"Pai, eu vou ser jogador de futebol e vou tirar a gente dessa dificuldade". Essa foi a promessa feita por Endrick ao pai, Douglas Sousa, quando os dois moravam em Valparaíso de Goiás, no entorno do Distrito Federal, e muitas vezes viam a geladeira e a despensa vazias, sem ter o que comer.
O atacante tem apenas 15 anos, mas pode se orgulhar de já ter conseguido garantir à família uma vida mais confortável graças ao seu talento e realizar o sonho do pai, que tentou ser jogador, mas não conseguiu. A condição financeira vai melhorar quando o garoto assinar seu primeiro contrato profissional com o Palmeiras, o que ocorrerá em 21 de julho deste ano ao completar 16 anos.
Endrick joga futebol desde os quatro anos, época em que já se destacava entre os meninos nas escolinhas de Brasília. O início da trajetória no Palmeiras passa por um vídeo que o pai fez do filho. Douglas publicou os gols do jovem no YouTube e procurou interessados pelo atleta, então com dez anos, depois que ele saíra do São Paulo porque o clube havia oferecido apenas R$ 150 para a família como ajuda de custo.
Douglas negou porque o valor era obviamente insuficiente para viver em São Paulo. E o destino lhe sorriu quando Eduardo Alemão, treinador do sub-13, e João Paulo Sampaio, coordenador das categorias de base, viram e gostaram do gravação com os lances do jovem. "Um empresário me mostrou os vídeos e disse que teríamos que trazer a família. Pelo que vi nos vídeos, confiei e trouxe. Não teve teste", conta Sampaio ao Estadão.
Segundo o pai de Endrick, Corinthians e Santos também se interessam pelo jogador, mas ambos, ao contrário do Palmeiras, não custearam a moradia da família do menino na capital paulista. Nos primeiros meses, Douglas vendeu café da manhã no terminal da Barra Funda. Depois, o clube alviverde ofereceu um emprego de faxineiro na Academia de Futebol. "Com o tempo, eu estava trabalhando dentro do vestiário, próximo dos jogadores", falou ao canal do jornalista Jorge Nicola. Ele construiu uma relação tão boa com os jogadores que ganhou do goleiro Jailson um novo sorriso. O ex-jogador da equipe bancou um implante dentário para o rapaz, que só tinha sete dentes na boca e, por isso, sofria para se alimentar.
Talento precoce
Quem acompanha as categorias de base do futebol brasileiro já conhecia Endrick, o nome mais falado no cenário dos garotos que aspiram subir aos profissionais. Isso porque o desempenho do garoto já impressiona desde que chegou ao Palmeiras, em 2017, quando tinha dez anos. Mas foram os golaços marcados na primeira fase da Copa São Paulo de Futebol Júnior que fizeram o atacante rodar o mundo e passar a ser conhecido fora do Brasil.
O ex-atacante inglês Gary Lineker (artilheiro da Copa de 1986) publicou o vídeo do primeiro gol da joia palmeirense contra o Ariquemes, de Rondônia, e demonstrou estar assustado com o que havia visto. No lance, o atleta passou facilmente por um defensor, deu uma meia-lua em cima de outro e tocou por cima do goleiro de esquerda. Na Espanha, Endrick é comparado a Vinicius Junior e chamado de "craque", "fenômeno" e "menino de ouro do Palmeiras" pelos jornais As e Sport. Ele é fã de Cristiano Ronaldo e Gabriel Jesus, que conheceu em 2019 quando o atacante do Manchester City foi rever antigos companheiros na Academia de Futebol.
"Em termos de precocidade é o mais talentoso com o qual já trabalhei. Pelos números, pelo que faz e pelas conquista", diz João Paulo Sampaio. O profissional acompanhou toda a evolução do garoto no Palmeiras e fez, com a sua equipe, a opção de colocá-lo para jogar com atletas mais velhos, como estratégia para acelerar a maturação de garotos vistos com grande potencial. Na decisão, também foi considerada a capacidade física de Endrick acima da média em relação aos demais. O jovem é forte, rápido e tem uma explosão incomum para sua idade.
"Quando tinha 14 anos, em 2020, já fazia o que faz hoje no sub-17. O que mais chama a atenção é essa evolução. A gente foi desafiando ele, não tinha como pará-lo. No sub-15 era destaque, colocamos no sub-17. Era destaque também e pusemos no sub-20", explica Sampaio, um dos responsáveis por reestruturar as categorias de base do clube. A estratégia deu resultado e Endrick foi campeão por quatro categorias diferentes: sub-11, sub-13, sub-15 e sub-20. Em vários jogos, fez pinturas dignas de Prêmio Puskás. Não é incomum vê-lo marcando de bicicleta ou depois de enfileirar marcadores. Contra o Corinthians, no jogo de ida da final do Paulista sub-17, anotou um golaço do meio de campo.
"Eu tento ficar o mais tranquilo possível na frente do gol, tento fazer gols importantes para a equipe. A questão da frieza é não se afobar", disse o jogador depois da vitória por 3 a 0 sobre o Ariquemes no último sábado. No dia seguinte, ele treinou pela primeira vez com o elenco profissional.
Aos 15 anos, o garoto acumula façanhas e marcas expressivas. É o mais o jogador mais jovem a atuar e a marcar pelo Palmeiras na Copinha e tem quase um gol por jogo na base alviverde. São 167 gols em 170 partidas, sendo 68 deles em torneios oficiais organizados pela FPF ou pela CBF. É o único na história a balançar as redes em jogos finais do Paulista sub-15, sub-17 e sub-20. Também já defendeu a seleção brasileira sub-15. Mas o sucesso não o tira da rota. "Ele lida bem com esse sucesso. É bem tranquilo", resume Sampaio. Quando tem confusão em campo, ele diz, o jovem procura proteger os companheiros. No dia a dia, é educado, respeitoso e nunca se desentendeu com os colegas ou superiores.
Quando estreia pelo profissional?
Os torcedores estão empolgados com o sucesso fulminante de Endrick, mas terão de esperar mais um pouco para vê-lo em ação no time principal. No Brasil, na maioria das competições, um atleta só pode atuar entre os profissionais quando completa 16 anos, idade em que, de acordo com a Lei Pelé, poderá assinar seu primeiro contrato profissional. No caso da joia palmeirense, isso será em 21 de julho. No Mundial, estaria liberado, já que não há restrições de idade da Fifa, mas a tendência é de que não seja inscrito.
Endrick tem com o Palmeiras um contrato de formação esportiva, o único modelo jurídico permitido para menores a partir dos 14 anos, segundo a legislação brasileira. O Palmeiras confia na palavra da família e dos empresários e entende que não corre risco de perder o garoto para rivais brasileiros. A multa para tirá-lo do Palmeiras é de R$ 20 milhões.
O clube trata como adiantado o acordo para assinar o vínculo profissional. Mas é melhor o Palmeiras ficar atento. Grandes clubes da Europa, como Real Madrid, Barcelona, Manchester United e Liverpool, já estão de olho na promessa para tentar tirá-lo da equipe. De qualquer forma, ele só pode atuar em um clube do exterior depois de fazer 18 anos.