Victor Santiago foi um dos artilheiros da Copa São Paulo de Futebol Júnior em 2015. Gerson Augusto ganhou o prêmio de melhor jogador da Copinha de 2017. Gabriel Spessato teve destaque pelo Grêmio na edição de 2010. Leonardo Ávila fez seis gols no torneio em 2016. Todos se destacaram na maior competição de base do País, mas os quatro têm, em comum, o fato de desistirem do futebol profissional depois de sucessivas decepções.
A Copinha, que consagra dezenas de atletas todos os anos, tornam conhecidos atletas que, depois, brilham em grandes clubes do Brasil e da Europa. A realidade da maioria dos 3700 jogadores que disputam a competição todo ano, porém, é outra. A fama é fugaz e o estrelado, curto, para grande parte dos jovens que jogam o torneio. Muitos viram “andarilhos da bola”, recebem baixos salários - quando recebem - enfrentam problemas de estrutura, têm a saúde mental prejudicada e decidem desistir da carreira profissional.
Artilheiro da Copinha rodou o Brasil e hoje joga na várzea
Santiago não terminou o ensino médio. Sua prioridade era o futebol, não os estudos. Alto, forte e goleador, ele lembra Adriano Imperador. Gosta tanto do ex-camisa 9 da seleção brasileira que deu ao seu filho, de 6 anos, o mesmo nome. Em 2015, achou que sua escolha pelo esporte havia sido acertada ao ser um dos artilheiros daquela edição da Copinha, com oito gols.
O desempenho pelo São Caetano lhe abriu portas. Do time paulista, foi para o Cruzeiro. “Saí do São Caetano como artilheiro e cheguei no Cruzeiro com fama de fazer gol, mas não fiz”, reconhece Santiago. O centroavante ganhava um salário de R$ 5 mil na base do time mineiro e jogou com o atacante Rony e o zagueiro Murilo, hoje multicampeões pelo Palmeiras.
Filho de Milton Cruz, Tadeu Cruz foi empresário de Santiago e ajudou a colocá-lo no Vasco. Na equipe carioca, também não progrediu. Tímido, ele repassou sua história ao Estadão sentado na laje de sua casa na Vila Penteado, zona norte da capital paulista, para onde voltou após rodar por oito clubes, a maior parte deles do interior de São Paulo.
Santiago considera que não faltaram esforço e dedicação em sua trajetória. O que lhe atrapalhou, entende, foi o deslumbre. “Tudo aconteceu cedo pra mim. Se tivesse a cabeça que eu tenho hoje acho que daria certo”, avalia. O pai, Sérgio, discorda. “O problema foram as festas”, diz, aos risos. O último clube de Santiago foi o Primavera, de Indaiatuba. Pretende voltar a estudar, mas, enquanto não o faz, se sustenta jogando na várzea.
“Tem jogo em que ganho R$ 300, 400. O máximo que ganhei foi R$ 600″, conta. Não ficaram frustrações, diz, mas restou o sentimento de que poderia ter ido mais longe. “Me cobrei diversas vezes, mas não vai adiantar. O futebol não é fácil”.
Goleiro carismático tentou a sorte na Europa até voltar para trabalhar com a mãe
Gerson Augusto Júnior era um goleiro carismático e “fora dos padrões”. Sua ideia nem era jogar a Copinha de 2017. Sem tempo de se preparar, jogou um pouco acima do peso. O sobrepeso não lhe atrapalhou. Debaixo das traves, agarrou muito, principalmente nas disputas de pênaltis, e conduziu o pequeno Batatais à final daquela edição.
“Tinha até parado de jogar antes da Copinha por causa da morte da minha irmã. Fui desanimando, estava parado, aí o Ari, nosso treinador, insistiu pra eu jogar e eu fui”, recorda-se. O Batatais perdeu a final para o Corinthians, mas as muitas defesas renderam a Gersinho, como é chamado, o prêmio de melhor jogador da competição ao lado de Pedrinho, hoje no Atlético Mineiro.
Aquele foi o auge do jogador. Ele disse ter tido muitas propostas, mas o Batatais “pôs uma pedra no caminho” e atrapalhou sua saída, além de não ter lhe dado uma chance entre os profissionais. “Depois que acabou a Copinha, o treinador do profissional do Batatais não quis profissionalizar ninguém. Ele disse que a gente não tinha mérito na campanha”, afirma.
Gersinho conseguiu jogar fora do País, mas em times quase desconhecidos. Sem salário, defendeu o Gouveia, de Portugal, e o Safor, da Espanha. “Os clubes que queriam levar falavam que eu era baixo, estava acima do peso, e que era difícil comprar um atleta que ninguém conhecia. Queriam levar, acertar um salário e ir vendo”, relembra.
Desanimado, decidiu voltar ao Brasil. Atuou brevemente pelo Taquaritinga até parar definitivamente. “Era muito treino, muita dedicação pra não ser reconhecido. Fui desanimando e percebi que aquilo não era pra mim”, lamenta. Para ele, a “Copinha foi uma ilusão”. Embora diga que não se traumatizou, ele se livrou de todas suas luvas e hoje só brinca de futevôlei quando tem um tempo. Sua rotina hoje é na loja da mãe, que vende uniformes para escolas e empresas sob encomendas. Também cursou fisioterapia e cuida da filha, de 2 anos.
Promessa do Grêmio parou por esgotamento mental e virou empresário
O lateral-direito Gabriel Spessatto foi grande promessa no Grêmio, clube no qual se criou. Foi capitão do time campeão brasileiro sub-20 em 2009 e jogou a Copinha do ano seguinte - os gremistas foram eliminados na primeira fase, mas o status de Spessato não mudou. A transição ao profissional foi prejudicada porque o defensor sofreu uma lesão no joelho. Voltou ao profissional no ano seguinte, após nova lesão, e foi pouco aproveitado pelo então treinador Caio Júnior, uma das vítimas do acidente fatal do avião da Chapecoense em 2019.
Então, começou a ser emprestado. Primeiro, Cerâmica de Gravataí. Depois, Juventude, como moeda de troca na época em que o Grêmio contratou o pacotão Alex Telles, Ramiro, Bressan, Follmann e Paulinho. Entre idas e vindas no Grêmio, foi parar no Aversa Normanna, da Itália e, quando voltou ao Brasil, teve um “choque de realidade”.
“Voltei pro Brasil e caí na realidade. Já estava sem vínculo com o Grêmio também, caí na realidade de 90% dos jogadores, que é o interior, é rodar. Também por ter tido toda essa formação dentro de um clube grande, eu brinco que às vezes é melzinho na chupeta. Quando eu caí na realidade comum no futebol, comecei a ver que não é fácil”, conta.
Spessatto rodou pelo interior gaúcho. Em 2016, jogou no São Paulo de Rio Grande, que na época disputava a Série D e tinha Tiago Nunes como técnico. Ali, aos 25 anos e esgotado mentalmente, decidiu se aposentar após a eliminação na competição. A mulher dele achou que era “negócio de cabeça quente”, mas entendeu quando o jogador não foi treinar no dia seguinte. Nunes tentou dissuadi-lo, sem sucesso. “Você está louco? Você é muito novo, para que isso?”, disse o hoje treinador do Botafogo. “Tiago, deu”, respondeu Spessatto.
“O que me levou ao final da minha carreira profissional, por muito, foi o esgotamento mental, me autopressionando a um resultado. Eu dizia: ‘não foi pra isso que eu me preparei’, eu me cobrava. Sempre a expectativa lá em cima, e aí você cai nessa realidade difícil do futebol. Será que vou conseguir dar a volta? Aí você vai para um trabalho e não consegue. Você vai para o próximo e não anda. Foi um esgotamento mental muito grande”.
João Ricardo Cozac, psicólogo do esporte e presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte e do Exercício físico aponta que muitos atletas largam o futebol porque percebem que as dificuldades são muito maiores do que aquelas dificuldades que eles imaginaram que iriam ter que enfrentar.
“Há muita pressão, é muito comum a gente encontrar expectativa e pressão familiar dentro de casa, aquela coisa de buscar a independência financeira e depositar todas as fichas no garoto que vai jogar no time grande”, diz o psicólogo. “De repente, ele se destaca na Copa São Paulo e depois não tem a estrutura psicológica e emocional para se manter diante dos desafios profissionais”.
Depois de se retirar dos gramados, Spessatto queria continuar perto do futebol. Começou a trabalhar em uma empresa de intermediação de atletas e, um ano depois, abriu sua própria agência para gerenciar a carreira de jogadores. Neste período, formou-se advogado.
Gabriel Spessato, ex-jogador do Grêmio
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Léo Goteira ofuscou Pedro, do Flamengo, e se aposentou aos 25
Leonardo Ávila, conhecido como Léo “Goteira” foi um dos destaques da Copinha de 2016. Embora seu time, o Primavera, tenha sido eliminado pelo Avaí, em disputa de pênaltis nas oitavas, ele deixou boa impressão, pois fez seis gols em cinco jogos e teve uma apresentação de gala contra o Fluminense, na segunda fase. O time carioca tinha Pedro, hoje no Flamengo, como estrela e artilheiro, mas quem brilhou foi Goteira, com dois gols na vitória por 3 a 2.
Sete anos depois, Goteira, hoje com 27 anos, ainda trabalha nos gramados. Hoje, ensina futebol a garotos de Arco, cidade mineira com cerca de 40 mil habitantes, em sua própria escolinha. Estudante de Educação Física, também dá aulas em colégios, enquanto o talento futebolístico fica reservado aos jogos de várzea, sua fonte de renda extra.
A nova carreira, iniciada após a aposentadoria como jogador em 2021, oferece mais estabilidade que a vida que o ex-atacante levava rodando por times menores. “Melhorou psicologicamente. Financeiramente, equivale à maioria dos clubes”, resume ele. Tem o futebol amador, que hoje é uma coisa muito grande, é um complemento. Mas, tirando essa parte, com as aulas, dá para viver tranquilo. Nada grandioso, mas não tem aquilo de ‘será que eu vou receber?’.”
A experiência como atleta foi de frustrações para o ex-jogador. Após a Copinha, veio a esperança, já que saiu do Primavera para o Internacional. Chegou a Porto Alegre rebatizado como Léo Ávila e jogou no sub-20, enquanto passava por um processo para ganhar massa muscular. Completou 20 anos em dezembro e foi para o sub-23, que disputava o hoje extinto Brasileirão de Aspirantes.
Goteira não teve chance no profissional e, embora tenha recebido proposta de renovação, decidiu sair. “Cheguei bem magro, tive dificuldade no início. Também sempre fui muito tímido, acabou atrapalhando um pouco”, diz. Então, o atacante passou a rodar por times menores, sofrendo com a cobrança, que afetou a sua saúde mental.
“Sem falsa modéstia, sei que poderia atingir. Mas chegar em clube grande e ficar para trás, olham com desconfiança e você começa a desconfiar de si”, afirma. “Todos os clubes em que cheguei, sempre me conheciam, ‘o Goteira’ gerava expectativa. Futebol é pressão, e nesses clubes menores não tinha acompanhamento psicológico. Afeta sem a gente perceber.”
Seu último clube foi o União Rondonópolis. Quando a eliminação no mata-mata da Série D veio, decidiu encerrar a carreira aos 25 anos. “Comecei a questionar se valia a pena. O custo-benefício já não era tanto, acabei decidindo lá mesmo que não ia jogar mais”.