Quando Endrick fez 17 anos, algo mudou em sua vida. O jovem percebeu que ler as críticas e os comentários maldosos publicados nas redes sociais sobre ele não estavam lhe fazendo bem. Por isso, deu um tempo. Passou, então, a voltar a jogar com alegria até que, meses depois, conquistou o seu segundo título do Brasileirão depois de chacoalhar o Palmeiras e liderá-lo rumo à 12ª taça nacional. “Mudei minha chave e pude saber de coisas e perceber que só estando feliz poderia jogar bem”, diz o atacante ao Estadão.
Tímido, de fala baixa, quase sussurrada, o garoto comentou sobre Palmeiras, seleção brasileira, Neymar, racismo, o ônus que a fama traz, o incômodo com as publicações sobre sua vida pessoal e o desejo de se tornar poliglota. Antes de se apresentar ao Real Madrid, ele está aprendendo inglês e espanhol. “Quero aprender francês, italiano e a Libras também. Seria importante para o Endrick pessoa, não só o jogador”, justifica o atleta, enquanto desliza a mão direita no rosto num gesto para aliviar o nervosismo.
Em 2024, o plano é erguer mais dois troféus - Supercopa e Paulistão - e deixar o Palmeiras em julho com seis títulos. Para um futuro mais distante, sonha fazer dupla com outra estrela revelada pelo time alviverde. “Tenho sonhos ainda no Palmeiras e, se Deus quiser, que possa até voltar e jogar junto com o Gabriel Jesus”. Na última sexta-feira, o jogador fechou parceria com a Neosaldina, medicamento para alívio rápido de dores de cabeça. Em cinco anos, vai ganhar R$ 12,5 milhões, além de bônus em caso de cumprimento de metas. “Com certeza, vai ficar bem acima do nosso contrato”, brinca Carla Dias, diretora de marketing e comunicação da Cafehyna, equipe responsável pelas campanhas e ativações da marca.
O Palmeiras só arrancou rumo ao 12º título brasileiro graças à derrocada do Botafogo e a você. Considera que foi o personagem central da conquista?
É o time todo. Todos se ajudaram bastante, o Raphael Veiga, o Weverton... Todos fizeram um grande campeonato. Foi o conjunto que ajudou a gente a ser campeão, levantar esse 12º título. Que ano que vem a gente possa estar melhor ainda para conquistar mais coisas.
Qual jogo foi o mais especial pra você?
O jogo marcante foi contra o Botafogo. Sair de 3 a 0 para 4 a 3 não é fácil. A gente saiu para o intervalo abalado. Aqueles dois gols foram muito importantes pra mim, foi uma atuação muito boa da minha parte. Foi marcante pra mim.
Quando saiu em 2016, o Gabriel Jesus fez um discurso emocionado e prometeu voltar ao Palmeiras. O torcedor pode esperar o mesmo de você?
Tenho gratidão pelo Palmeiras. Foi o time que foi me buscar quando eu era menor de idade e o que me deu mais apoio. Tenho sonhos ainda no Palmeiras e, se Deus quiser, que possa até voltar e jogar junto com o Gabriel.
Você disse que havia pessoas maldosas nas redes sociais e que percebeu que estava jogando com raiva e ódio. Como foi esse processo de mudança de mentalidade até voltar a jogar com alegria?
Foi um divisor de águas. Era meu aniversário. Foi quando fiquei mais velho (17 anos), mudei minha chave e pude saber de coisas e perceber que só estando feliz poderia jogar bem. Só a parte de estar feliz já seria maravilhoso pra mim. Eu estou feliz, minha família também e é isso que importa.
Você lê o que as pessoas escrevem sobre você nas redes?
Não mais. No começo do ano, eu li mais. Agora, estou tranquilo e não quero mais saber disso. Depois que parei, só fico de boa. Quero estar de boa, ficar com a minha família e brincar quando não estiver dentro de campo.
Você disse que lida com naturalidade com a pressão, os títulos e toda a fama que veio com seu talento. De onde vem tamanha maturidade pra um jovem de 17 anos?
Sou bem tranquilo mesmo. Sei de tudo que passei e que estou passando. Tento não deixar o sucesso subir à cabeça, ficar tranquilo. É assim que eu estou. Estou leve e bem de boa. Quero sempre ficar assim pra não fazer coisas que não são da minha índole.
Você contou querer trazer todos para perto e ter a ‘nação brasileira’ do seu lado. Sente que pode se tornar um ídolo nacional?
É difícil falar. Muitas pessoas não gostam do Neymar, por exemplo. Em Portugal todos idolatram o Cristiano Ronaldo. Na Argentina, todos são fãs do Messi e na Polônia, todos são fãs do Lewandowski. É difícil você ter todos por perto, creio eu. Desde quando via as pessoas falando, ficava um pensamento na minha cabeça de se vou ou não trazer todos para perto de mim. Mas percebi que o que quero é ter a minha família e todos que gostam de mim perto. Estou bem de boa com isso. Se as pessoas gostarem de mim, que gostem. Espero que todos os brasileiros possam estar juntos comigo.
Hoje, ainda aos 17, depois do que já conquistou, qual seu sonho mais próximo?
Agora, meu sonho mais próximo é conquistar a Supercopa e o Paulista e sair daqui com seis títulos. É o que eu vou buscar depois das férias.
Como foi o período na seleção brasileira?
Foi bom. O trote foi bom, o pessoal resenhou bastante comigo. Subi duas vezes na cadeira (concentração). Cantei “Nosso Sonho”, (de Claudinho e Bochecha). Foi espetacular treinar com eles. Conversei bastante com geral. Sempre estava junto com eles. Foi um ambiente excelente.
Você se vê sendo o camisa 9 da seleção na próxima Copa do Mundo?
Difícil dizer, mas óbvio que tenho esse sonho de jogar uma Copa do Mundo. Sonho com isso desde pequeno, mas a Copa está muito longe ainda e tenho de jogar bem pra estar lá.
O Brasil joga em 2024 a Copa América entre junho e julho e a Olimpíada entre julho e agosto. Provavelmente, você terá de escolher. Qual competição escolheria jogar?
Não sei. Poderia escolher as duas. Os dois seriam meu primeiro campeonato com a seleção brasileira. A seleção olímpica sempre foi um sonho porque era o que estava mais perto, mas depois que fui convocado para a principal, o sarrafo subiu. Então, tenho de manter o nível para poder voltar mais vezes.
Você revelou ter sido vítima de racismo na infância. Teme que aconteça com você na Espanha o mesmo que se passa com o Vinícius Júnior?
Não falei com o Vini sobre racismo porque quando estamos juntos, estamos alegres, resenhando. É um assunto chato. Já sofri racismo uma vez e não ligo mais para os racistas. Minha mãe sempre fala que eu sou negro, sim, e não preciso dar voz para essas pessoas. É algo contra o qual sempre vou lutar. Vou lutar com o Vini, com o Rodrygo...
Dá pra ver que seus pais são presentes na sua vida. Qual é a importância deles para o seu sucesso?
Meus pais são tudo que tenho de mais importante. São a chave do meu sucesso. Se não fossem por eles, não estaria aqui hoje. Eles largaram tudo em Brasília por mim. Sempre vou obedecê-los e respeitá-los. Meu pai fala bastante comigo, me dá conselhos sobre futebol. Conversamos sempre sobre as partidas. É bom ter essa afinidade com meu pai.
Como é sua rotina fora do Palmeiras?
Eu gosto de ouvir música, jogar videogame para me distrair. Sou um garoto, tenho de fazer coisas que me deixam feliz.
Tem vontade de fazer coisas que jovens da sua idade fazem, mas você não pode por causa da fama?
Tenho vontade de ir ao shopping, ao cinema, andar pela rua e poder sair sem invasão de privacidade. Incomodam essas publicações de fofoca que vazam coisas que eu não quero. Vazou minha namorada comigo e a gente não gostou (eles foram à festa juntos). Mas sei o que é a fama, tenho de aguentar. Se Deus me deu essa fama, tenho de agradecer e ficar de boa.
Você tem feito aulas de inglês e espanhol antes de sair do Brasil. Há outros idiomas que quer aprender?
Quero aprender francês, italiano e a língua de libras. Seria importante para o Endrick pessoa, não só jogador. Sou um garoto novo, quero aprender. Posso tentar.
Como imagina que será sua chegada ao Real Madrid quando fizer 18 anos?
Vai ser um momento bom. É o maior do mundo. As pessoas de lá são maravilhosas.