THE NEW YORK TIMES - Ian Graham não é exatamente o que se espera de um revolucionário. Tem um ar meio acadêmico: genial, perspicaz, um pouco amarrotado. Não é um vendedor nato. Não gosta muito de dar entrevistas. A cada dez minutos, mais ou menos, ele permite que um senso de humor travesso e exagerado o domine. Sente que isso faz com que suas aparições na imprensa sejam um risco.
É difícil negar, porém, que ele seja um rebelde muito bem-sucedido. Vinte anos atrás, ele foi um dos primeiros a explorar a ideia de que o futebol poderia ter uma compreensão melhor de si mesmo examinando as vastas quantidades de dados produzidos por cada jogador a cada jogo. Ele não foi o pioneiro do campo da análise no futebol, mas ajudou a promover sua existência.
Depois, ao longo de uma década no Liverpool, Ian Graham foi a prova de conceito dessa ideia. Construiu do zero um departamento de dados que passou a ser considerado um dos mais sofisticados do futebol. Seus sistemas, seus métodos e suas ideias transformaram em farol de inovação um clube que desde muito era um gigante à deriva e em declínio.
Existem duas maneiras de avaliar sua influência. A mais simples é o padrão do futebol: títulos. Em sua passagem pelo Liverpool, o clube se sagrou campeão da Inglaterra - pela primeira vez em trinta anos -, da Europa e do mundo. Chegou à final da Champions League, o maior jogo do esporte, três vezes em cinco temporadas.
Mas a melhor maneira talvez seja o rastro que ele deixou, e não o caminho que ele abriu. Quando Graham entrou no Liverpool em 2012, o fato de uma equipe de elite empregar um cientista de verdade - ele tem doutorado em física de polímeros, mas só usa o título honorífico para fazer piada - era visto como estranho ou absurdo.
Um acadêmico olhado com desprezo
O futebol há muito resiste aos outsiders, aqueles que não se estabeleceram no esporte como jogadores ou treinadores. Os insiders viam os acadêmicos com um certo desprezo. O esporte ainda se considerava dinâmico demais, fluido demais, poético demais para ser reduzido à mundanidade dos números. A ideia de um departamento de dados ainda era uma novidade.
Quando Graham deixou o Liverpool no início deste ano, porém, esse tipo de departamento já estava mais perto da necessidade. É consenso que qualquer clube que queira competir nas principais ligas do continente deve consultar os dados ao contratar novos jogadores e avaliar seu desempenho.
Quase todas as grandes equipes da Europa têm um departamento de dados, cada vez mais com alguém com formação científica. Graham talvez fosse perdoado se pensasse que a revolução que ajudou a desencadear estava completa. Mas, para ele, tudo está só começando.
Gravidade
Na opinião de Ian Graham, existem duas razões pelas quais o futebol é mais complexo do que a física teórica. A primeira é que a “ciência dura” - palavras suas - tem a vantagem de estar sujeita a um conjunto de regras incontestáveis. As leis da física são inegociáveis. As partículas se comportam de maneira previsível. Não é o caso do futebol. “Na física, não é preciso levar em conta que a gravidade funciona de um jeito um pouco diferente na Alemanha”, disse ele.
A segunda é que os esportes de elite não proporcionam o “enorme luxo” da experimentação controlada. O futebol europeu não funciona em condições laboratoriais estéreis. Não há como formular, testar e modificar uma hipótese. “É muito emocional, muito reativo”, disse Graham. Torcedores e executivos exigem resultados instantâneos. O futuro a longo prazo se estende por umas seis semanas, no máximo. A única coisa que ninguém tem no futebol é tempo.
Ele atribui muito de seu sucesso no Liverpool ao fato de que tinha tempo. Este foi, disse ele, o ingrediente-chave do “molho especial” que o clube desenvolveu. “A primeira coisa que disse aos proprietários foi que eles não deveriam esperar notícias minhas durante seis meses”, disse. “Era o tempo que levaria para construir todas as estruturas de que precisávamos. Cada vez que surgia algo mais urgente, conseguíamos contratar outra pessoa para fazer o trabalho”.
O fato de pouquíssimos times terem esse privilégio limita a capacidade do futebol de aproveitar ao máximo os grandes avanços da análise de dados nos últimos anos. Até mesmo Brighton e Brentford - os dois clubes ingleses que agora são herdeiros de ponta do Liverpool, com ascensões meteóricas à Premier League graças aos dados - precisam correr atrás de um campo que evolui a uma velocidade vertiginosa.
“Se você observar o que estão fazendo fora do esporte, vai ver que as pessoas que têm tempo para experimentar muitas vezes estão lá na frente”, disse Graham. “As ferramentas disponíveis, a tecnologia, os dados estão muito melhores agora. Se você começasse a construir um sistema hoje, teria uma linha de base muito mais alta. Dentro de um clube você precisa parar de se desenvolver em determinado nível. Tem tanto trabalho diário que não sobra tempo para a pesquisa”.
Dados sigilosos
Este não é o único fator limitante. Os clubes operam como silos separados: o trabalho que realizam com os dados é, em grande parte, sigiloso. Que as equipes não partilhem conhecimentos ou divulguem boas práticas faz todo o sentido no nível do esporte. Mas, do ponto de vista científico, é antitético e acaba diminuindo a escala do potencial impacto dos dados.
As equipes que não tiveram a visão de serem as primeiras a adotar a análise de dados hoje estão, calcula Graham, “dez anos atrás” de Liverpool, Brighton e Brentford. Aquelas que tinham o apetite, mas não os recursos, também estão fora do jogo. “Os clubes que mais poderiam se beneficiar muitas vezes não têm condições de fazê-lo, ou pelo menos fazê-lo do jeito certo”, disse.
Já se passou quase um ano desde que Graham, hoje aos 45 anos, informou ao Liverpool que seu papel ali tinha chegado “a um fim natural”. Trabalhar no clube para que ele torcia quando criança era o “emprego dos sonhos”, disse. Mas ele sentia que tinha conquistado tudo o que podia. Ele sabia que, pelo menos no ambiente profissional, não conseguiria recomeçar do zero.
Quando a notícia de sua saída veio a público, ele recebeu uma enxurrada de ofertas de outros times, todos esperando que pudesse fazer por eles o que ele havia feito pelo Liverpool. Graham não gostou da ideia. Os sistemas que ele projetara para o Liverpool agora eram propriedade intelectual do clube, e ele não queria construir algo para outra pessoa. “Senti que já tinha passado por isso”, disse. “Teria sido uma loucura trabalhar de novo só para um clube”.
Em vez disso, ele decidiu ajudar o futebol como um todo a ficar um pouco mais inteligente.
Ludonautics
Nos últimos meses, Graham se reuniu com uma sucessão de proprietários e potenciais proprietários de times de futebol. Eles são - em grande parte, embora não exclusivamente - americanos extremamente ricos, muitas vezes executivos de empresas de capital privado e capital de risco, todos ansiosos por adquirir os serviços da Ludonautics, a empresa que ele fundou depois de deixar o Liverpool, para os clubes que compraram ou que querem comprar seu trabalho.
O apelo é óbvio. Em um esporte sempre carente de tempo, a Ludonautics dá a sensação de um atalho. O currículo de Graham é impressionante. O mesmo vale para Michael Edwards, o festejado diretor esportivo avesso à publicidade que trabalhou com ele no Liverpool e que agora é “consultor esportivo” da empresa.
A ideia, porém, não é que eles possam repetir o sucesso que tiveram no Liverpool: é que eles possam expandi-lo. Graham não precisa mais trabalhar sob as restrições e exigências de uma equipe. Em vez disso, pode usar toda a gama de tecnologia moderna à sua disposição para construir algo novo, algo melhor, e impulsionar o próximo grande salto do futebol.
Atrás do ‘Santo Graal’ do futebol
Com o tempo, disse ele, a iniciativa talvez lhe possibilite chegar ao que ele considera ser o ‘Santo Graal’ da análise de dados: avaliar a verdadeira importância de um treinador. “É muito complicado”, disse. “É uma coisa que tende a ser confundida com quem tem os melhores jogadores, o melhor time. Existem muitos efeitos de segunda ordem. É muito difícil saber exatamente se um técnico é bom de verdade e que tipo de impacto ele tem nos resultados”.
O que mais o impressionou em seus encontros recentes é o pouco que o futebol ainda sabe sobre si mesmo. Não é apenas que coisas complexas - quanto do desempenho de uma equipe pode ser atribuído à sorte, quanto o clube está gastando por cada ponto ganho - continuem sendo um mistério. Os blocos de construção mais simples também são misteriosos.
O mais premente é que, em muitos casos, as equipes não sabem o que deve ser considerado sucesso. A Ludonautics viu prospectos de venda de times em que os valores dos elencos eram pouco mais do que estimativas abstratas. É mais do que um mero truque de venda, disse Graham: tem um efeito tangível e prejudicial.
“Em termos de desempenho, muitas vezes eles não têm uma forma sistemática de saber quem são e onde estão”, disse. “Eles não têm noção da força da equipe. Sem isso, como saber onde deveriam chegar? Como saber se chegar em quinto lugar é bom ou ruim? E como você responsabiliza as pessoas?”
Para ele, as respostas são do interesse do futebol como um todo: quanto mais equipes conhecerem tanto as coisas simples quanto as complexas, melhor será o esporte. “Tem uma citação de John Keats sobre o fato de Isaac Newton usar o prisma para explicar as cores do arco-íris”, disse Graham. “Mas saber por que o arco-íris acontece não o deixa menos bonito”.
Este artigo foi originalmente publicado no New York Times. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU