A expectativa gerada pela criação de uma nova liga no futebol brasileiro é cada vez maior e próxima de acontecer. Nas últimas semanas, representantes dos dois grupos interessados nas mudanças, a Libra (Liga do Futebol Brasileiro) e LFF (Liga Forte Futebol do Brasil), têm se reunido para dar novos passo nesta transformação.
O que poucos têm comentado é sobre os impactos que essa remodelação vai gerar fora das quatro linhas. Um delas atinge diretamente os games de futebol.
Lançado nesta semana, o Fifa 23, da EA Sports, não terá mais uma vez os jogadores reais, embora conte com times brasileiros que participaram das competições da Conmebol (Libertadores e Sul-Americana), com escudos e uniformes. As equipes da Série A (com exceção do Palmeiras e Athletico-PR) e B (sem o Vasco) estão presentes atualmente no eFootball, antigo PES, da Konami.
No Brasil, a desenvolvedora de cada um desses games precisa negociar os direitos do campeonato com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), tratar da utilização do emblema e uniforme com os clubes e, por fim, tem de negociar individualmente com cada atleta pela imagem.
“Isso torna o processo extremamente complexo e, muitas vezes, impede a presença de todos os clubes e jogadores nos tão populares jogos de videogame, prejudicando não apenas a experiência dos fãs de futebol, mas também desperdiçando o enorme potencial de geração de negócios que surge a partir dessa imersão no mundo digital”, afirmou Eduardo Diamante Teixeira, advogado especializado em direito desportivo e sócio do Carlezzo Advogados.
Com a nova liga, a esperança é que a negociação em torno desses direitos simplifique o complexo sistema de licenciamento atualmente existente no Brasil e traga esse formato onde se negocia coletivamente as licenças para os jogos de videogame. “É o exemplo que já acontece na Inglaterra, em que os clubes são automaticamente inseridos no game a partir da negociação entre a desenvolvedora do jogo e a liga”, completou Diamante.
Em maio deste ano, a EA Sports anunciou o fim da produção do game com a marca Fifa, alegando que o custo da licença era muito alto. Em comunicado, a empresa avisou que continuaria a fazer games de futebol, mas a partir de julho de 2023 com um novo nome, chamada de EA Sports FC.
Sylmara Multini, atualmente CEO da IDG NFT (Internacional Digital Group), que tem sua marca associada às criptomoedas de esportistas como Richarlyson, do Tottenham, do ex-jogador Reinaldo, do Atlético-MG, de Christian Fittipaldi, da banda musical IRA e até de escolas de samba como Grande Rio e Mangueira, entende que o modelo atual ainda é muito ruim para as agremiações brasileiras.
Com expertise de atuação de licenciamento em entretenimento em marcas como Warner Bros, Disney e Mattel, além da linha de produtos e lojas dos Jogos Rio 2016, ela aponta que o caminho ainda é longo quando falamos sobre este tema. “Enquanto os times e ligas europeias engajam e encantam os seus torcedores com produtos licenciados bem elaborados, com grande variedade, e preços pra todos os bolsos, nós aqui ainda patinamos. O que mais dificulta, e às vezes inviabiliza o trabalho, é que na grande maioria dos casos tem que se negociar com cada jogador individualmente. Em outras ligas ao redor do mundo o contrato com os jogadores já inclui o direito destas organizações fecharem acordos com as imagens dos craques, auxiliando, em muito, as empresas que procuram licenciar vários times”, explicou.
Como a CBF não é uma das confederações que fazem parte do FIFPro (uma espécie de sindicato mundial dos jogadores, que auxilia nos processos de licenciamento coletivo dos direitos de imagem), é necessário que os direitos de imagem com relação aos jogadores, distintivos e uniformes, por exemplo, sejam negociados individualmente. Até por isso, os clubes até podem estar presentes nesses jogos, mas seus jogadores não, o que causa bastante reclamação por parte dos milhares gamers.
“Como o Brasil (CBF) não é membro do FIFPro, além da negociação coletiva feita através da liga - que garantirá a presença dos clubes no jogo de videogame - ainda haverá a necessidade de se certificar que os direitos de imagem individuais de cada atleta também estarão devidamente contemplados, seja através de um licenciamento coletivo ou de forma individual feita por cada jogador”, apontou Eduardo Diamante.
De acordo com dados divulgados pelo portal de estatísticas Newzoo, o Fifa 22 ficou em 3º lugar em usuários ativos mensais no Playstation e Xbox em maio deste ano. Já em agosto de 2021, no último relatório fiscal divulgado pela companhia, o Fifa 21 registrou mais de 31 milhões de jogadores. De acordo com os dados, a EA revelou que teve cerca de 140 milhões de usuários ativos nos últimos 12 meses.
EXEMPLO INGLÊS
“É inegável que a internacionalização de uma marca, e aqui estamos falando de clubes brasileiros, passa por uma série de serviços que precisam estar inseridos dentro de um planejamento estratégico pensado a curto e longo prazo. Além de tudo o que envolve o dentro de campo e redes sociais como um todo, é evidente que ter uma aparição dentro dessas plataformas também gera conhecimento por quem é gamer em outros países. Apesar de hoje em dia todos terem acesso às buscas pela internet, existe um público muito segmentado só de jogos de soccer. É natural que um torcedor inglês do Liverpool ou do Chelsea tenha tido interesse em saber mais de Flamengo e Palmeiras entrando nos elencos desses clubes no Fifa, o que acabaram não encontrando. Se bem trabalhados, tudo é um gerador de engajamento”, disse Bernardo Pontes, sócio da BP Sports e especialista em marketing esportivo.
Jorge Avancini, vice-presidente de marketing do Internacional, diz que o clube se antecipou ao conseguir negociar coletivamente com a Konami a entrada de todos os seus atletas na última edição do eFootball. “Dentro do novo modelo, o jogo já tem a liberação do uso da imagem de todos os jogadores. Se olhar o PES da última temporada, os nossos atletas estão com o avatar e nomes completos. Alguns clubes talvez ainda tenham esse tipo de dificuldade. Infelizmente, aqui no Brasil, isso é tratado de forma separada, em que é necessário negociar com cada jogador e não tem uma unidade como acontece na Europa. Essa foi uma das razões que optamos pelo PES, que já vinha com essa solução e que era um problema que tínhamos anteriormente”, exemplificou.
“Acho que existe uma luz no fim do túnel. Eu acredito que com a chegada de um formato Liga, os clubes terão mais gerencia sobre os seus craques, o que trará mais oportunidades para todos os envolvidos”, finalizou Sylmara Multini.