Ele costuma quebrar protocolos ao dar bronca no juiz quando a partida não consegue ter andamento normal. Lança mão de frases espirituosas para valorizar o espetáculo e emplaca os mais variados bordões que caem no gosto popular e ganham as ruas no Brasil. Na esteira dessa empatia com o público fã de futebol, Luís Roberto usa seu estilo “caipira do interior” para se consolidar como um dos maiores narradores do País. Não à toa, é considerado por muitos o sucessor de Galvão Bueno na Globo. O jeitão simplório é o seu cartão de visitas para levar ao telespectador o ambiente de arquibancada nas transmissões esportivas. Em entrevista exclusiva ao Estadão, ele abriu o jogo e falou sobre a dimensão que a sua carreira tomou ao longo de mais de 40 anos. “É com fé no pé”, “Eu quero é gritar gol”, “Sabe de quem?” ou ainda “o maior esporte do planeta”, são alguns dos bordões que estão na ponta da língua do torcedor e remetem uma forte ligação do comunicador com os milhões de apaixonados que o acompanham nos jogos na TV Globo.
Este sessentão com jeito jovial e interiorano comentou sobre a adaptação ao Rio e de como conseguiu conquistar o público carioca também. A versatilidade é outro ponto que norteia sua trajetória. Além de estar presente em várias modalidades esportivas, Luís Roberto narrou corridas de F-1 e apresentou desfiles de carnaval por quase uma década.
Tamanha identificação com os torcedores comuns o coloca, muitas vezes, na condição de celebridade. É comum ser abordado por fãs na padaria, no posto de gasolina ou ainda no aeroporto para “um dedinho de prosa " e aquela foto. Acredito que ser caipira do interior aproxima. Eu gosto de pessoas, gosto de gente, isso faz com que a proximidade pareça mesmo íntima.” Ele foi batizado Luís Roberto Múcio Paranhos, tem 62 anos e fez faculdade de jornalismo em Santos. Morou até aos três anos em São João da Boa Vista, em São Paulo.
Pedro Luiz foi a primeira referência sobre narração esportiva e o rádio foi a porta de entrada que o levou a se aventurar na área no interior paulista. Já em São Paulo, aprendeu a importância de ser um profissional completo para saber lidar com os diferentes públicos. Por fim, ao Estadão, comentou as transformações que aconteceram no jornalismo esportivo e da geração que vem chegando. Escalado para o primeiro jogo da final da Copa do Brasil, é dele a missão de comandar a transmissão de Flamengo e São Paulo neste domingo, cuja audiência poderá bater recorde na emissora na temporada. Apaixonado pela profissão, ele cita o principal combustível que o inspira a continuar na caminhada: “a emoção. O esporte nos move é pela emoção”.
Você mantém um público fiel com seu jeito de “paulista do interior” e aproxima quem assiste aos jogos. De onde vem essa bagagem profissional?
Passamos o tempo inteiro tentando nos reinventar e, no meu caso, que sou um profissional de comunicação, busco a melhor conexão com as pessoas. Observo detalhes como linguagem, forma e o tom que são mais eficientes (para interagir com o público/torcedor). Acredito que ser um “caipira do interior” aproxima. Eu carrego isso comigo e é algo natural. Então, nem penso muito. Eu gosto de pessoas, gosto de gente, isso faz com que essa proximidade pareça mesmo íntima, não só por quem está me vendo pela TV, mas por quem me encontra na padaria, no posto, no aeroporto, seja onde for.
Uma característica que marca suas transmissões é seu jeito “sincerão”. Um exemplo: se um juiz picota a partida, você fala que o árbitro é “chato” por parar o jogo a toda hora. Essa simplicidade, que foge ao protocolo, tem relação com as suas raízes ou é algo adquirido com o decorrer das transmissões?
Acho que tem mesmo um pouco a ver com meu jeito, com a minha criação e bagagem. Uma forma leve de falar ao discordar de algo. O ritmo é a alma do futebol. Juiz que interrompe muito o jogo, que conversa muito, está tirando o ritmo do futebol, que é um dos maiores patrimônios que esse esporte tem. Então, ele é chato mesmo quando faz isso. Não estou dizendo que ele é incompetente, mas que é chato. E tento usar uma linguagem que não seja agressiva. Acho que essa espontaneidade nas transmissões é legal. Uma simplicidade mesmo. E fugir um pouquinho do protocolo, com responsabilidade e educação, eu acho bacana.
Você consolidou bordões famosos como “Com fé no pé”, “Sabe de quem?”, “Eu quero é gritar gol”, “o maior esporte do planeta”, entre outros. Como surgem essas frases de efeito?
De um modo geral, surgem naturalmente, e acho que são pontuais. Agregam, ajudam e trazem uma marca que talvez há 30 anos não fosse algo muito comum. Os bordões são naturais. Eu brinco com a história do “maior esporte do planeta”, que surgiu em uma Copa do Mundo depois de um gol improvável da Colômbia. A Globo usa algumas vezes esse bordão em chamadas porque realmente o futebol é o maior esporte do planeta. Tem também a história do “eu quero é gritar gol”, que eu usei em um gol do Messi contra o México. A partir desse lance, a Argentina passou a ser favorita para a Copa. O bordão (“eu quero é gritar gol”) é o título de uma canção de um colega, um cantor cearense. Ele fez a música para o Mundial e a dedicou a mim.
Apesar das raízes paulistas, você se adaptou muito bem ao Rio e cativou o público carioca também. Como foi esse processo de mudança?
Obviamente que isso causou preocupação e ansiedade. Estamos falando de um Brasil que tem suas peculiaridades. Cada canto do País vive de um jeito, tem seus hábitos próprios e acho que a gente nunca deve, quando muda de cidade ou país, querer que aquele lugar mimetize o local onde você cresceu. Ao contrário, você é que precisa se adequar. Então, essa relação com o Rio de Janeiro foi construída com muita entrega, frequentando redação, indo aos treinos, indo às quadras das escolas de samba antes mesmo de transmitir o carnaval. Costumo dizer que finco meus pés em quatro lugares: no interior de São Paulo, onde está minha família, na capital paulista, onde nasci e fiz muitas coisas na minha vida, no Rio de Janeiro, onde moro há mais de 25 anos, e em Fortaleza, cidade da minha mulher, que me concedeu o título de cidadão cearense. Quanto às torcidas, elas sempre acham que nós estamos torcendo para o time que está ganhando. Quando se trata de estatística, como “tal time não ganha do outro há tantos anos”, o torcedor acha que você está secando o time dele. Isso leva a pessoa a te dar uma bronca. Mas é uma relação bem prazerosa. Com raríssimas exceções, essas abordagens são sempre muito educadas. É gostoso, mesmo quando é uma crítica. O contato com as pessoas é o maior patrimônio que se pode adquirir além da nossa credibilidade.
Por falar em carnaval, você é um profissional bastante eclético. Transmitiu várias modalidades esportivas, narrou corridas de Fórmula 1 e também é apresentador. De onde vem essa versatilidade?
Verdade, já fiz um montão de eventos nessa vida. Acho que essa versatilidade vem da curiosidade do jornalista. Sempre gostei muito de política, fui apaixonado pelos esportes olímpicos, jogos abertos do interior de São Paulo, fui presidente do Centro Acadêmico da escola de 2º Grau. Tudo isso me fez ser versátil. Depois, quando me tornei narrador, essa característica me ajudou a transmitir várias modalidades esportivas. Já o carnaval foi uma paixão que descobri ainda nos anos 70, com as escolas de samba, que se consolidou depois que comecei a acompanhar mais de perto e a entender os enredos. E isso me levou a transmitir o carnaval do Rio por quase uma década. A Fórmula 1 foi uma paixão tanto na rádio quanto na TV. O vôlei nem se fala. Tive o privilégio de narrar a medalha de ouro do time masculino nos Jogos Olímpicos no Maracanãzinho como também a medalha de ouro na praia de Copacabana. Eu me lembro de, na rádio Cultura de Santos, cobrir a eleição do Colégio Eleitoral que elegeu Tancredo Neves presidente da República do Brasil em 1985. São momentos que te fazem criar uma casca. Acho que essa versatilidade vem dessas valências que fui desenvolvendo ao longo da vida, mas também da curiosidade jornalística que nos move.
Suas transmissões, além de passar emoção, também são divertidas. Esse seu estilo se enquadra ao perfil do jornalismo esportivo atual, onde o esporte é tratado de forma mais leve? Como é a sua preparação para os jogos?
Tivemos uma transformação muito grande nos últimos anos e, realmente, as transmissões foram se adaptando. Para a minha alegria, não só eu como vários outros colegas conseguimos tocar as pessoas e provocar essa mudança para uma linguagem mais solta, com mais empatia. Acho que as transmissões esportivas devem ter um grau de leveza bacana porque a pessoa está ali para se emocionar, se divertir. Ao mesmo tempo, também estamos atentos e preparados para sinalizar e opinar quando é necessário. Gasto muito tempo me preparando para um jogo. Temos de saber tudo. Você usa 3%, 4% do que você tem de preparação. Além disso, tem de falar com os assessores de imprensa, se possível com os treinadores, com os companheiros, repórteres setoristas. É uma atividade intensa mesmo.
A Globo passou por algumas mudanças em seu quadro de colaboradores e muitos o colocam como substituto do Galvão Bueno com a saída do Cleber Machado. Como você lida com isso?
Eu lido com muita serenidade. Acho que a vida tem um ciclo natural. Galvão é uma lenda da televisão brasileira, insubstituível, que vai estar sempre ali como um norte por tudo o que fez na TV. Do meu lado, eu construí uma vida profissional com muita entrega, dedicação e comprometimento. Espero entregar o que as pessoas esperam que seja bacana, divertido e emocionante.
Fazendo um balanço da sua trajetória, quais foram os maiores aprendizados?
Aprendi muito. Não basta ser um bom narrador, mas um jornalista mesmo, um cara da comunicação. Como tocar as pessoas, como lidar com os diferentes públicos, diversos, ecléticos, multifacetados. Além do Pedro (Luiz, narrador), outros me inspiraram, como o Joseval Peixoto, da rádio Jovem Pan. Depois veio uma segunda geração com o Osmar Santos, José Silvério, José Carlos Araújo, Edson Mauro, Jorge Cury, Valdir Amaral, Fiori Gigliotti. Na televisão, Geraldo José de Almeida. Mais para frente, Luciano do Valle e Galvão Bueno foram referências de como se posicionar e se entender com a imagem. A nova geração tem muita gente boa e antenada, ligada com as novas mídias. Ao mesmo tempo, são capazes de entregar uma comunicação de televisão mesmo, porque são veículos distintos. O esporte é movido por alguns alicerces: conhecer regra, regulamento, técnica. E tem de se emocionar. O esporte nos move pela emoção. O sabor de uma conquista é inigualável, como é também a dor da derrota. E o esporte nos ensina a conviver com vitórias e derrotas. Acho que essa é a missão mais legal de quem está na televisão: conversar com milhões e milhões de telespectadores.