Diniz x Bielsa: ideias, visões de jogo e ‘maluquices’ dos técnicos de Brasil e Uruguai


Com estilos e convicções ímpares, treinadores farão duelo à parte nas Eliminatórias da Copa nesta terça-feira em Montevidéu; ambos assumiram suas respectivas seleções há pouco tempo

Por Marcos Antomil
Atualização:

No Estádio Centenário de Montevidéu, um duelo entre camisas de peso do futebol mundial terá parte de seus holofotes voltados para a margem do gramado, onde os técnicos Fernando Diniz e Marcelo Bielsa vão protagonizar um jogo de estratégias para saírem vitoriosos do encontro entre a seleção brasileira e a uruguaia pela quarta rodada das Eliminatórias Sul-Americanas para a Copa do Mundo de 2026, que será disputada nos EUA, México e Canadá.

Se Diniz é definido como um técnico “autoral”, Bielsa também o é. Da velha guarda, o argentino, apelidado de “El loco”, influenciou uma geração de treinadores, entre eles aquele que é apontado como o mais importante do século: Pep Guardiola. A lista de “bielsistas” é longa e antagoniza com o número de taças erguidas pelo técnico em sua carreira.

Bielsa não tem sua sala de troféus recheada. Sua maior conquista foi a medalha de ouro com a seleção olímpica da Argentina em Atenas-2004. Em 33 anos de carreira, são seis títulos conquistados. Suas convicções fizeram do argentino admirado por muitos e temido por outros tantos, especialmente dirigentes. Histórico no Newell’s Old Boys (onde recebeu o apelido de “louco”), ganhou uma homenagem da equipe de Rosário, que batizou seu estádio com o nome do treinador. Com ela, ergueu títulos nacionais e foi vice da Libertadores, sendo derrotado na decisão pelo São Paulo, de Telê Santana, em 1992.

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Bielsa já treinou as seleções da Argentina e do Chile e agora lidera reformulação no Uruguai. Foto: Raul Arboleda/ AFP

Diniz também não é um treinador de muitos títulos - até agora -, mas tem um estilo próprio de montar suas equipes. Ele rompe com o modelo posicional (em que o jogador ocupa e se movimenta dentro de um espaço específico do campo), seguido e aperfeiçoado por discípulos de Bielsa, como Guardiola.

O técnico da seleção brasileira adota o estilo “aposicional”, em que os atletas migram de posição e tentam criar superioridade numérica em determinado setor do campo. Trata-se de um estilo que Diniz afirma ser mais próximo do que o Brasil se convencionou a fazer décadas passadas. “Sobre a ideia de ter protagonismo no jogo, acho que é muito clara (a semelhança com Bielsa), mas entendo que a ideia tática de propor as coisas no jogo não tem muita proximidade”, refletiu Diniz.

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Diniz orienta seus comandados em atividade na véspera do jogo entre Uruguai e Brasil. Foto: Matilde Campodonico/ AP

Audax é para Diniz o que o Newell’s foi para Bielsa

Os mais fanáticos devem lembrar do barulho que Diniz causou com o seu Audax a partir de 2013. O estilo arriscado de saída de bola com toques curtos desde o campo de defesa, mais precisamente a grande área, encantou e tirou o sono de alguns torcedores e rivais, até que o time de Osasco chegasse à final do Paulistão de 2016, diante do Santos. O título não veio, e as portas dos grandes clubes continuaram fechadas para ele por algum tempo. Ele também foi taxado de tudo. No ano seguinte, acabou rebaixado no Estadual e deixou a equipe.

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Em 2018, surgiu a primeira oportunidade de Diniz em um clube de grande calibre, o Athletico-PR. Depois, passou por Fluminense, São Paulo, Santos e Vasco. No clube do Morumbi, quase ganhou o Brasileirão de 2020 e só no Fluminense, novamente, é que pôde reencontrar a boa fase e festejar uma conquista em um torneio com equipes de elite. Ele ergueu a Taça Guanabara, o Campeonato Carioca e agora mira a Libertadores, cuja final a equipe das Laranjeiras disputará, no 4 de novembro, diante do Boca Juniors.

Bielsa e Diniz não têm papas na língua, dentro ou fora de campo

Diniz e Bielsa guardam outras semelhanças: costumam deixar importantes marcas por onde passam, sejam boas ou ruins. Ambos gostam de desenvolver atletas, dentro e fora de campo. Os seguidores do argentino não têm por hábito cultivar aquilo que Bielsa imprime no gramado, mas, sim, sua forma intensa de viver o futebol. “Bielsa é provavelmente a pessoa que mais admiro. Ele é único. Ninguém consegue imitá-lo. Ele é inspirador para mim”, afirmou Guardiola, em 2020, antes de um jogo entre Manchester City e Leeds United, que era comandado pelo argentino.

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Você verá Bielsa algumas vezes agachado à beira do campo, posição em que pode observar melhor a movimentação de pernas de seus atletas. No Leeds, até um balde foi usado para o “conforto” de Bielsa - e depois devidamente tratado publicitariamente e comercializado para torcedores por cerca de R$ 500. Ele se sentava no objeto. Também é comum ver o treinador olhando para o nada a pensar alguma estratégia do jogo ou qualquer outra coisa que passe em sua cabeça.

No Leeds, Bielsa alternava entre ficar de cócoras e se sentar em um balde improvisado. Foto: Molly Darlington/ Reuters
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Já Diniz é um técnico inquieto à beira do gramado e não costuma economizar seus comandados de palavrões e outras frases mais afiadas. Diniz fala e grita. Grita muito. Psicólogo de formação, ele também gosta de entender o lado humano e todo o enredo que molda a vida do jogador. A compreensão do todo dá espaço para cobranças mais ríspidas. As vezes em que falou fora do tom (com ofensas), o treinador foi repreendido e reconheceu o erro, como foi com Tchê Tchê, no São Paulo, em 2021.

Bielsa já fez um B.O. contra ele mesmo

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Arrependimento não é uma palavra que consta no dicionário bielsista. Em 2012, o argentino, enquanto treinava o Athletic Club de Bilbao, da Espanha, foi grosseiro e não poupou de gritos um engenheiro que promovia reformas, atrasadas, no centro de treinamento da equipe basca. Apesar de ter argumentos para a reclamação, Bielsa foi a uma delegacia e protocolou uma autodenúncia por abuso de autoridade. “Eu me comportei como um selvagem. E agi desse modo defendendo o clube da enganação que estavam promovendo”, disse à época.

A linha entre o que é certo e errado na “genialidade louca” de Bielsa é muito tênue. Se entende que o clube não vai pelo caminho que gostaria, o argentino é o primeiro a pedir para sair. Foi assim também no Olympique de Marselha e na Lazio, onde não estreou sequer e deixou o time dois dias após ser anunciado.

No Estádio Centenário de Montevidéu, um duelo entre camisas de peso do futebol mundial terá parte de seus holofotes voltados para a margem do gramado, onde os técnicos Fernando Diniz e Marcelo Bielsa vão protagonizar um jogo de estratégias para saírem vitoriosos do encontro entre a seleção brasileira e a uruguaia pela quarta rodada das Eliminatórias Sul-Americanas para a Copa do Mundo de 2026, que será disputada nos EUA, México e Canadá.

Se Diniz é definido como um técnico “autoral”, Bielsa também o é. Da velha guarda, o argentino, apelidado de “El loco”, influenciou uma geração de treinadores, entre eles aquele que é apontado como o mais importante do século: Pep Guardiola. A lista de “bielsistas” é longa e antagoniza com o número de taças erguidas pelo técnico em sua carreira.

Bielsa não tem sua sala de troféus recheada. Sua maior conquista foi a medalha de ouro com a seleção olímpica da Argentina em Atenas-2004. Em 33 anos de carreira, são seis títulos conquistados. Suas convicções fizeram do argentino admirado por muitos e temido por outros tantos, especialmente dirigentes. Histórico no Newell’s Old Boys (onde recebeu o apelido de “louco”), ganhou uma homenagem da equipe de Rosário, que batizou seu estádio com o nome do treinador. Com ela, ergueu títulos nacionais e foi vice da Libertadores, sendo derrotado na decisão pelo São Paulo, de Telê Santana, em 1992.

Bielsa já treinou as seleções da Argentina e do Chile e agora lidera reformulação no Uruguai. Foto: Raul Arboleda/ AFP

Diniz também não é um treinador de muitos títulos - até agora -, mas tem um estilo próprio de montar suas equipes. Ele rompe com o modelo posicional (em que o jogador ocupa e se movimenta dentro de um espaço específico do campo), seguido e aperfeiçoado por discípulos de Bielsa, como Guardiola.

O técnico da seleção brasileira adota o estilo “aposicional”, em que os atletas migram de posição e tentam criar superioridade numérica em determinado setor do campo. Trata-se de um estilo que Diniz afirma ser mais próximo do que o Brasil se convencionou a fazer décadas passadas. “Sobre a ideia de ter protagonismo no jogo, acho que é muito clara (a semelhança com Bielsa), mas entendo que a ideia tática de propor as coisas no jogo não tem muita proximidade”, refletiu Diniz.

Diniz orienta seus comandados em atividade na véspera do jogo entre Uruguai e Brasil. Foto: Matilde Campodonico/ AP

Audax é para Diniz o que o Newell’s foi para Bielsa

Os mais fanáticos devem lembrar do barulho que Diniz causou com o seu Audax a partir de 2013. O estilo arriscado de saída de bola com toques curtos desde o campo de defesa, mais precisamente a grande área, encantou e tirou o sono de alguns torcedores e rivais, até que o time de Osasco chegasse à final do Paulistão de 2016, diante do Santos. O título não veio, e as portas dos grandes clubes continuaram fechadas para ele por algum tempo. Ele também foi taxado de tudo. No ano seguinte, acabou rebaixado no Estadual e deixou a equipe.

Em 2018, surgiu a primeira oportunidade de Diniz em um clube de grande calibre, o Athletico-PR. Depois, passou por Fluminense, São Paulo, Santos e Vasco. No clube do Morumbi, quase ganhou o Brasileirão de 2020 e só no Fluminense, novamente, é que pôde reencontrar a boa fase e festejar uma conquista em um torneio com equipes de elite. Ele ergueu a Taça Guanabara, o Campeonato Carioca e agora mira a Libertadores, cuja final a equipe das Laranjeiras disputará, no 4 de novembro, diante do Boca Juniors.

Bielsa e Diniz não têm papas na língua, dentro ou fora de campo

Diniz e Bielsa guardam outras semelhanças: costumam deixar importantes marcas por onde passam, sejam boas ou ruins. Ambos gostam de desenvolver atletas, dentro e fora de campo. Os seguidores do argentino não têm por hábito cultivar aquilo que Bielsa imprime no gramado, mas, sim, sua forma intensa de viver o futebol. “Bielsa é provavelmente a pessoa que mais admiro. Ele é único. Ninguém consegue imitá-lo. Ele é inspirador para mim”, afirmou Guardiola, em 2020, antes de um jogo entre Manchester City e Leeds United, que era comandado pelo argentino.

Você verá Bielsa algumas vezes agachado à beira do campo, posição em que pode observar melhor a movimentação de pernas de seus atletas. No Leeds, até um balde foi usado para o “conforto” de Bielsa - e depois devidamente tratado publicitariamente e comercializado para torcedores por cerca de R$ 500. Ele se sentava no objeto. Também é comum ver o treinador olhando para o nada a pensar alguma estratégia do jogo ou qualquer outra coisa que passe em sua cabeça.

No Leeds, Bielsa alternava entre ficar de cócoras e se sentar em um balde improvisado. Foto: Molly Darlington/ Reuters

Já Diniz é um técnico inquieto à beira do gramado e não costuma economizar seus comandados de palavrões e outras frases mais afiadas. Diniz fala e grita. Grita muito. Psicólogo de formação, ele também gosta de entender o lado humano e todo o enredo que molda a vida do jogador. A compreensão do todo dá espaço para cobranças mais ríspidas. As vezes em que falou fora do tom (com ofensas), o treinador foi repreendido e reconheceu o erro, como foi com Tchê Tchê, no São Paulo, em 2021.

Bielsa já fez um B.O. contra ele mesmo

Arrependimento não é uma palavra que consta no dicionário bielsista. Em 2012, o argentino, enquanto treinava o Athletic Club de Bilbao, da Espanha, foi grosseiro e não poupou de gritos um engenheiro que promovia reformas, atrasadas, no centro de treinamento da equipe basca. Apesar de ter argumentos para a reclamação, Bielsa foi a uma delegacia e protocolou uma autodenúncia por abuso de autoridade. “Eu me comportei como um selvagem. E agi desse modo defendendo o clube da enganação que estavam promovendo”, disse à época.

A linha entre o que é certo e errado na “genialidade louca” de Bielsa é muito tênue. Se entende que o clube não vai pelo caminho que gostaria, o argentino é o primeiro a pedir para sair. Foi assim também no Olympique de Marselha e na Lazio, onde não estreou sequer e deixou o time dois dias após ser anunciado.

No Estádio Centenário de Montevidéu, um duelo entre camisas de peso do futebol mundial terá parte de seus holofotes voltados para a margem do gramado, onde os técnicos Fernando Diniz e Marcelo Bielsa vão protagonizar um jogo de estratégias para saírem vitoriosos do encontro entre a seleção brasileira e a uruguaia pela quarta rodada das Eliminatórias Sul-Americanas para a Copa do Mundo de 2026, que será disputada nos EUA, México e Canadá.

Se Diniz é definido como um técnico “autoral”, Bielsa também o é. Da velha guarda, o argentino, apelidado de “El loco”, influenciou uma geração de treinadores, entre eles aquele que é apontado como o mais importante do século: Pep Guardiola. A lista de “bielsistas” é longa e antagoniza com o número de taças erguidas pelo técnico em sua carreira.

Bielsa não tem sua sala de troféus recheada. Sua maior conquista foi a medalha de ouro com a seleção olímpica da Argentina em Atenas-2004. Em 33 anos de carreira, são seis títulos conquistados. Suas convicções fizeram do argentino admirado por muitos e temido por outros tantos, especialmente dirigentes. Histórico no Newell’s Old Boys (onde recebeu o apelido de “louco”), ganhou uma homenagem da equipe de Rosário, que batizou seu estádio com o nome do treinador. Com ela, ergueu títulos nacionais e foi vice da Libertadores, sendo derrotado na decisão pelo São Paulo, de Telê Santana, em 1992.

Bielsa já treinou as seleções da Argentina e do Chile e agora lidera reformulação no Uruguai. Foto: Raul Arboleda/ AFP

Diniz também não é um treinador de muitos títulos - até agora -, mas tem um estilo próprio de montar suas equipes. Ele rompe com o modelo posicional (em que o jogador ocupa e se movimenta dentro de um espaço específico do campo), seguido e aperfeiçoado por discípulos de Bielsa, como Guardiola.

O técnico da seleção brasileira adota o estilo “aposicional”, em que os atletas migram de posição e tentam criar superioridade numérica em determinado setor do campo. Trata-se de um estilo que Diniz afirma ser mais próximo do que o Brasil se convencionou a fazer décadas passadas. “Sobre a ideia de ter protagonismo no jogo, acho que é muito clara (a semelhança com Bielsa), mas entendo que a ideia tática de propor as coisas no jogo não tem muita proximidade”, refletiu Diniz.

Diniz orienta seus comandados em atividade na véspera do jogo entre Uruguai e Brasil. Foto: Matilde Campodonico/ AP

Audax é para Diniz o que o Newell’s foi para Bielsa

Os mais fanáticos devem lembrar do barulho que Diniz causou com o seu Audax a partir de 2013. O estilo arriscado de saída de bola com toques curtos desde o campo de defesa, mais precisamente a grande área, encantou e tirou o sono de alguns torcedores e rivais, até que o time de Osasco chegasse à final do Paulistão de 2016, diante do Santos. O título não veio, e as portas dos grandes clubes continuaram fechadas para ele por algum tempo. Ele também foi taxado de tudo. No ano seguinte, acabou rebaixado no Estadual e deixou a equipe.

Em 2018, surgiu a primeira oportunidade de Diniz em um clube de grande calibre, o Athletico-PR. Depois, passou por Fluminense, São Paulo, Santos e Vasco. No clube do Morumbi, quase ganhou o Brasileirão de 2020 e só no Fluminense, novamente, é que pôde reencontrar a boa fase e festejar uma conquista em um torneio com equipes de elite. Ele ergueu a Taça Guanabara, o Campeonato Carioca e agora mira a Libertadores, cuja final a equipe das Laranjeiras disputará, no 4 de novembro, diante do Boca Juniors.

Bielsa e Diniz não têm papas na língua, dentro ou fora de campo

Diniz e Bielsa guardam outras semelhanças: costumam deixar importantes marcas por onde passam, sejam boas ou ruins. Ambos gostam de desenvolver atletas, dentro e fora de campo. Os seguidores do argentino não têm por hábito cultivar aquilo que Bielsa imprime no gramado, mas, sim, sua forma intensa de viver o futebol. “Bielsa é provavelmente a pessoa que mais admiro. Ele é único. Ninguém consegue imitá-lo. Ele é inspirador para mim”, afirmou Guardiola, em 2020, antes de um jogo entre Manchester City e Leeds United, que era comandado pelo argentino.

Você verá Bielsa algumas vezes agachado à beira do campo, posição em que pode observar melhor a movimentação de pernas de seus atletas. No Leeds, até um balde foi usado para o “conforto” de Bielsa - e depois devidamente tratado publicitariamente e comercializado para torcedores por cerca de R$ 500. Ele se sentava no objeto. Também é comum ver o treinador olhando para o nada a pensar alguma estratégia do jogo ou qualquer outra coisa que passe em sua cabeça.

No Leeds, Bielsa alternava entre ficar de cócoras e se sentar em um balde improvisado. Foto: Molly Darlington/ Reuters

Já Diniz é um técnico inquieto à beira do gramado e não costuma economizar seus comandados de palavrões e outras frases mais afiadas. Diniz fala e grita. Grita muito. Psicólogo de formação, ele também gosta de entender o lado humano e todo o enredo que molda a vida do jogador. A compreensão do todo dá espaço para cobranças mais ríspidas. As vezes em que falou fora do tom (com ofensas), o treinador foi repreendido e reconheceu o erro, como foi com Tchê Tchê, no São Paulo, em 2021.

Bielsa já fez um B.O. contra ele mesmo

Arrependimento não é uma palavra que consta no dicionário bielsista. Em 2012, o argentino, enquanto treinava o Athletic Club de Bilbao, da Espanha, foi grosseiro e não poupou de gritos um engenheiro que promovia reformas, atrasadas, no centro de treinamento da equipe basca. Apesar de ter argumentos para a reclamação, Bielsa foi a uma delegacia e protocolou uma autodenúncia por abuso de autoridade. “Eu me comportei como um selvagem. E agi desse modo defendendo o clube da enganação que estavam promovendo”, disse à época.

A linha entre o que é certo e errado na “genialidade louca” de Bielsa é muito tênue. Se entende que o clube não vai pelo caminho que gostaria, o argentino é o primeiro a pedir para sair. Foi assim também no Olympique de Marselha e na Lazio, onde não estreou sequer e deixou o time dois dias após ser anunciado.

No Estádio Centenário de Montevidéu, um duelo entre camisas de peso do futebol mundial terá parte de seus holofotes voltados para a margem do gramado, onde os técnicos Fernando Diniz e Marcelo Bielsa vão protagonizar um jogo de estratégias para saírem vitoriosos do encontro entre a seleção brasileira e a uruguaia pela quarta rodada das Eliminatórias Sul-Americanas para a Copa do Mundo de 2026, que será disputada nos EUA, México e Canadá.

Se Diniz é definido como um técnico “autoral”, Bielsa também o é. Da velha guarda, o argentino, apelidado de “El loco”, influenciou uma geração de treinadores, entre eles aquele que é apontado como o mais importante do século: Pep Guardiola. A lista de “bielsistas” é longa e antagoniza com o número de taças erguidas pelo técnico em sua carreira.

Bielsa não tem sua sala de troféus recheada. Sua maior conquista foi a medalha de ouro com a seleção olímpica da Argentina em Atenas-2004. Em 33 anos de carreira, são seis títulos conquistados. Suas convicções fizeram do argentino admirado por muitos e temido por outros tantos, especialmente dirigentes. Histórico no Newell’s Old Boys (onde recebeu o apelido de “louco”), ganhou uma homenagem da equipe de Rosário, que batizou seu estádio com o nome do treinador. Com ela, ergueu títulos nacionais e foi vice da Libertadores, sendo derrotado na decisão pelo São Paulo, de Telê Santana, em 1992.

Bielsa já treinou as seleções da Argentina e do Chile e agora lidera reformulação no Uruguai. Foto: Raul Arboleda/ AFP

Diniz também não é um treinador de muitos títulos - até agora -, mas tem um estilo próprio de montar suas equipes. Ele rompe com o modelo posicional (em que o jogador ocupa e se movimenta dentro de um espaço específico do campo), seguido e aperfeiçoado por discípulos de Bielsa, como Guardiola.

O técnico da seleção brasileira adota o estilo “aposicional”, em que os atletas migram de posição e tentam criar superioridade numérica em determinado setor do campo. Trata-se de um estilo que Diniz afirma ser mais próximo do que o Brasil se convencionou a fazer décadas passadas. “Sobre a ideia de ter protagonismo no jogo, acho que é muito clara (a semelhança com Bielsa), mas entendo que a ideia tática de propor as coisas no jogo não tem muita proximidade”, refletiu Diniz.

Diniz orienta seus comandados em atividade na véspera do jogo entre Uruguai e Brasil. Foto: Matilde Campodonico/ AP

Audax é para Diniz o que o Newell’s foi para Bielsa

Os mais fanáticos devem lembrar do barulho que Diniz causou com o seu Audax a partir de 2013. O estilo arriscado de saída de bola com toques curtos desde o campo de defesa, mais precisamente a grande área, encantou e tirou o sono de alguns torcedores e rivais, até que o time de Osasco chegasse à final do Paulistão de 2016, diante do Santos. O título não veio, e as portas dos grandes clubes continuaram fechadas para ele por algum tempo. Ele também foi taxado de tudo. No ano seguinte, acabou rebaixado no Estadual e deixou a equipe.

Em 2018, surgiu a primeira oportunidade de Diniz em um clube de grande calibre, o Athletico-PR. Depois, passou por Fluminense, São Paulo, Santos e Vasco. No clube do Morumbi, quase ganhou o Brasileirão de 2020 e só no Fluminense, novamente, é que pôde reencontrar a boa fase e festejar uma conquista em um torneio com equipes de elite. Ele ergueu a Taça Guanabara, o Campeonato Carioca e agora mira a Libertadores, cuja final a equipe das Laranjeiras disputará, no 4 de novembro, diante do Boca Juniors.

Bielsa e Diniz não têm papas na língua, dentro ou fora de campo

Diniz e Bielsa guardam outras semelhanças: costumam deixar importantes marcas por onde passam, sejam boas ou ruins. Ambos gostam de desenvolver atletas, dentro e fora de campo. Os seguidores do argentino não têm por hábito cultivar aquilo que Bielsa imprime no gramado, mas, sim, sua forma intensa de viver o futebol. “Bielsa é provavelmente a pessoa que mais admiro. Ele é único. Ninguém consegue imitá-lo. Ele é inspirador para mim”, afirmou Guardiola, em 2020, antes de um jogo entre Manchester City e Leeds United, que era comandado pelo argentino.

Você verá Bielsa algumas vezes agachado à beira do campo, posição em que pode observar melhor a movimentação de pernas de seus atletas. No Leeds, até um balde foi usado para o “conforto” de Bielsa - e depois devidamente tratado publicitariamente e comercializado para torcedores por cerca de R$ 500. Ele se sentava no objeto. Também é comum ver o treinador olhando para o nada a pensar alguma estratégia do jogo ou qualquer outra coisa que passe em sua cabeça.

No Leeds, Bielsa alternava entre ficar de cócoras e se sentar em um balde improvisado. Foto: Molly Darlington/ Reuters

Já Diniz é um técnico inquieto à beira do gramado e não costuma economizar seus comandados de palavrões e outras frases mais afiadas. Diniz fala e grita. Grita muito. Psicólogo de formação, ele também gosta de entender o lado humano e todo o enredo que molda a vida do jogador. A compreensão do todo dá espaço para cobranças mais ríspidas. As vezes em que falou fora do tom (com ofensas), o treinador foi repreendido e reconheceu o erro, como foi com Tchê Tchê, no São Paulo, em 2021.

Bielsa já fez um B.O. contra ele mesmo

Arrependimento não é uma palavra que consta no dicionário bielsista. Em 2012, o argentino, enquanto treinava o Athletic Club de Bilbao, da Espanha, foi grosseiro e não poupou de gritos um engenheiro que promovia reformas, atrasadas, no centro de treinamento da equipe basca. Apesar de ter argumentos para a reclamação, Bielsa foi a uma delegacia e protocolou uma autodenúncia por abuso de autoridade. “Eu me comportei como um selvagem. E agi desse modo defendendo o clube da enganação que estavam promovendo”, disse à época.

A linha entre o que é certo e errado na “genialidade louca” de Bielsa é muito tênue. Se entende que o clube não vai pelo caminho que gostaria, o argentino é o primeiro a pedir para sair. Foi assim também no Olympique de Marselha e na Lazio, onde não estreou sequer e deixou o time dois dias após ser anunciado.

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