No Samaritá, um bairro pobre de São Vicente, na Baixada Santista, com ruas esburacadas, casas simples, terrenos abandonados e com mato alto, está instalada a “Escola do Pelé”, como passou a ser chamada pelos moradores da cidade o Ambiente Municipal de Educação Integral (AMEI) Rei Pelé.
Inaugurada em 30 de janeiro, um mês após a morte do Rei do Futebol, a unidade escolar tem imagens em grafite do Atleta do Século na quadra poliesportiva, ilustrações do Pelezinho, da Turma da Mônica, na sala dos professores, no refeitório e na sala de dança e o elevador envelopado com a imagem do Rei em preto e branco emulando a sua mais célebre comemoração, dando socos no ar.
A escola estava pronta em janeiro, prestes a ser inaugurada, quando o prefeito Kayo Amado (Podemos) viu uma oportunidade de homenagear o Rei do Futebol e seu ídolo. Santista graças às histórias que o avô contava, ele foi ágil. Disparou ofícios, conseguiu as autorizações da equipe de Pelé, da CBF e do Santos e viabilizou a ideia.
“Em tempo recorde, personalizamos a escola e deu certo. Foi muito especial”, afirma o prefeito em conversa com o Estadão em uma das dez salas de aula da unidade escolar. “Faltou o Santos. Não veio ninguém do Santos, exceção da torcida. Por pura falta de atenção, penso eu. Os ofícios chegaram e o clube me respondeu um dia depois da inauguração”, lamenta ele sobre a omissão de seu time do coração.
“Meu avô me deu um RG do Santos. Andava com ele na carteira, com a baleia. Isso que me define como santista”, comenta Amado, triste com o momento atual do time no Paulistão, muito diferente da época gloriosa com Pelé em campo.
A primeira escola que homenageia o Rei do Futebol é a única em tempo integral de São Vicente, tem fila de espera, pais e mães orgulhosos e estrutura de ponta para o padrão do município. As salas têm ar-condicionado e projetor multimídia e os alunos fazem atividades de música, tecnologia, projetos eletivos, esporte e aulas de inglês.
Desde segunda-feira, dia 6, lá estudam 640 alunos do Ensino Fundamental I (1º ao 5º ano), das 7h às 17h. Nicoly, 7 anos, é uma delas. “Quero ser desenhista”, projeta a menina, filha de uma das sorridentes cozinheiras enquanto mostra seus desenhos no caderno.
Todas as vagas 640 foram preenchidas. Formou-se até uma fila de espera. “As pessoas querem pôr seus filhos aqui porque é a escola do Pelé, mas também porque é integral”, justifica o prefeito. À espera do uniforme, que chega em março, as crianças vão ter quatro refeições no local.
“No dia da inauguração teve balé, capoeira, educação física. As crianças ficaram felizes”, lembra a secretária de Educação da cidade, Nívea Marsili. A inauguração, com a presença do tetracampeão mundial Mauro Silva e atual vice-presidente da Federação Paulista de Futebol (FPF) e da principal organizada do Santos, aconteceu na quadra da escola, decorada com desenhos alusivos a Pelé. Os grafites foram feitos por um artista local. No primeiro dia de aulas, a quadra estava fechada. Funcionários passavam resina no piso e faziam os últimos ajustes.
Pelé, cabe lembrar, participou de iniciativas em defesa da educação de qualidade para crianças e jovens. “Pelo amor de Deus, o povo brasileiro não pode esquecer das criancinhas, as criancinhas pobres, as casas de caridade”, suplicou o Rei do Futebol depois de marcar o milésimo gol, em 19 de novembro de 1969.
São Vicente é uma das cidades mais pobres do Estado, com índices socioeconômicos baixos, e tem educação deficitária. Até 2022 os alunos da rede municipal, que contempla 62 escolas municipais e 50 creches, não ganhavam sequer material escolar. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município tem apenas o 602º PIB per capita de São Paulo (R$ 15.551,50) e o 121º IDH do Estado (0,768).
O prefeito fala em “virada de chave” e acredita ser possível reformular o cenário educacional na cidade. Ele planeja reformar sete escolas e construir outras três em tempo integral. “A meta é fazer com que todas sejam iguais à Escola do Pelé”.