de transferências, é normal que o clube que recebe o jogador pague a rescisão à equipe anterior. Seria o caso do Royal Charleroi, da Bélgica, que quase contratou Diarra, mas recuou no negócio justamente por receio de sofrer sanções, já que o atleta não poderia atuar até que o valor fosse quitado.

Diarra, então, só pôde voltar a jogar um ano depois, em 2015, quando o contrato já não valia mais. Assim, ele chegou ao Olympique de Marselha. Até se aposentar, em 2019, o atleta jogou no Al-Jazira e no PSG.

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Lassana Diarra Foto: @PSG_English via X

O que concluiu o TJUE, no começo de outubro, foi que este modelo é contrário ao direito de liberdade e de trabalho de Diarra. Isso porque a regra da Fifa em vigor previa como necessário o pagamento da multa para ser emitido o Certificado de Transferência Internacional. Até que a compensação financeira fosse feita à equipe de origem, o jogador estaria proibido de atuar por outro clube – ou seja, exercer seu trabalho.

“Tem lógica. Esquece o futebol. Pensa na dinâmica de um trabalhador comum. Ele quer trocar de empresa, mas ficou devendo uma multa. Mesmo assim, ele não pode deixar de trabalhar. A empresa anterior vai continuar perseguindo o recebimento. Mas o futebol impede, diz que enquanto não pagar, ele não trabalha”, explica o sócio da Ambiel Advogados e especialista em Direito Desportivo, Marcel Belfiore.

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De forma mais pragmática, o advogado especialista em direito desportivo e sócio da Corrêa da Veiga Advogados, Mauricio Corrêa da Veiga, avalia que não houve incoerência do Lokomotiv em exigir o pagamento. “Todo mundo fala que é salutar e que o atleta não pode ficar preso. Essa questão da liberdade já foi superada com o Caso Bosman. Esse, sim, provocou revolução: o fim do passe. O atleta não poderia ficar preso a um clube por 30 anos. Esse sistema de hoje não viola qualquer legislação europeia, não viola o Tratado de Roma”, argumenta o advogado ao questionar a decisão tomada pelo TJUE.

“Um clube pode firmar contrato com um jogador por 3 meses até 5 anos. É estabelecida uma cláusula indenizatória, vinculada ao atleta, caso haja rompimento, e o clube futuro entra solidariamente como responsável. O jogador pode jogar, desde que se cumpra o contrato”, defende.

Caso Diarra pode reduzir salários e ameaça mercado do futebol: ‘Começa quebrando clubes menores’

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Assim como outros setores, o mercado do futebol também tem a confiança como uma de suas bases. Há mais estabilidade para quem é bom pagador. Se o caso de Diarra for replicado em diferentes circunstâncias, isso tem potencial de prejudicar o sistema do futebol na totalidade.

Belfiore aponta que a regra que estabelece multa rescisória garante proteção aos clubes, para que os jogadores não mudem de time no meio do contrato. “Se o clube não pode pagar, quem deve é o jogador. Isso é prejudicial para o clube formador, porque um clube maior pode registrar o atleta sem pagar ao clube menor, e a multa é devida pelo próprio jogador. Ele pode ganhar esse dinheiro e então pagar. Mas não dá para um clube esperar sentado pelo valor”, pondera.

Na prática, isso poderia operar em uma via de mão dupla. Por exemplo, se Vini Jr. quisesse deixar o Real Madrid, em meio ao contrato, e voltasse ao Flamengo, assumindo a multa para si. Ainda antes de quitar o valor, o brasileiro já estaria apto a atuar pelo clube rubro-negro.

Jurisprudência criada pelo TJUE permitiria que um jogador atuasse por um clube mesmo que o seu time anterior ainda não tivesse sido ressarcido. Foto: Gilvan de Souza/Flamengo

Entretanto, o mercado costuma ter outra lógica. “Começa quebrando o sistema pelos clubes menores. Até que sobrem os clubes grandes, que não conseguem formar todos os jogadores. Quebraria o sistema”, aponta Belfiore.

Não há garantia de que isso vire prática comum. Entretanto, é como se fosse possível o Real Madrid contratar Endrick e colocar o atacante para jogar sem ter pago nada ao Palmeiras. “A Fifa vai adaptar as regras para que não fique predatório desse jeito. Senão, o sistema entra em colapso”, reitera Belfiore.

Contratos mais curtos também podem ser uma forma de os clubes se prevenirem de rompimentos. Mesmo assim, isso faria com que os clubes formadores desfrutassem ainda menos da capacidade esportiva de jovens talentos. E ainda não impede que o atleta saia no meio do contrato, em um prazo ainda menor.

Mauricio Corrêa da Veiga aponta que outra consequência pode ser a redução de salário de atletas. “Os clubes vão se unir a partir do momento que há insegurança de saída e registro em outra equipe. Isso faz com que os clubes deixem de investir de forma significativa”, diz.

Corrêa defende o atual modelo e argumenta que este sistema garante o cumprimento dos contratos. “Não é caso de jogador ficar preso para sempre. Para mim, foi uma decisão (do TJUE) infeliz, porque pensou no imediato, sem se deter às peculiaridades do esporte”, opina.

Belfiore exemplifica como um modelo em que é possível jogar sem quitar dívidas pode ser prejudicial. “Se o jogador pode trocar de clube sem pagar multa, ele pode pingar de clube em clube, aumentar salário e nunca pagar a dívida. O clube que depende de transferência e para de receber esses valores não vai ter meios de continuar desenvolvendo.”

Transferências 100% brasileiras não mudariam com provável nova regra

Se a Fifa decretar uma norma que desobrigue quitar a multa antes de inscrever um novo atleta, os clubes brasileiros seriam afetados apenas em transferências externas. Nos negócios feito entre equipes brasileiras, ainda haveria a necessidade de pagamento antes da inscrição, já que isso é determinado por uma lei federal.

Maurício foi contratado pelo Palmeiras junto ao Internacional e, conforme lei brasileira, só pôde ser inscrito pela equipe paulista quando houve o pagamento ao clube gaúcho. Foto: Cesar Greco/Palmeiras

O caso de isso mudar seria por haver alteração na legislação, inspirada por novas definições da Fifa. Chama atenção este cenário, porque, por maior que seja um clube no Brasil, ele é visto como um formador no mercado externo e, portanto, pode sofrer consequências de um sistema mais inseguro.

Pelo potencial de transformação do mercado, o caso de Diarra é comparado com o que ficou conhecido como Caso Bosman. Em 1990, o atleta belga não pôde ser contratado, mesmo sem vínculo em vigor, porque seu passe ainda pertencia ao último clube pelo qual atuou.

Em uma briga contra Uefa e Fifa, Bosman saiu vencedor e mudou a regra. A partir de então, terminado o contrato, o jogador estava livre para trabalhar em outro clube. Três anos depois da decisão, foi promulgada, no Brasil, a Lei Pelé, que, entre outras coisas, acabou com o “passe” no mercado nacional.

As cláusulas compensatórias estabelecidas pela Fifa passaram a integrar contratos para conferir segurança aos clubes. Os acordos passaram a ser mais longos para ter garantido algum valor em caso de saída de um atleta antes do prazo.

Garantir o pagamento é baseado na confiança e gera estabilidade. A situação causada pela decisão do TJEU surge no sentido contrário, caso seja simplesmente adotada como referência. A partir disso, então, vem a pressão na Fifa para reformular regras. Ou assistir a um colapso.

Lassana Diarra não entra em campo desde o começo de 2019, mas a repercussão da carreira do ex-volante no Judiciário europeu pode mudar o futuro do mercado de transferências do futebol. O francês teve uma vitória no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), anos após ter sido condenado por Fifa e Corte Arbitral do Esporte (CAS) a pagar uma multa para o Lokomotiv Moscou por sua saída do clube russo.

Ao dar o entendimento que Diarra poderia jogar por outro clube, mesmo antes de a multa ser paga, o TJUE cria jurisprudência para que atletas saiam das equipes pelas quais atuam e já comecem a jogar por outras, mesmo que o primeiro clube não tenha recebido o valor correspondente à rescisão contratual.

Lass Diarra encerrou a carreira no PSG, em 2019, quatro anos após polêmica saída do Lokomotiv Moscou. Foto: Michel Euler/AP

A Fifa já anunciou que irá repensar as regras do mercado de transferências, que segue com o modelo implementado no começo dos anos 2000. Ainda não há detalhes sobre quais novas normas devem ser implementadas. “Entre os tópicos de discussão estão os parâmetros para calcular a compensação por quebra de contrato, sanções e o mecanismo para emitir o Certificado de Transferência Internacional”, listou o diretor da Divisão de Serviços Jurídicos e Compliance da Fifa, Emilio García Silvero.

A FIFPro, sindicato dos jogadores de futbeol ao nível global, vê com bons olhos possíveis mudanças. Segundo a organização, se o modelo seguir o que foi decidido sobre Diarra, os atletas terão mais mobilidade nas carreiras, menos restrições e será possível melhorar a negociação entre clubes e jogadores.

Especialistas consultados pelo Estadão, porém, não compartilham da visão otimista. Na opinião de fontes ouvidas pela reportagem, a movimentação da Fifa vai ter de ir no sentido de estabelecer regras fortes para não haver um cenário predatório, em que clubes maiores possam se dar melhor em detrimento dos times formadores de atletas (posto ocupado muitas vezes por equipes brasileiras).

O que aconteceu entre Diarra e Lokomotiv?

O Lokomotiv Moscou, insatisfeito com o desempenho de Diarra, propôs reduzir o salário do francês em 2014. A relação clube-atleta degringolou. Os russos decidiram romper o acordo, alegando que o jogador quebrou o contrato, com falta a treinamentos. Diarra foi cobrado na Justiça a pagar 20 milhões de euros (R$ 123 milhões na cotação atual). Ele se recusou a desembolsar tal valor, e o caso foi parar na Fifa.

Neste ponto, Diarra entrou com uma contra-ação, exigindo uma compensação igual ao que ele receberia em salário durante o período do acordo. A Fifa e a Corte Arbitral do Esporte (CAS) deram razão ao Lokomotiv e condenaram o francês a pagar 10,5 milhões de euros (R$ 65 milhões na cotação atual).

No atual modelo do mercado de transferências, é normal que o clube que recebe o jogador pague a rescisão à equipe anterior. Seria o caso do Royal Charleroi, da Bélgica, que quase contratou Diarra, mas recuou no negócio justamente por receio de sofrer sanções, já que o atleta não poderia atuar até que o valor fosse quitado.

Diarra, então, só pôde voltar a jogar um ano depois, em 2015, quando o contrato já não valia mais. Assim, ele chegou ao Olympique de Marselha. Até se aposentar, em 2019, o atleta jogou no Al-Jazira e no PSG.

Lassana Diarra Foto: @PSG_English via X

O que concluiu o TJUE, no começo de outubro, foi que este modelo é contrário ao direito de liberdade e de trabalho de Diarra. Isso porque a regra da Fifa em vigor previa como necessário o pagamento da multa para ser emitido o Certificado de Transferência Internacional. Até que a compensação financeira fosse feita à equipe de origem, o jogador estaria proibido de atuar por outro clube – ou seja, exercer seu trabalho.

“Tem lógica. Esquece o futebol. Pensa na dinâmica de um trabalhador comum. Ele quer trocar de empresa, mas ficou devendo uma multa. Mesmo assim, ele não pode deixar de trabalhar. A empresa anterior vai continuar perseguindo o recebimento. Mas o futebol impede, diz que enquanto não pagar, ele não trabalha”, explica o sócio da Ambiel Advogados e especialista em Direito Desportivo, Marcel Belfiore.

De forma mais pragmática, o advogado especialista em direito desportivo e sócio da Corrêa da Veiga Advogados, Mauricio Corrêa da Veiga, avalia que não houve incoerência do Lokomotiv em exigir o pagamento. “Todo mundo fala que é salutar e que o atleta não pode ficar preso. Essa questão da liberdade já foi superada com o Caso Bosman. Esse, sim, provocou revolução: o fim do passe. O atleta não poderia ficar preso a um clube por 30 anos. Esse sistema de hoje não viola qualquer legislação europeia, não viola o Tratado de Roma”, argumenta o advogado ao questionar a decisão tomada pelo TJUE.

“Um clube pode firmar contrato com um jogador por 3 meses até 5 anos. É estabelecida uma cláusula indenizatória, vinculada ao atleta, caso haja rompimento, e o clube futuro entra solidariamente como responsável. O jogador pode jogar, desde que se cumpra o contrato”, defende.

Caso Diarra pode reduzir salários e ameaça mercado do futebol: ‘Começa quebrando clubes menores’

Assim como outros setores, o mercado do futebol também tem a confiança como uma de suas bases. Há mais estabilidade para quem é bom pagador. Se o caso de Diarra for replicado em diferentes circunstâncias, isso tem potencial de prejudicar o sistema do futebol na totalidade.

Belfiore aponta que a regra que estabelece multa rescisória garante proteção aos clubes, para que os jogadores não mudem de time no meio do contrato. “Se o clube não pode pagar, quem deve é o jogador. Isso é prejudicial para o clube formador, porque um clube maior pode registrar o atleta sem pagar ao clube menor, e a multa é devida pelo próprio jogador. Ele pode ganhar esse dinheiro e então pagar. Mas não dá para um clube esperar sentado pelo valor”, pondera.

Na prática, isso poderia operar em uma via de mão dupla. Por exemplo, se Vini Jr. quisesse deixar o Real Madrid, em meio ao contrato, e voltasse ao Flamengo, assumindo a multa para si. Ainda antes de quitar o valor, o brasileiro já estaria apto a atuar pelo clube rubro-negro.

Jurisprudência criada pelo TJUE permitiria que um jogador atuasse por um clube mesmo que o seu time anterior ainda não tivesse sido ressarcido. Foto: Gilvan de Souza/Flamengo

Entretanto, o mercado costuma ter outra lógica. “Começa quebrando o sistema pelos clubes menores. Até que sobrem os clubes grandes, que não conseguem formar todos os jogadores. Quebraria o sistema”, aponta Belfiore.

Não há garantia de que isso vire prática comum. Entretanto, é como se fosse possível o Real Madrid contratar Endrick e colocar o atacante para jogar sem ter pago nada ao Palmeiras. “A Fifa vai adaptar as regras para que não fique predatório desse jeito. Senão, o sistema entra em colapso”, reitera Belfiore.

Contratos mais curtos também podem ser uma forma de os clubes se prevenirem de rompimentos. Mesmo assim, isso faria com que os clubes formadores desfrutassem ainda menos da capacidade esportiva de jovens talentos. E ainda não impede que o atleta saia no meio do contrato, em um prazo ainda menor.

Mauricio Corrêa da Veiga aponta que outra consequência pode ser a redução de salário de atletas. “Os clubes vão se unir a partir do momento que há insegurança de saída e registro em outra equipe. Isso faz com que os clubes deixem de investir de forma significativa”, diz.

Corrêa defende o atual modelo e argumenta que este sistema garante o cumprimento dos contratos. “Não é caso de jogador ficar preso para sempre. Para mim, foi uma decisão (do TJUE) infeliz, porque pensou no imediato, sem se deter às peculiaridades do esporte”, opina.

Belfiore exemplifica como um modelo em que é possível jogar sem quitar dívidas pode ser prejudicial. “Se o jogador pode trocar de clube sem pagar multa, ele pode pingar de clube em clube, aumentar salário e nunca pagar a dívida. O clube que depende de transferência e para de receber esses valores não vai ter meios de continuar desenvolvendo.”

Transferências 100% brasileiras não mudariam com provável nova regra

Se a Fifa decretar uma norma que desobrigue quitar a multa antes de inscrever um novo atleta, os clubes brasileiros seriam afetados apenas em transferências externas. Nos negócios feito entre equipes brasileiras, ainda haveria a necessidade de pagamento antes da inscrição, já que isso é determinado por uma lei federal.

Maurício foi contratado pelo Palmeiras junto ao Internacional e, conforme lei brasileira, só pôde ser inscrito pela equipe paulista quando houve o pagamento ao clube gaúcho. Foto: Cesar Greco/Palmeiras

O caso de isso mudar seria por haver alteração na legislação, inspirada por novas definições da Fifa. Chama atenção este cenário, porque, por maior que seja um clube no Brasil, ele é visto como um formador no mercado externo e, portanto, pode sofrer consequências de um sistema mais inseguro.

Pelo potencial de transformação do mercado, o caso de Diarra é comparado com o que ficou conhecido como Caso Bosman. Em 1990, o atleta belga não pôde ser contratado, mesmo sem vínculo em vigor, porque seu passe ainda pertencia ao último clube pelo qual atuou.

Em uma briga contra Uefa e Fifa, Bosman saiu vencedor e mudou a regra. A partir de então, terminado o contrato, o jogador estava livre para trabalhar em outro clube. Três anos depois da decisão, foi promulgada, no Brasil, a Lei Pelé, que, entre outras coisas, acabou com o “passe” no mercado nacional.

As cláusulas compensatórias estabelecidas pela Fifa passaram a integrar contratos para conferir segurança aos clubes. Os acordos passaram a ser mais longos para ter garantido algum valor em caso de saída de um atleta antes do prazo.

Garantir o pagamento é baseado na confiança e gera estabilidade. A situação causada pela decisão do TJEU surge no sentido contrário, caso seja simplesmente adotada como referência. A partir disso, então, vem a pressão na Fifa para reformular regras. Ou assistir a um colapso.

Lassana Diarra não entra em campo desde o começo de 2019, mas a repercussão da carreira do ex-volante no Judiciário europeu pode mudar o futuro do mercado de transferências do futebol. O francês teve uma vitória no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), anos após ter sido condenado por Fifa e Corte Arbitral do Esporte (CAS) a pagar uma multa para o Lokomotiv Moscou por sua saída do clube russo.

Ao dar o entendimento que Diarra poderia jogar por outro clube, mesmo antes de a multa ser paga, o TJUE cria jurisprudência para que atletas saiam das equipes pelas quais atuam e já comecem a jogar por outras, mesmo que o primeiro clube não tenha recebido o valor correspondente à rescisão contratual.

Lass Diarra encerrou a carreira no PSG, em 2019, quatro anos após polêmica saída do Lokomotiv Moscou. Foto: Michel Euler/AP

A Fifa já anunciou que irá repensar as regras do mercado de transferências, que segue com o modelo implementado no começo dos anos 2000. Ainda não há detalhes sobre quais novas normas devem ser implementadas. “Entre os tópicos de discussão estão os parâmetros para calcular a compensação por quebra de contrato, sanções e o mecanismo para emitir o Certificado de Transferência Internacional”, listou o diretor da Divisão de Serviços Jurídicos e Compliance da Fifa, Emilio García Silvero.

A FIFPro, sindicato dos jogadores de futbeol ao nível global, vê com bons olhos possíveis mudanças. Segundo a organização, se o modelo seguir o que foi decidido sobre Diarra, os atletas terão mais mobilidade nas carreiras, menos restrições e será possível melhorar a negociação entre clubes e jogadores.

Especialistas consultados pelo Estadão, porém, não compartilham da visão otimista. Na opinião de fontes ouvidas pela reportagem, a movimentação da Fifa vai ter de ir no sentido de estabelecer regras fortes para não haver um cenário predatório, em que clubes maiores possam se dar melhor em detrimento dos times formadores de atletas (posto ocupado muitas vezes por equipes brasileiras).

O que aconteceu entre Diarra e Lokomotiv?

O Lokomotiv Moscou, insatisfeito com o desempenho de Diarra, propôs reduzir o salário do francês em 2014. A relação clube-atleta degringolou. Os russos decidiram romper o acordo, alegando que o jogador quebrou o contrato, com falta a treinamentos. Diarra foi cobrado na Justiça a pagar 20 milhões de euros (R$ 123 milhões na cotação atual). Ele se recusou a desembolsar tal valor, e o caso foi parar na Fifa.

Neste ponto, Diarra entrou com uma contra-ação, exigindo uma compensação igual ao que ele receberia em salário durante o período do acordo. A Fifa e a Corte Arbitral do Esporte (CAS) deram razão ao Lokomotiv e condenaram o francês a pagar 10,5 milhões de euros (R$ 65 milhões na cotação atual).

No atual modelo do mercado de transferências, é normal que o clube que recebe o jogador pague a rescisão à equipe anterior. Seria o caso do Royal Charleroi, da Bélgica, que quase contratou Diarra, mas recuou no negócio justamente por receio de sofrer sanções, já que o atleta não poderia atuar até que o valor fosse quitado.

Diarra, então, só pôde voltar a jogar um ano depois, em 2015, quando o contrato já não valia mais. Assim, ele chegou ao Olympique de Marselha. Até se aposentar, em 2019, o atleta jogou no Al-Jazira e no PSG.

Lassana Diarra Foto: @PSG_English via X

O que concluiu o TJUE, no começo de outubro, foi que este modelo é contrário ao direito de liberdade e de trabalho de Diarra. Isso porque a regra da Fifa em vigor previa como necessário o pagamento da multa para ser emitido o Certificado de Transferência Internacional. Até que a compensação financeira fosse feita à equipe de origem, o jogador estaria proibido de atuar por outro clube – ou seja, exercer seu trabalho.

“Tem lógica. Esquece o futebol. Pensa na dinâmica de um trabalhador comum. Ele quer trocar de empresa, mas ficou devendo uma multa. Mesmo assim, ele não pode deixar de trabalhar. A empresa anterior vai continuar perseguindo o recebimento. Mas o futebol impede, diz que enquanto não pagar, ele não trabalha”, explica o sócio da Ambiel Advogados e especialista em Direito Desportivo, Marcel Belfiore.

De forma mais pragmática, o advogado especialista em direito desportivo e sócio da Corrêa da Veiga Advogados, Mauricio Corrêa da Veiga, avalia que não houve incoerência do Lokomotiv em exigir o pagamento. “Todo mundo fala que é salutar e que o atleta não pode ficar preso. Essa questão da liberdade já foi superada com o Caso Bosman. Esse, sim, provocou revolução: o fim do passe. O atleta não poderia ficar preso a um clube por 30 anos. Esse sistema de hoje não viola qualquer legislação europeia, não viola o Tratado de Roma”, argumenta o advogado ao questionar a decisão tomada pelo TJUE.

“Um clube pode firmar contrato com um jogador por 3 meses até 5 anos. É estabelecida uma cláusula indenizatória, vinculada ao atleta, caso haja rompimento, e o clube futuro entra solidariamente como responsável. O jogador pode jogar, desde que se cumpra o contrato”, defende.

Caso Diarra pode reduzir salários e ameaça mercado do futebol: ‘Começa quebrando clubes menores’

Assim como outros setores, o mercado do futebol também tem a confiança como uma de suas bases. Há mais estabilidade para quem é bom pagador. Se o caso de Diarra for replicado em diferentes circunstâncias, isso tem potencial de prejudicar o sistema do futebol na totalidade.

Belfiore aponta que a regra que estabelece multa rescisória garante proteção aos clubes, para que os jogadores não mudem de time no meio do contrato. “Se o clube não pode pagar, quem deve é o jogador. Isso é prejudicial para o clube formador, porque um clube maior pode registrar o atleta sem pagar ao clube menor, e a multa é devida pelo próprio jogador. Ele pode ganhar esse dinheiro e então pagar. Mas não dá para um clube esperar sentado pelo valor”, pondera.

Na prática, isso poderia operar em uma via de mão dupla. Por exemplo, se Vini Jr. quisesse deixar o Real Madrid, em meio ao contrato, e voltasse ao Flamengo, assumindo a multa para si. Ainda antes de quitar o valor, o brasileiro já estaria apto a atuar pelo clube rubro-negro.

Jurisprudência criada pelo TJUE permitiria que um jogador atuasse por um clube mesmo que o seu time anterior ainda não tivesse sido ressarcido. Foto: Gilvan de Souza/Flamengo

Entretanto, o mercado costuma ter outra lógica. “Começa quebrando o sistema pelos clubes menores. Até que sobrem os clubes grandes, que não conseguem formar todos os jogadores. Quebraria o sistema”, aponta Belfiore.

Não há garantia de que isso vire prática comum. Entretanto, é como se fosse possível o Real Madrid contratar Endrick e colocar o atacante para jogar sem ter pago nada ao Palmeiras. “A Fifa vai adaptar as regras para que não fique predatório desse jeito. Senão, o sistema entra em colapso”, reitera Belfiore.

Contratos mais curtos também podem ser uma forma de os clubes se prevenirem de rompimentos. Mesmo assim, isso faria com que os clubes formadores desfrutassem ainda menos da capacidade esportiva de jovens talentos. E ainda não impede que o atleta saia no meio do contrato, em um prazo ainda menor.

Mauricio Corrêa da Veiga aponta que outra consequência pode ser a redução de salário de atletas. “Os clubes vão se unir a partir do momento que há insegurança de saída e registro em outra equipe. Isso faz com que os clubes deixem de investir de forma significativa”, diz.

Corrêa defende o atual modelo e argumenta que este sistema garante o cumprimento dos contratos. “Não é caso de jogador ficar preso para sempre. Para mim, foi uma decisão (do TJUE) infeliz, porque pensou no imediato, sem se deter às peculiaridades do esporte”, opina.

Belfiore exemplifica como um modelo em que é possível jogar sem quitar dívidas pode ser prejudicial. “Se o jogador pode trocar de clube sem pagar multa, ele pode pingar de clube em clube, aumentar salário e nunca pagar a dívida. O clube que depende de transferência e para de receber esses valores não vai ter meios de continuar desenvolvendo.”

Transferências 100% brasileiras não mudariam com provável nova regra

Se a Fifa decretar uma norma que desobrigue quitar a multa antes de inscrever um novo atleta, os clubes brasileiros seriam afetados apenas em transferências externas. Nos negócios feito entre equipes brasileiras, ainda haveria a necessidade de pagamento antes da inscrição, já que isso é determinado por uma lei federal.

Maurício foi contratado pelo Palmeiras junto ao Internacional e, conforme lei brasileira, só pôde ser inscrito pela equipe paulista quando houve o pagamento ao clube gaúcho. Foto: Cesar Greco/Palmeiras

O caso de isso mudar seria por haver alteração na legislação, inspirada por novas definições da Fifa. Chama atenção este cenário, porque, por maior que seja um clube no Brasil, ele é visto como um formador no mercado externo e, portanto, pode sofrer consequências de um sistema mais inseguro.

Pelo potencial de transformação do mercado, o caso de Diarra é comparado com o que ficou conhecido como Caso Bosman. Em 1990, o atleta belga não pôde ser contratado, mesmo sem vínculo em vigor, porque seu passe ainda pertencia ao último clube pelo qual atuou.

Em uma briga contra Uefa e Fifa, Bosman saiu vencedor e mudou a regra. A partir de então, terminado o contrato, o jogador estava livre para trabalhar em outro clube. Três anos depois da decisão, foi promulgada, no Brasil, a Lei Pelé, que, entre outras coisas, acabou com o “passe” no mercado nacional.

As cláusulas compensatórias estabelecidas pela Fifa passaram a integrar contratos para conferir segurança aos clubes. Os acordos passaram a ser mais longos para ter garantido algum valor em caso de saída de um atleta antes do prazo.

Garantir o pagamento é baseado na confiança e gera estabilidade. A situação causada pela decisão do TJEU surge no sentido contrário, caso seja simplesmente adotada como referência. A partir disso, então, vem a pressão na Fifa para reformular regras. Ou assistir a um colapso.

Lassana Diarra não entra em campo desde o começo de 2019, mas a repercussão da carreira do ex-volante no Judiciário europeu pode mudar o futuro do mercado de transferências do futebol. O francês teve uma vitória no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), anos após ter sido condenado por Fifa e Corte Arbitral do Esporte (CAS) a pagar uma multa para o Lokomotiv Moscou por sua saída do clube russo.

Ao dar o entendimento que Diarra poderia jogar por outro clube, mesmo antes de a multa ser paga, o TJUE cria jurisprudência para que atletas saiam das equipes pelas quais atuam e já comecem a jogar por outras, mesmo que o primeiro clube não tenha recebido o valor correspondente à rescisão contratual.

Lass Diarra encerrou a carreira no PSG, em 2019, quatro anos após polêmica saída do Lokomotiv Moscou. Foto: Michel Euler/AP

A Fifa já anunciou que irá repensar as regras do mercado de transferências, que segue com o modelo implementado no começo dos anos 2000. Ainda não há detalhes sobre quais novas normas devem ser implementadas. “Entre os tópicos de discussão estão os parâmetros para calcular a compensação por quebra de contrato, sanções e o mecanismo para emitir o Certificado de Transferência Internacional”, listou o diretor da Divisão de Serviços Jurídicos e Compliance da Fifa, Emilio García Silvero.

A FIFPro, sindicato dos jogadores de futbeol ao nível global, vê com bons olhos possíveis mudanças. Segundo a organização, se o modelo seguir o que foi decidido sobre Diarra, os atletas terão mais mobilidade nas carreiras, menos restrições e será possível melhorar a negociação entre clubes e jogadores.

Especialistas consultados pelo Estadão, porém, não compartilham da visão otimista. Na opinião de fontes ouvidas pela reportagem, a movimentação da Fifa vai ter de ir no sentido de estabelecer regras fortes para não haver um cenário predatório, em que clubes maiores possam se dar melhor em detrimento dos times formadores de atletas (posto ocupado muitas vezes por equipes brasileiras).

O que aconteceu entre Diarra e Lokomotiv?

O Lokomotiv Moscou, insatisfeito com o desempenho de Diarra, propôs reduzir o salário do francês em 2014. A relação clube-atleta degringolou. Os russos decidiram romper o acordo, alegando que o jogador quebrou o contrato, com falta a treinamentos. Diarra foi cobrado na Justiça a pagar 20 milhões de euros (R$ 123 milhões na cotação atual). Ele se recusou a desembolsar tal valor, e o caso foi parar na Fifa.

Neste ponto, Diarra entrou com uma contra-ação, exigindo uma compensação igual ao que ele receberia em salário durante o período do acordo. A Fifa e a Corte Arbitral do Esporte (CAS) deram razão ao Lokomotiv e condenaram o francês a pagar 10,5 milhões de euros (R$ 65 milhões na cotação atual).

No atual modelo do mercado de transferências, é normal que o clube que recebe o jogador pague a rescisão à equipe anterior. Seria o caso do Royal Charleroi, da Bélgica, que quase contratou Diarra, mas recuou no negócio justamente por receio de sofrer sanções, já que o atleta não poderia atuar até que o valor fosse quitado.

Diarra, então, só pôde voltar a jogar um ano depois, em 2015, quando o contrato já não valia mais. Assim, ele chegou ao Olympique de Marselha. Até se aposentar, em 2019, o atleta jogou no Al-Jazira e no PSG.

Lassana Diarra Foto: @PSG_English via X

O que concluiu o TJUE, no começo de outubro, foi que este modelo é contrário ao direito de liberdade e de trabalho de Diarra. Isso porque a regra da Fifa em vigor previa como necessário o pagamento da multa para ser emitido o Certificado de Transferência Internacional. Até que a compensação financeira fosse feita à equipe de origem, o jogador estaria proibido de atuar por outro clube – ou seja, exercer seu trabalho.

“Tem lógica. Esquece o futebol. Pensa na dinâmica de um trabalhador comum. Ele quer trocar de empresa, mas ficou devendo uma multa. Mesmo assim, ele não pode deixar de trabalhar. A empresa anterior vai continuar perseguindo o recebimento. Mas o futebol impede, diz que enquanto não pagar, ele não trabalha”, explica o sócio da Ambiel Advogados e especialista em Direito Desportivo, Marcel Belfiore.

De forma mais pragmática, o advogado especialista em direito desportivo e sócio da Corrêa da Veiga Advogados, Mauricio Corrêa da Veiga, avalia que não houve incoerência do Lokomotiv em exigir o pagamento. “Todo mundo fala que é salutar e que o atleta não pode ficar preso. Essa questão da liberdade já foi superada com o Caso Bosman. Esse, sim, provocou revolução: o fim do passe. O atleta não poderia ficar preso a um clube por 30 anos. Esse sistema de hoje não viola qualquer legislação europeia, não viola o Tratado de Roma”, argumenta o advogado ao questionar a decisão tomada pelo TJUE.

“Um clube pode firmar contrato com um jogador por 3 meses até 5 anos. É estabelecida uma cláusula indenizatória, vinculada ao atleta, caso haja rompimento, e o clube futuro entra solidariamente como responsável. O jogador pode jogar, desde que se cumpra o contrato”, defende.

Caso Diarra pode reduzir salários e ameaça mercado do futebol: ‘Começa quebrando clubes menores’

Assim como outros setores, o mercado do futebol também tem a confiança como uma de suas bases. Há mais estabilidade para quem é bom pagador. Se o caso de Diarra for replicado em diferentes circunstâncias, isso tem potencial de prejudicar o sistema do futebol na totalidade.

Belfiore aponta que a regra que estabelece multa rescisória garante proteção aos clubes, para que os jogadores não mudem de time no meio do contrato. “Se o clube não pode pagar, quem deve é o jogador. Isso é prejudicial para o clube formador, porque um clube maior pode registrar o atleta sem pagar ao clube menor, e a multa é devida pelo próprio jogador. Ele pode ganhar esse dinheiro e então pagar. Mas não dá para um clube esperar sentado pelo valor”, pondera.

Na prática, isso poderia operar em uma via de mão dupla. Por exemplo, se Vini Jr. quisesse deixar o Real Madrid, em meio ao contrato, e voltasse ao Flamengo, assumindo a multa para si. Ainda antes de quitar o valor, o brasileiro já estaria apto a atuar pelo clube rubro-negro.

Jurisprudência criada pelo TJUE permitiria que um jogador atuasse por um clube mesmo que o seu time anterior ainda não tivesse sido ressarcido. Foto: Gilvan de Souza/Flamengo

Entretanto, o mercado costuma ter outra lógica. “Começa quebrando o sistema pelos clubes menores. Até que sobrem os clubes grandes, que não conseguem formar todos os jogadores. Quebraria o sistema”, aponta Belfiore.

Não há garantia de que isso vire prática comum. Entretanto, é como se fosse possível o Real Madrid contratar Endrick e colocar o atacante para jogar sem ter pago nada ao Palmeiras. “A Fifa vai adaptar as regras para que não fique predatório desse jeito. Senão, o sistema entra em colapso”, reitera Belfiore.

Contratos mais curtos também podem ser uma forma de os clubes se prevenirem de rompimentos. Mesmo assim, isso faria com que os clubes formadores desfrutassem ainda menos da capacidade esportiva de jovens talentos. E ainda não impede que o atleta saia no meio do contrato, em um prazo ainda menor.

Mauricio Corrêa da Veiga aponta que outra consequência pode ser a redução de salário de atletas. “Os clubes vão se unir a partir do momento que há insegurança de saída e registro em outra equipe. Isso faz com que os clubes deixem de investir de forma significativa”, diz.

Corrêa defende o atual modelo e argumenta que este sistema garante o cumprimento dos contratos. “Não é caso de jogador ficar preso para sempre. Para mim, foi uma decisão (do TJUE) infeliz, porque pensou no imediato, sem se deter às peculiaridades do esporte”, opina.

Belfiore exemplifica como um modelo em que é possível jogar sem quitar dívidas pode ser prejudicial. “Se o jogador pode trocar de clube sem pagar multa, ele pode pingar de clube em clube, aumentar salário e nunca pagar a dívida. O clube que depende de transferência e para de receber esses valores não vai ter meios de continuar desenvolvendo.”

Transferências 100% brasileiras não mudariam com provável nova regra

Se a Fifa decretar uma norma que desobrigue quitar a multa antes de inscrever um novo atleta, os clubes brasileiros seriam afetados apenas em transferências externas. Nos negócios feito entre equipes brasileiras, ainda haveria a necessidade de pagamento antes da inscrição, já que isso é determinado por uma lei federal.

Maurício foi contratado pelo Palmeiras junto ao Internacional e, conforme lei brasileira, só pôde ser inscrito pela equipe paulista quando houve o pagamento ao clube gaúcho. Foto: Cesar Greco/Palmeiras

O caso de isso mudar seria por haver alteração na legislação, inspirada por novas definições da Fifa. Chama atenção este cenário, porque, por maior que seja um clube no Brasil, ele é visto como um formador no mercado externo e, portanto, pode sofrer consequências de um sistema mais inseguro.

Pelo potencial de transformação do mercado, o caso de Diarra é comparado com o que ficou conhecido como Caso Bosman. Em 1990, o atleta belga não pôde ser contratado, mesmo sem vínculo em vigor, porque seu passe ainda pertencia ao último clube pelo qual atuou.

Em uma briga contra Uefa e Fifa, Bosman saiu vencedor e mudou a regra. A partir de então, terminado o contrato, o jogador estava livre para trabalhar em outro clube. Três anos depois da decisão, foi promulgada, no Brasil, a Lei Pelé, que, entre outras coisas, acabou com o “passe” no mercado nacional.

As cláusulas compensatórias estabelecidas pela Fifa passaram a integrar contratos para conferir segurança aos clubes. Os acordos passaram a ser mais longos para ter garantido algum valor em caso de saída de um atleta antes do prazo.

Garantir o pagamento é baseado na confiança e gera estabilidade. A situação causada pela decisão do TJEU surge no sentido contrário, caso seja simplesmente adotada como referência. A partir disso, então, vem a pressão na Fifa para reformular regras. Ou assistir a um colapso.

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