O Senado Federal aprovou na quarta-feira, dia 8, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 45/2019), conhecida como PEC da Reforma Tributária. Entre as exceções aprovadas pelos senadores, que vai mexer com a vida de todos os brasileiros, está um incentivo para as atividades esportivas, permitindo que negócios relacionados a essa área possam ter um regime de tributação específico. O texto, porém, ainda não foi aprovado de maneira definitiva. Como o Senado realizou mudanças na redação original, a PEC volta para a Câmara para os deputados federais a analisarem.
O texto foi aprovado no Senado por 53 a 24 votos e favorece os times de futebol que aderiram à Lei da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), que passarão a ter direito a um tratamento diferenciado no pagamento do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Essa alíquota, porém, ainda não foi estabelecida e a PEC prevê que ela será definida posteriormente, no formato de Lei Complementar.
Ou seja, os parlamentares decidirão no futuro — por meio da criação de uma lei — uma nova alíquota a ser paga pelas SAFs, não sendo possível prever, no momento, qual será o seu valor. Outras atividades vão ter esse mesmo privilégio de ter uma tributação especial definida posteriormente por meio de Lei Complementar, entre elas estão os serviços de hotelaria e os ligados à economia verde e à sustentabilidade.
O IVA é um imposto dual, separado em Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) — de incidência estadual e municipal e que substitui o ISS e ICMS — e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), federal e que entra no lugar do PIS e do Cofins. Embora não tenha sido definida ainda, Bernard Appy, secretário Extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, aponta que a alíquota cheia desse novo imposto pode chegar a 27,5%.
Na Lei da SAF aprovada pelo Congresso Nacional em 2021 — bem antes, portanto, da aprovação da reforma atual — estava previsto um Regime de Tributação Específico do Futebol (TEF), que aglutinava o recolhimento de impostos pagos por empresas, como IRPJ, PIS, Cofins e contribuição sobre lucro (CSLL). Essa TEF simplificava esses tributos e criava uma alíquota única de 5% sobre a receita das SAFs.
Rodrigo Monteiro de Castro, advogado e co-autor da Lei da SAF, afirma que “esse regime especial foi e segue sendo fundamental para viabilizar um projeto de salvamento, de estabilização e desenvolvimento para os clubes de futebol no Brasil. Sem ele, o custo seria tamanho”.
Já na redação inicial da Reforma Tributária feita pela Câmara, as SAFs corriam o risco de ver a tributação incidente sobre suas atividades aumentar. Isso ocorreria, pois elas seguiriam pagando o TEF anterior, de 5% sobre a receita, e passariam a pagar também as alíquotas de IBS e CBS, que substituíram os tributos anteriores. A mudança no texto para beneficiar as Sociedades Anônimas do Futebol foi apresentada pelo senador Carlos Portinho (PL-RJ) e acatada pelo relator Eduardo Braga (MDB-PA) nesta quarta-feira, na véspera da votação da PEC no Senado. O senador Carlos Portinho, inclusive, foi o relator da Lei da SAF na Casa, em 2021.
Para Monteiro de Castro, antes dessa emenda, a PEC criava um grande problema para a indústria do futebol. “A atratividade envolvendo essa indústria, que estava muito machucada, teve como fator essencial esse regime especial. Sem ele, negócios existentes poderiam ser inviabilizados e novos negócios poderiam não ocorrer”, diz. Ele entende que “o risco do investidor seria muito maior, porque ele está entrando em uma atividade que, por natureza, já é de risco e que está muito machucada. Para que ele conseguisse projetar lucros no futuro, essa conta já havia sido feita. Com a mudança do regime tributário, o mercado brasileiro deixaria de ser competitivo”.
Essa visão é compartilhada pelos mandatários das SAFs. Para Cristiano Dresch, presidente do Cuiabá, caso as SAFs não tivessem entrado nesse regime de tributação especial no texto da Reforma Tributária, esse modelo deixaria de existir. “Isso iria acabar com as SAFs, porque o grande diferencial delas é o incentivo fiscal. Ele é fundamental para a existência e para a continuação das SAFs. Os próximos investidores no futebol brasileiro precisam disso.”
Lúcio Barbosa, CEO do Vasco, entende que essa foi “uma movimentação fundamental. A tributação diferenciada é parte basilar para o futuro do futebol brasileiro, que é uma indústria enorme e vital para o País e que vai continuar crescendo exponencialmente”.
Atualmente, há seis clubes com SAFs estabelecidas na Série A do Campeonato Brasileiro: Bahia, Botafogo, Coritiba, Cruzeiro, Cuiabá e Vasco. Já Atlético Mineiro, Athletico Paranaense e Fortaleza aprovaram em conselho a transformação em SAF neste ano, mas ainda não se tornaram uma empresa do ponto de vista jurídico. Há também o caso do Red Bull Bragantino, que é um clube-empresa, mas não funciona como Sociedade Anônima e, sim, como Companhia Limitada.
Para o advogado Eduardo Carlezzo, especializado em direito desportivo e sócio do Carlezzo Advogados, essa foi uma mudança “justa”. “Vários investidores compraram clubes prevendo uma determinada tributação e aí, no ano seguinte, já muda tudo? Não pode, deve haver um mínimo de segurança jurídica, senão vira bagunça.” De acordo com Carlezzo, “o sistema tributário criado para as SAFs fazia parte do tripé do novo contexto da reorganização dos clubes brasileiros de futebol”. Ao retirar esse benefício tributário, ele argumenta que se quebra “a espinha dorsal do projeto”.
Os outros clubes brasileiros que não aderiram à Lei da SAF e, portanto, seguem no modelo associativo não se enquadram nesse modelo de tributação proposto pela PEC aprovada no Senado. Eles continuam sendo enquadrados no sistema de tributação anterior, mas esse modelo deve sofrer alterações no futuro, já que o PIS, um dos impostos que incidiam sobre essas associações, deixou de existir.