A Espanha pode se tornar tricampeã da Eurocopa, neste domingo, dia 14, às 16 horas (horário de Brasília), no Estádio Olímpico de Berlim, na Alemanha. Na mesma data, Lamine Yamal completa 17 anos. O atacante é um dos destaques da seleção espanhola e tem quebrado recordes desde que estreou no Barcelona, aos 15. Além dele, outros jovens têm sido lançados ao futebol mundial ainda como adolescentes. Rodrygo e Vini Jr. foram negociados com 17 anos. Endrick, aos 16. No caso de atletas de fora da Europa, a ida só é efetivada ao completar a maioridade.
O camisa 9 da seleção e novo jogador do Real Madrid foi negociado em 2022. Naquele ano, com 16, ele havia sido o melhor jogador no título palmeirense da Copa São Paulo de Juniores, torneio que é sub-20. A venda para o Real Madrid foi por 60 milhões de euros (R$ 350 milhões): 35 milhões fixos e 25 milhões em metas.
O clube paulista tem ainda outro exemplo, que já partiu ao Velho Continente. Luis Guilherme, com 17 anos, fez apenas 48 jogos na equipe profissional até ser vendido ao West Ham. A equipe inglesa pagou aproximadamente 30 milhões de euros (cerca de R$ 171,5 milhões) ao clube paulista, que detinha 80% dos direitos econômicos do atleta.
O mais recente foi Estêvão, de 17 anos, vendido ao Chelsea na maior operação da história do futebol brasileiro. O clube inglês desembolsou 61,5 milhões de euros (R$ 358 milhões), acima do valor da multa rescisória, que era de 45 milhões de euros (R$ 262 milhões).
Tomando como exemplo apenas o Chelsea, que contratou Estêvão, os jogadores brasileiros procurados pelo clube se tornaram cada vez mais jovens com o passar dos anos (veja abaixo). Alex, zagueiro do Santos, foi comprado com 22 anos, em 2004. Wallace Oliveira deixou o Fluminense rumo a Londres com 19, em 2013. A tendência se repete na busca de outras equipes europeias.
Brasileiros contratados pelo Chelsea
- 2004: Alex (Santos, aos 22 anos)
- 2012: Oscar (Internacional, aos 21)
- 2013: Wallace Oliveira (Fluminense, aos 19)
- 2014: Lucas Piazon (São Paulo, aos 20)
- 2015: Nathan (Atlhletico-PR, aos 19)
- 2016: Kenedy (Fluminense, aos 20)
- 2023: Andrey (Vasco, aos 19), Deivid Washington (Santos, aos 18), Ângelo (Santos, aos 19).
- 2024: Estêvão (Palmeiras, aos 17).
Assim como houve uma “rejuvenescida” na demanda dos europeus, as vendas dos sul-americanos acompanhou o movimento. Isso foi alvo de críticas recentemente por parte do técnico Marcelo Bielsa, da seleção uruguaia. “Aqui jogavam Raí, Antonio Carlos, Ronaldo, Cafú, Pintado, Muller, todos jogadores ‘europeus’, mas que antes de irem à Europa, jogaram duas finais de Copa Libertadores. O que aconteceu com o futebol?”, questionou, antes de citar Endrick e Estêvão, como jovens que foram vendidos precocemente.
O coordenador da base palmeirense, João Paulo Sampaio, define que o foco da base é a formação, e não o rendimento. “Temos paciência. O Luighi, por exemplo, ficou uns três anos em rendimento ruim. Entendemos as fases deles. Danilo ficou de seis a oito meses em projeto para ganhar massa muscular”, exemplifica ao Estadão.
A situação não acontece só no Palmeiras. O Internacional começou o Campeonato Brasileiro Sub-20 com um elenco cuja média de idade era de apenas 17,7 anos. A maioria dos atletas era do time sub-18, e seis jogadores, do sub-17. Isso se mantém até o momento, e o time é o lanterna, com sete pontos em 11 jogos.
“Por um lado, a gente não tem conseguido uma pontuação expressiva, mas, por outro, a gente vem antecipando uma etapa de amadurecimento para esses jogadores em que nós acreditamos no potencial. A falta de maturidade tem feito que a gente perca jogos, mas não estamos deixando de desempenhar e performar”, diz o diretor de futebol da base colorada, Jorge Andrade, ao Estadão.
Andrade já passou pelo Sport, que recentemente negociou o lateral Pedro Lima, de 18 anos, com o Wolverhampton, por 7,5 milhões de euros (aproximadamente R$ 43,8 milhões), a venda mais cara do futebol nordestino.
Novos desafios impulsionam etapas puladas
Para um atleta de categoria de base pular etapas, são analisados processos extracampo, como amadurecimento em termos de vivência. Andrade defende que a promoção deve ser o caminho quando o jovem já superou o que poderia enfrentar em termos de competição. “Se esses jogadores, realmente, na categoria de origem, não têm mais o que desenvolver, tem que pular etapa. A gente busca novos desafios para eles”, argumenta. O diretor aponta que esse foi o diagnóstico feito para o elenco sub-20 do Internacional.
Andrade, contudo, prega cautela: “Tem que ser tratado com uma certa tranquilidade para que não se queime o menino perante o ambiente que envolve um jogo adulto profissional”
Em termos fisiológicos, a fase de maturação costuma acontecer entre 14 e 16 anos. É neste momento que começam os trabalhos de força e nutrição para ganho massa muscular até que os atletas desenvolvam nível compatível com jogadores profissionais. A explicação é da médica Flávia Magalhães, que atua há 20 anos no esporte e é especialista em fisioterapia traumato-ortopédica, fisiologia do exercício e ciências do futebol.
“O próprio treinamento vai causar alterações cardiovascular e muscular. Bombear mais sangue, alimentar músculos, e adaptação dos vasos, além da hipertrofia. Jogadores precoces têm vantagens em recuperações de lesões. O cortisol, liberado nos treinamentos intensos, ajuda no estresse físico. Outros hormônios pró-inflamatórios auxiliam no ganho de massa muscular.”, explica, mas pondera: “Quando temos isso de forma desequilibrada, há risco de lesões musculares, articulares, falta de sono... Fazemos avaliações fisiológicas no dia a dia”.
Com foco em resultado, falta olhar para a saúde mental dos jovens atletas
A pressão por desempenho pode gerar fadiga emocional a garotos que sequer ingressaram de fato no mundo profissional. ”Um menino que ainda é adolescente passa a ter uma dedicação focada no esporte. Essa pressão pode gerar um isolamento social, afastá-lo de atividades educativas. Ele precisa ter interesses fora do esporte, para ter uma identidade além do futebol”, argumenta Flávia, que já atuou junto a CBF e ao Atlético-MG.
Nesse sentido, a médica também defende a gestão individualizada, com olhar do clube para o entorno do atleta. Avaliar como é o suporte familiar é um exemplo.
A crítica a promoções de garotos “por imprevisto”, como em precisar compor elenco, também é feita pelo diretor da Roc Nation Sports no Brasil, Thiago Freitas. A agência atua com gestão de carreiras de atletas, mas só avalia garotos a partir da categoria sub-14. Há empresas, contudo, que brigam por talentos a partir dos sete anos.
“Vários clubes buscam agências para os ajudar a financiar a mudança das famílias desses garotos, com nove e dez anos, que eles não podem alojar, para as proximidades de suas estruturas”, comenta Freitas, que não trabalha com torneios de iniciação.
A percepção de profissionais que atuam com jovens é de que os clubes que dispõem de psicólogos acabam focando em solução de problemas, não em acolhimento. A doutora Flávia sente falta de apoio na construção de bases cognitiva e afetiva para jogadores. Para ela, há “outros Endricks” talentosos, mas sem sucesso.
A psicóloga da CBF Marisa Santiago explicou o trabalho da psicologia do esporte quando foi apresentada pela entidade, em abril deste ano. “São dois vieses claros. Um focado na performance do atleta, pensando em empenho e resultado. E a outra é a parte da saúde mental Diferentemente de psicologia clínica, se trabalha diretamente em resultados. O trabalho é pontual, com questões específicas”, disse.
Junto da promoção para o profissional, os cuidados com a gestão financeira e o pós-carreira também precisam começar nas categorias de base, além de uma formação educacional. Aliar as preocupações em fisiologia com o desenvolvimento emocional e cognitivo é o grande desafio, conforme Freitas: “Estamos décadas atrasados no cuidado da mente. Nossa maior dificuldade é a de antecipar quais adolescentes vão lidar bem com a chegada nos vestiários dos adultos, e com a chegada das grandes quantias de dinheiro. No campo, a avaliação está cada vez mais fácil”.
Brasil tem 11 clubes entre as 100 melhores bases do mundo
O último levantamento anual do CIES Football Observatory, divulgado em 2023, apontou São Paulo, Flamengo, Fluminense, Internacional, Palmeiras, Grêmio, Corinthians, Santos, Athletico-PR, Vasco e Cruzeiro como os clubes brasileiros entre as 100 melhores categorias de base do mundo. São considerados critérios como a quantidade de jogadores formados que continuam como profissionais, e o nível das competições disputadas pelas equipes. A pesquisa analisou 48 ligas de futebol espalhadas pelo planeta. O líder geral foi o Ajax, da Holanda.