Lei ou excesso? Notificação de time de futebol a pequena empresa suscita debate sobre uso de imagem


Empreendedora que vende topos de bolo e papeis de arroz deve pagar R$ 1,8 mil em indenização após notificação do Bahia; licenciamento pode ser opção para empresas que querem trabalhar com marcas sem ferir lei que protege o direito de imagem

Por Ingrid Gonzaga

O caso da confeiteira Patrícia França, que foi notificada pelo Vitória, por meio da empresa NoFake, após produzir um bolo com a imagem do clube incentivou a aparição de denúncias sobre outros casos semelhantes. Entre eles, a situação de Luciana Costa, que trabalha com venda de papeis de arroz e topos de bolo, chamou a atenção.

A empreendedora foi notificada por um escritório de advocacia que representa, entre outros clubes, o Bahia, e agora paga R$ 1,8 mil em um acordo firmado com a Bianchini Advogados. Em suas redes sociais e em um site, Luciana anunciava a venda de produtos com a imagem de diversos times.

Apesar de trabalhar em Uberlândia, em Minas Gerais, e de ter seu público concentrado nesta região, a mulher, que criou uma pequena empresa para realizar seus serviços, também vendia produtos para outros locais. Nos anúncios, dizia ainda que fazia vendas no atacado e no varejo.

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Produtos de Luciana continham a marca do Bahia e de outros clubes Foto: Acervo Pessoal/Luciana Costa

Por conta disso, o escritório, que representa também Corinthians, Santos e São Paulo, considera que Luciana confeccionou os produtos com “fins eminentemente econômicos”. “Os anúncios faziam menção à venda do produto contrafeito, na modalidade ‘atacado’, inclusive. Esse ‘detalhe’ descaracteriza a fabricação artesanal de um produto”, escreveu, em nota ao Estadão.

Luciana, porém, apesar de entender que não poderia usar o escudo dos clubes em seus produtos, afirma que não sabia da gravidade das consequências. “Eu não entendo de lei. Para mim são coisas artesanais, eles nem ficariam seguindo isso. Não imaginava que uma coisa tão pequena fosse tão criminosa”, conta à reportagem.

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“A gente não trabalha em larga escala, não tenho uma indústria de produtos pirateados, é tudo muito caseiro. Meu atacado é caixa com 50 flores, com 100 borboletinhas. Isso para mim é venda no atacado. Não movimento milhões com marcas de clubes”, diz a empreendedora.

A situação levantou questões sobre o licenciamento dos times e ainda sobre a utilização de imagem de uma marca como uma equipe de futebol. Existe limite para uso de símbolos dos clubes?

Entenda o caso

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“A empresária Luciana Aparecida foi inicialmente notificada pelo nosso escritório em 2023, quando foi detectada a venda de produtos não licenciados, os quais ostentavam as marcas de dois clubes de futebol”, explica o Bianchini Advogados.

Os dois times em questão eram Santos e Corinthians, representados pelo escritório. Segundo Luciana, foram enviadas duas notificações extrajudiciais a ela e, por conta disso, retirou os produtos que continham os escudos de ambos os clubes de sua loja online. No entanto, continuou a vender de outras equipes.

“Na ocasião em que foi notificada, nosso escritório esclareceu que a venda de produtos não licenciados é irregular, sendo direito do dono da marca protestar pela defesa dos seus interesses. Porém, em 2024, verificamos que as irregularidades continuavam”, diz a nota dos advogados.

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Foi quando o mesmo escritório a notificou pela terceira vez, por conta do Bahia. “Eles já me mandaram um e-mail solicitando um pagamento de multa. A multa inicial deles era de R$ 7 mil, eu falei que não tinha condição. Então o acordo fechou em R$ 1,8 mil parcelado em 10 vezes”, explica a empreendedora.

Logo após a última notificação, Luciana retirou os produtos de todos os outros times de suas páginas. Ela diz que compreende porque foi notificada, mas que não concorda com a forma como a atitude foi feita. “Só fiquei chateada com isso. Não foi por eles acharem que eu estava usando a marca deles indevidamente. Existe a lei, tudo bem, vamos cumprir. Mas foi esse escritório não ter feito um pacote completo”.

Ela alega que os advogados poderiam ter exigido a retirada de todos os produtos já na primeira notificação, em vez de chegar ao nível de ser considerado reincidência.

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O que diz a lei?

“A proteção da marca está não somente de acordo com a lei, mas também com a Constituição Federal”, explica ao Estadão Antônio Carlos Morato, doutor e mestre em direito civil pela Universidade de São Paulo, onde é professor associado. “Como tal, em um primeiro momento sempre exige autorização para seu uso”.

O docente indica ainda que “não há distinção imediata entre aquele que lesa e o que é lesado em razão de seu porte econômico”, portanto, pequenas e grandes empresas estão sujeitas a uma notificação. “Em regra, boa parte das empresas e dos escritórios que as representam toleram usos inexpressivos economicamente (como o próprio caso dos bolos em que são utilizados as marcas dos clubes), mas isso não significa que o direito não exista”.

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O que pode existir, porém, é uma adequação do valor exigido pela marca lesada de acordo com a condição daquele que lesa. “Com base no Código Civil, o juiz pode reduzir equitativamente (ou seja, com base na Justiça) o valor da indenização, mas isso não significa que o juiz isentará alguém de responsabilidade pelo fato deste ter menor potencial econômico”, diz.

Luciana alega que seu faturamento por mês é baixo, e por isso não poderia pagar mais do que R$ 200 em parcelas. “Foi um prejuízo grande. Meu ganho hoje é pouco mais de um salário, meu rendimento é muito pouco”.

O que pode ser feito

Uma das opções para que mesmo pequenas empresas possam utilizar a imagem de grandes clubes é o licenciamento. “O licenciamento de novos parceiros sempre é uma possibilidade, pois os clubes possuem interesse em firmar cada vez mais parcerias”, explica a nota do escritório de advocacia. “Produtos licenciados recebem ‘selo de autenticidade’. Geram empregos formais e alimentam a cadeia de comércio legal. Além disso, geram royalties para os donos da marca”.

Segundo Morato, o artigo 130 da Lei de Propriedade Industrial, além de permitir ao dono de uma marca zelar pela sua integridade material ou reputação, abre a possibilidade de seu licenciamento. “Ao licenciar uma marca, há certa liberdade ao fixar o valor para utilizá-la, que pode envolver milhões de reais ou um valor economicamente reduzido, mas que pode ser alto para os padrões de um pequeno empreendedor”.

Luciana concorda que os valores são altos. Ela conta que, há anos, tentou o licenciamento do Corinthians. No entanto, segundo ela, o preço era de R$ 60 mil ao ano, dividido em parcelas de R$ 5 mil. “É muito caro, e você tem que negociar com um por um. Você teria que ter uma indústria para poder fazer os licenciamentos. Como vende um topo de bolo por R$ 5? Quantos topos você tem que vender para pagar uma prestação de R$ 5 mil? É indústria que faz isso”, indaga.

O Bahia, por meio da nota do escritório, informa à reportagem que “a parceria depende de alguns fatores, tais como investimento inicial, tipo de produto fabricado/comercializado, se já há parceiros que produzem o referido produto de forma exclusiva, qualidade do produto, dentre outros”. É uma preocupação, segundo eles, de garantir a qualidade dos produtos licenciados.

De acordo com o clube, qualquer empresa pode procurá-lo para tentar licenciar seus produtos. As informações exigidas são a descrição da empresa, incluindo tempo de mercado e portfólio de produtos, e o detalhamento dos produtos que deseja licenciar.

Também é indicado que a instrução é, sobretudo, para empresas que comercializam produtos em maiores quantidades. “Importante esclarecer que os clubes de futebol não têm interesse em prejudicar o pequeno artesão ou artesã, que fabrica um ou outro produto de forma esporádica, ou mesmo aquele torcedor ou torcedora que confecciona um bolo para comemorar o aniversário, por exemplo, de um filho, um sobrinho, um amigo ou outro ente querido”, reafirma. “Sabemos que o amor do torcedor é que faz um time de verdade. O torcedor é a ‘alma’ do time”.

Procurado, o Corinthians também informou o processo para conseguir o licenciamento de produtos do clube. Após uma reunião com a empresa interessada, o Corinthians solicita amostras dos produtos a serem licenciados. Depois, as partes acordam uma proposta comercial que indica uma projeção de vendas, além de tempo de contrato, garantia mínima , royalties e descrição dos produtos a serem licenciados. Com tudo acertado, os documentos da empresa vão para a análise e pode ocorrer, enfim, um contrato.

Luciana, no entanto, indica que não procurará mais as equipes esportivas e nem produzirá mais qualquer produto relacionado a futebol ou de demais marcas sem licenciamento. “Pessoas que trabalham assim, mudem de rumo. Hoje foi comigo, amanhã pode ser com elas, e a maioria não acredita que aconteceu. Pode acontecer”, aconselha.

O caso da confeiteira Patrícia França, que foi notificada pelo Vitória, por meio da empresa NoFake, após produzir um bolo com a imagem do clube incentivou a aparição de denúncias sobre outros casos semelhantes. Entre eles, a situação de Luciana Costa, que trabalha com venda de papeis de arroz e topos de bolo, chamou a atenção.

A empreendedora foi notificada por um escritório de advocacia que representa, entre outros clubes, o Bahia, e agora paga R$ 1,8 mil em um acordo firmado com a Bianchini Advogados. Em suas redes sociais e em um site, Luciana anunciava a venda de produtos com a imagem de diversos times.

Apesar de trabalhar em Uberlândia, em Minas Gerais, e de ter seu público concentrado nesta região, a mulher, que criou uma pequena empresa para realizar seus serviços, também vendia produtos para outros locais. Nos anúncios, dizia ainda que fazia vendas no atacado e no varejo.

Produtos de Luciana continham a marca do Bahia e de outros clubes Foto: Acervo Pessoal/Luciana Costa

Por conta disso, o escritório, que representa também Corinthians, Santos e São Paulo, considera que Luciana confeccionou os produtos com “fins eminentemente econômicos”. “Os anúncios faziam menção à venda do produto contrafeito, na modalidade ‘atacado’, inclusive. Esse ‘detalhe’ descaracteriza a fabricação artesanal de um produto”, escreveu, em nota ao Estadão.

Luciana, porém, apesar de entender que não poderia usar o escudo dos clubes em seus produtos, afirma que não sabia da gravidade das consequências. “Eu não entendo de lei. Para mim são coisas artesanais, eles nem ficariam seguindo isso. Não imaginava que uma coisa tão pequena fosse tão criminosa”, conta à reportagem.

“A gente não trabalha em larga escala, não tenho uma indústria de produtos pirateados, é tudo muito caseiro. Meu atacado é caixa com 50 flores, com 100 borboletinhas. Isso para mim é venda no atacado. Não movimento milhões com marcas de clubes”, diz a empreendedora.

A situação levantou questões sobre o licenciamento dos times e ainda sobre a utilização de imagem de uma marca como uma equipe de futebol. Existe limite para uso de símbolos dos clubes?

Entenda o caso

“A empresária Luciana Aparecida foi inicialmente notificada pelo nosso escritório em 2023, quando foi detectada a venda de produtos não licenciados, os quais ostentavam as marcas de dois clubes de futebol”, explica o Bianchini Advogados.

Os dois times em questão eram Santos e Corinthians, representados pelo escritório. Segundo Luciana, foram enviadas duas notificações extrajudiciais a ela e, por conta disso, retirou os produtos que continham os escudos de ambos os clubes de sua loja online. No entanto, continuou a vender de outras equipes.

“Na ocasião em que foi notificada, nosso escritório esclareceu que a venda de produtos não licenciados é irregular, sendo direito do dono da marca protestar pela defesa dos seus interesses. Porém, em 2024, verificamos que as irregularidades continuavam”, diz a nota dos advogados.

Foi quando o mesmo escritório a notificou pela terceira vez, por conta do Bahia. “Eles já me mandaram um e-mail solicitando um pagamento de multa. A multa inicial deles era de R$ 7 mil, eu falei que não tinha condição. Então o acordo fechou em R$ 1,8 mil parcelado em 10 vezes”, explica a empreendedora.

Logo após a última notificação, Luciana retirou os produtos de todos os outros times de suas páginas. Ela diz que compreende porque foi notificada, mas que não concorda com a forma como a atitude foi feita. “Só fiquei chateada com isso. Não foi por eles acharem que eu estava usando a marca deles indevidamente. Existe a lei, tudo bem, vamos cumprir. Mas foi esse escritório não ter feito um pacote completo”.

Ela alega que os advogados poderiam ter exigido a retirada de todos os produtos já na primeira notificação, em vez de chegar ao nível de ser considerado reincidência.

O que diz a lei?

“A proteção da marca está não somente de acordo com a lei, mas também com a Constituição Federal”, explica ao Estadão Antônio Carlos Morato, doutor e mestre em direito civil pela Universidade de São Paulo, onde é professor associado. “Como tal, em um primeiro momento sempre exige autorização para seu uso”.

O docente indica ainda que “não há distinção imediata entre aquele que lesa e o que é lesado em razão de seu porte econômico”, portanto, pequenas e grandes empresas estão sujeitas a uma notificação. “Em regra, boa parte das empresas e dos escritórios que as representam toleram usos inexpressivos economicamente (como o próprio caso dos bolos em que são utilizados as marcas dos clubes), mas isso não significa que o direito não exista”.

O que pode existir, porém, é uma adequação do valor exigido pela marca lesada de acordo com a condição daquele que lesa. “Com base no Código Civil, o juiz pode reduzir equitativamente (ou seja, com base na Justiça) o valor da indenização, mas isso não significa que o juiz isentará alguém de responsabilidade pelo fato deste ter menor potencial econômico”, diz.

Luciana alega que seu faturamento por mês é baixo, e por isso não poderia pagar mais do que R$ 200 em parcelas. “Foi um prejuízo grande. Meu ganho hoje é pouco mais de um salário, meu rendimento é muito pouco”.

O que pode ser feito

Uma das opções para que mesmo pequenas empresas possam utilizar a imagem de grandes clubes é o licenciamento. “O licenciamento de novos parceiros sempre é uma possibilidade, pois os clubes possuem interesse em firmar cada vez mais parcerias”, explica a nota do escritório de advocacia. “Produtos licenciados recebem ‘selo de autenticidade’. Geram empregos formais e alimentam a cadeia de comércio legal. Além disso, geram royalties para os donos da marca”.

Segundo Morato, o artigo 130 da Lei de Propriedade Industrial, além de permitir ao dono de uma marca zelar pela sua integridade material ou reputação, abre a possibilidade de seu licenciamento. “Ao licenciar uma marca, há certa liberdade ao fixar o valor para utilizá-la, que pode envolver milhões de reais ou um valor economicamente reduzido, mas que pode ser alto para os padrões de um pequeno empreendedor”.

Luciana concorda que os valores são altos. Ela conta que, há anos, tentou o licenciamento do Corinthians. No entanto, segundo ela, o preço era de R$ 60 mil ao ano, dividido em parcelas de R$ 5 mil. “É muito caro, e você tem que negociar com um por um. Você teria que ter uma indústria para poder fazer os licenciamentos. Como vende um topo de bolo por R$ 5? Quantos topos você tem que vender para pagar uma prestação de R$ 5 mil? É indústria que faz isso”, indaga.

O Bahia, por meio da nota do escritório, informa à reportagem que “a parceria depende de alguns fatores, tais como investimento inicial, tipo de produto fabricado/comercializado, se já há parceiros que produzem o referido produto de forma exclusiva, qualidade do produto, dentre outros”. É uma preocupação, segundo eles, de garantir a qualidade dos produtos licenciados.

De acordo com o clube, qualquer empresa pode procurá-lo para tentar licenciar seus produtos. As informações exigidas são a descrição da empresa, incluindo tempo de mercado e portfólio de produtos, e o detalhamento dos produtos que deseja licenciar.

Também é indicado que a instrução é, sobretudo, para empresas que comercializam produtos em maiores quantidades. “Importante esclarecer que os clubes de futebol não têm interesse em prejudicar o pequeno artesão ou artesã, que fabrica um ou outro produto de forma esporádica, ou mesmo aquele torcedor ou torcedora que confecciona um bolo para comemorar o aniversário, por exemplo, de um filho, um sobrinho, um amigo ou outro ente querido”, reafirma. “Sabemos que o amor do torcedor é que faz um time de verdade. O torcedor é a ‘alma’ do time”.

Procurado, o Corinthians também informou o processo para conseguir o licenciamento de produtos do clube. Após uma reunião com a empresa interessada, o Corinthians solicita amostras dos produtos a serem licenciados. Depois, as partes acordam uma proposta comercial que indica uma projeção de vendas, além de tempo de contrato, garantia mínima , royalties e descrição dos produtos a serem licenciados. Com tudo acertado, os documentos da empresa vão para a análise e pode ocorrer, enfim, um contrato.

Luciana, no entanto, indica que não procurará mais as equipes esportivas e nem produzirá mais qualquer produto relacionado a futebol ou de demais marcas sem licenciamento. “Pessoas que trabalham assim, mudem de rumo. Hoje foi comigo, amanhã pode ser com elas, e a maioria não acredita que aconteceu. Pode acontecer”, aconselha.

O caso da confeiteira Patrícia França, que foi notificada pelo Vitória, por meio da empresa NoFake, após produzir um bolo com a imagem do clube incentivou a aparição de denúncias sobre outros casos semelhantes. Entre eles, a situação de Luciana Costa, que trabalha com venda de papeis de arroz e topos de bolo, chamou a atenção.

A empreendedora foi notificada por um escritório de advocacia que representa, entre outros clubes, o Bahia, e agora paga R$ 1,8 mil em um acordo firmado com a Bianchini Advogados. Em suas redes sociais e em um site, Luciana anunciava a venda de produtos com a imagem de diversos times.

Apesar de trabalhar em Uberlândia, em Minas Gerais, e de ter seu público concentrado nesta região, a mulher, que criou uma pequena empresa para realizar seus serviços, também vendia produtos para outros locais. Nos anúncios, dizia ainda que fazia vendas no atacado e no varejo.

Produtos de Luciana continham a marca do Bahia e de outros clubes Foto: Acervo Pessoal/Luciana Costa

Por conta disso, o escritório, que representa também Corinthians, Santos e São Paulo, considera que Luciana confeccionou os produtos com “fins eminentemente econômicos”. “Os anúncios faziam menção à venda do produto contrafeito, na modalidade ‘atacado’, inclusive. Esse ‘detalhe’ descaracteriza a fabricação artesanal de um produto”, escreveu, em nota ao Estadão.

Luciana, porém, apesar de entender que não poderia usar o escudo dos clubes em seus produtos, afirma que não sabia da gravidade das consequências. “Eu não entendo de lei. Para mim são coisas artesanais, eles nem ficariam seguindo isso. Não imaginava que uma coisa tão pequena fosse tão criminosa”, conta à reportagem.

“A gente não trabalha em larga escala, não tenho uma indústria de produtos pirateados, é tudo muito caseiro. Meu atacado é caixa com 50 flores, com 100 borboletinhas. Isso para mim é venda no atacado. Não movimento milhões com marcas de clubes”, diz a empreendedora.

A situação levantou questões sobre o licenciamento dos times e ainda sobre a utilização de imagem de uma marca como uma equipe de futebol. Existe limite para uso de símbolos dos clubes?

Entenda o caso

“A empresária Luciana Aparecida foi inicialmente notificada pelo nosso escritório em 2023, quando foi detectada a venda de produtos não licenciados, os quais ostentavam as marcas de dois clubes de futebol”, explica o Bianchini Advogados.

Os dois times em questão eram Santos e Corinthians, representados pelo escritório. Segundo Luciana, foram enviadas duas notificações extrajudiciais a ela e, por conta disso, retirou os produtos que continham os escudos de ambos os clubes de sua loja online. No entanto, continuou a vender de outras equipes.

“Na ocasião em que foi notificada, nosso escritório esclareceu que a venda de produtos não licenciados é irregular, sendo direito do dono da marca protestar pela defesa dos seus interesses. Porém, em 2024, verificamos que as irregularidades continuavam”, diz a nota dos advogados.

Foi quando o mesmo escritório a notificou pela terceira vez, por conta do Bahia. “Eles já me mandaram um e-mail solicitando um pagamento de multa. A multa inicial deles era de R$ 7 mil, eu falei que não tinha condição. Então o acordo fechou em R$ 1,8 mil parcelado em 10 vezes”, explica a empreendedora.

Logo após a última notificação, Luciana retirou os produtos de todos os outros times de suas páginas. Ela diz que compreende porque foi notificada, mas que não concorda com a forma como a atitude foi feita. “Só fiquei chateada com isso. Não foi por eles acharem que eu estava usando a marca deles indevidamente. Existe a lei, tudo bem, vamos cumprir. Mas foi esse escritório não ter feito um pacote completo”.

Ela alega que os advogados poderiam ter exigido a retirada de todos os produtos já na primeira notificação, em vez de chegar ao nível de ser considerado reincidência.

O que diz a lei?

“A proteção da marca está não somente de acordo com a lei, mas também com a Constituição Federal”, explica ao Estadão Antônio Carlos Morato, doutor e mestre em direito civil pela Universidade de São Paulo, onde é professor associado. “Como tal, em um primeiro momento sempre exige autorização para seu uso”.

O docente indica ainda que “não há distinção imediata entre aquele que lesa e o que é lesado em razão de seu porte econômico”, portanto, pequenas e grandes empresas estão sujeitas a uma notificação. “Em regra, boa parte das empresas e dos escritórios que as representam toleram usos inexpressivos economicamente (como o próprio caso dos bolos em que são utilizados as marcas dos clubes), mas isso não significa que o direito não exista”.

O que pode existir, porém, é uma adequação do valor exigido pela marca lesada de acordo com a condição daquele que lesa. “Com base no Código Civil, o juiz pode reduzir equitativamente (ou seja, com base na Justiça) o valor da indenização, mas isso não significa que o juiz isentará alguém de responsabilidade pelo fato deste ter menor potencial econômico”, diz.

Luciana alega que seu faturamento por mês é baixo, e por isso não poderia pagar mais do que R$ 200 em parcelas. “Foi um prejuízo grande. Meu ganho hoje é pouco mais de um salário, meu rendimento é muito pouco”.

O que pode ser feito

Uma das opções para que mesmo pequenas empresas possam utilizar a imagem de grandes clubes é o licenciamento. “O licenciamento de novos parceiros sempre é uma possibilidade, pois os clubes possuem interesse em firmar cada vez mais parcerias”, explica a nota do escritório de advocacia. “Produtos licenciados recebem ‘selo de autenticidade’. Geram empregos formais e alimentam a cadeia de comércio legal. Além disso, geram royalties para os donos da marca”.

Segundo Morato, o artigo 130 da Lei de Propriedade Industrial, além de permitir ao dono de uma marca zelar pela sua integridade material ou reputação, abre a possibilidade de seu licenciamento. “Ao licenciar uma marca, há certa liberdade ao fixar o valor para utilizá-la, que pode envolver milhões de reais ou um valor economicamente reduzido, mas que pode ser alto para os padrões de um pequeno empreendedor”.

Luciana concorda que os valores são altos. Ela conta que, há anos, tentou o licenciamento do Corinthians. No entanto, segundo ela, o preço era de R$ 60 mil ao ano, dividido em parcelas de R$ 5 mil. “É muito caro, e você tem que negociar com um por um. Você teria que ter uma indústria para poder fazer os licenciamentos. Como vende um topo de bolo por R$ 5? Quantos topos você tem que vender para pagar uma prestação de R$ 5 mil? É indústria que faz isso”, indaga.

O Bahia, por meio da nota do escritório, informa à reportagem que “a parceria depende de alguns fatores, tais como investimento inicial, tipo de produto fabricado/comercializado, se já há parceiros que produzem o referido produto de forma exclusiva, qualidade do produto, dentre outros”. É uma preocupação, segundo eles, de garantir a qualidade dos produtos licenciados.

De acordo com o clube, qualquer empresa pode procurá-lo para tentar licenciar seus produtos. As informações exigidas são a descrição da empresa, incluindo tempo de mercado e portfólio de produtos, e o detalhamento dos produtos que deseja licenciar.

Também é indicado que a instrução é, sobretudo, para empresas que comercializam produtos em maiores quantidades. “Importante esclarecer que os clubes de futebol não têm interesse em prejudicar o pequeno artesão ou artesã, que fabrica um ou outro produto de forma esporádica, ou mesmo aquele torcedor ou torcedora que confecciona um bolo para comemorar o aniversário, por exemplo, de um filho, um sobrinho, um amigo ou outro ente querido”, reafirma. “Sabemos que o amor do torcedor é que faz um time de verdade. O torcedor é a ‘alma’ do time”.

Procurado, o Corinthians também informou o processo para conseguir o licenciamento de produtos do clube. Após uma reunião com a empresa interessada, o Corinthians solicita amostras dos produtos a serem licenciados. Depois, as partes acordam uma proposta comercial que indica uma projeção de vendas, além de tempo de contrato, garantia mínima , royalties e descrição dos produtos a serem licenciados. Com tudo acertado, os documentos da empresa vão para a análise e pode ocorrer, enfim, um contrato.

Luciana, no entanto, indica que não procurará mais as equipes esportivas e nem produzirá mais qualquer produto relacionado a futebol ou de demais marcas sem licenciamento. “Pessoas que trabalham assim, mudem de rumo. Hoje foi comigo, amanhã pode ser com elas, e a maioria não acredita que aconteceu. Pode acontecer”, aconselha.

O caso da confeiteira Patrícia França, que foi notificada pelo Vitória, por meio da empresa NoFake, após produzir um bolo com a imagem do clube incentivou a aparição de denúncias sobre outros casos semelhantes. Entre eles, a situação de Luciana Costa, que trabalha com venda de papeis de arroz e topos de bolo, chamou a atenção.

A empreendedora foi notificada por um escritório de advocacia que representa, entre outros clubes, o Bahia, e agora paga R$ 1,8 mil em um acordo firmado com a Bianchini Advogados. Em suas redes sociais e em um site, Luciana anunciava a venda de produtos com a imagem de diversos times.

Apesar de trabalhar em Uberlândia, em Minas Gerais, e de ter seu público concentrado nesta região, a mulher, que criou uma pequena empresa para realizar seus serviços, também vendia produtos para outros locais. Nos anúncios, dizia ainda que fazia vendas no atacado e no varejo.

Produtos de Luciana continham a marca do Bahia e de outros clubes Foto: Acervo Pessoal/Luciana Costa

Por conta disso, o escritório, que representa também Corinthians, Santos e São Paulo, considera que Luciana confeccionou os produtos com “fins eminentemente econômicos”. “Os anúncios faziam menção à venda do produto contrafeito, na modalidade ‘atacado’, inclusive. Esse ‘detalhe’ descaracteriza a fabricação artesanal de um produto”, escreveu, em nota ao Estadão.

Luciana, porém, apesar de entender que não poderia usar o escudo dos clubes em seus produtos, afirma que não sabia da gravidade das consequências. “Eu não entendo de lei. Para mim são coisas artesanais, eles nem ficariam seguindo isso. Não imaginava que uma coisa tão pequena fosse tão criminosa”, conta à reportagem.

“A gente não trabalha em larga escala, não tenho uma indústria de produtos pirateados, é tudo muito caseiro. Meu atacado é caixa com 50 flores, com 100 borboletinhas. Isso para mim é venda no atacado. Não movimento milhões com marcas de clubes”, diz a empreendedora.

A situação levantou questões sobre o licenciamento dos times e ainda sobre a utilização de imagem de uma marca como uma equipe de futebol. Existe limite para uso de símbolos dos clubes?

Entenda o caso

“A empresária Luciana Aparecida foi inicialmente notificada pelo nosso escritório em 2023, quando foi detectada a venda de produtos não licenciados, os quais ostentavam as marcas de dois clubes de futebol”, explica o Bianchini Advogados.

Os dois times em questão eram Santos e Corinthians, representados pelo escritório. Segundo Luciana, foram enviadas duas notificações extrajudiciais a ela e, por conta disso, retirou os produtos que continham os escudos de ambos os clubes de sua loja online. No entanto, continuou a vender de outras equipes.

“Na ocasião em que foi notificada, nosso escritório esclareceu que a venda de produtos não licenciados é irregular, sendo direito do dono da marca protestar pela defesa dos seus interesses. Porém, em 2024, verificamos que as irregularidades continuavam”, diz a nota dos advogados.

Foi quando o mesmo escritório a notificou pela terceira vez, por conta do Bahia. “Eles já me mandaram um e-mail solicitando um pagamento de multa. A multa inicial deles era de R$ 7 mil, eu falei que não tinha condição. Então o acordo fechou em R$ 1,8 mil parcelado em 10 vezes”, explica a empreendedora.

Logo após a última notificação, Luciana retirou os produtos de todos os outros times de suas páginas. Ela diz que compreende porque foi notificada, mas que não concorda com a forma como a atitude foi feita. “Só fiquei chateada com isso. Não foi por eles acharem que eu estava usando a marca deles indevidamente. Existe a lei, tudo bem, vamos cumprir. Mas foi esse escritório não ter feito um pacote completo”.

Ela alega que os advogados poderiam ter exigido a retirada de todos os produtos já na primeira notificação, em vez de chegar ao nível de ser considerado reincidência.

O que diz a lei?

“A proteção da marca está não somente de acordo com a lei, mas também com a Constituição Federal”, explica ao Estadão Antônio Carlos Morato, doutor e mestre em direito civil pela Universidade de São Paulo, onde é professor associado. “Como tal, em um primeiro momento sempre exige autorização para seu uso”.

O docente indica ainda que “não há distinção imediata entre aquele que lesa e o que é lesado em razão de seu porte econômico”, portanto, pequenas e grandes empresas estão sujeitas a uma notificação. “Em regra, boa parte das empresas e dos escritórios que as representam toleram usos inexpressivos economicamente (como o próprio caso dos bolos em que são utilizados as marcas dos clubes), mas isso não significa que o direito não exista”.

O que pode existir, porém, é uma adequação do valor exigido pela marca lesada de acordo com a condição daquele que lesa. “Com base no Código Civil, o juiz pode reduzir equitativamente (ou seja, com base na Justiça) o valor da indenização, mas isso não significa que o juiz isentará alguém de responsabilidade pelo fato deste ter menor potencial econômico”, diz.

Luciana alega que seu faturamento por mês é baixo, e por isso não poderia pagar mais do que R$ 200 em parcelas. “Foi um prejuízo grande. Meu ganho hoje é pouco mais de um salário, meu rendimento é muito pouco”.

O que pode ser feito

Uma das opções para que mesmo pequenas empresas possam utilizar a imagem de grandes clubes é o licenciamento. “O licenciamento de novos parceiros sempre é uma possibilidade, pois os clubes possuem interesse em firmar cada vez mais parcerias”, explica a nota do escritório de advocacia. “Produtos licenciados recebem ‘selo de autenticidade’. Geram empregos formais e alimentam a cadeia de comércio legal. Além disso, geram royalties para os donos da marca”.

Segundo Morato, o artigo 130 da Lei de Propriedade Industrial, além de permitir ao dono de uma marca zelar pela sua integridade material ou reputação, abre a possibilidade de seu licenciamento. “Ao licenciar uma marca, há certa liberdade ao fixar o valor para utilizá-la, que pode envolver milhões de reais ou um valor economicamente reduzido, mas que pode ser alto para os padrões de um pequeno empreendedor”.

Luciana concorda que os valores são altos. Ela conta que, há anos, tentou o licenciamento do Corinthians. No entanto, segundo ela, o preço era de R$ 60 mil ao ano, dividido em parcelas de R$ 5 mil. “É muito caro, e você tem que negociar com um por um. Você teria que ter uma indústria para poder fazer os licenciamentos. Como vende um topo de bolo por R$ 5? Quantos topos você tem que vender para pagar uma prestação de R$ 5 mil? É indústria que faz isso”, indaga.

O Bahia, por meio da nota do escritório, informa à reportagem que “a parceria depende de alguns fatores, tais como investimento inicial, tipo de produto fabricado/comercializado, se já há parceiros que produzem o referido produto de forma exclusiva, qualidade do produto, dentre outros”. É uma preocupação, segundo eles, de garantir a qualidade dos produtos licenciados.

De acordo com o clube, qualquer empresa pode procurá-lo para tentar licenciar seus produtos. As informações exigidas são a descrição da empresa, incluindo tempo de mercado e portfólio de produtos, e o detalhamento dos produtos que deseja licenciar.

Também é indicado que a instrução é, sobretudo, para empresas que comercializam produtos em maiores quantidades. “Importante esclarecer que os clubes de futebol não têm interesse em prejudicar o pequeno artesão ou artesã, que fabrica um ou outro produto de forma esporádica, ou mesmo aquele torcedor ou torcedora que confecciona um bolo para comemorar o aniversário, por exemplo, de um filho, um sobrinho, um amigo ou outro ente querido”, reafirma. “Sabemos que o amor do torcedor é que faz um time de verdade. O torcedor é a ‘alma’ do time”.

Procurado, o Corinthians também informou o processo para conseguir o licenciamento de produtos do clube. Após uma reunião com a empresa interessada, o Corinthians solicita amostras dos produtos a serem licenciados. Depois, as partes acordam uma proposta comercial que indica uma projeção de vendas, além de tempo de contrato, garantia mínima , royalties e descrição dos produtos a serem licenciados. Com tudo acertado, os documentos da empresa vão para a análise e pode ocorrer, enfim, um contrato.

Luciana, no entanto, indica que não procurará mais as equipes esportivas e nem produzirá mais qualquer produto relacionado a futebol ou de demais marcas sem licenciamento. “Pessoas que trabalham assim, mudem de rumo. Hoje foi comigo, amanhã pode ser com elas, e a maioria não acredita que aconteceu. Pode acontecer”, aconselha.

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