'Messi e Neymar são verdadeiros milagres', diz Eduardo Galeano


Entusiasta do futebol, consagrado escritor uruguaio lamenta o poder do dinheiro no esporte

Por Ubiratan Brasil

SÃO PAULO - O escritor uruguaio Eduardo Galeano é uma das mais destacadas figuras da cultura latino-americana, construindo uma obra ortodoxa, que combina ficção, jornalismo, análise política e história. Ele tem opinião firmada desde a crise da Venezuela até o debate sobre a maconha que tomou conta de seu país. Mas os olhos de Galeano brilham de verdade quando o assunto é futebol, uma de suas maiores paixões.Autor de obras notáveis como Futebol ao Sol e à Sombra (L&PM), Galeano, de 73 anos, defende o espetáculo acima de tudo, como afirmou na entrevista exclusiva ao Estado, concedida em Brasília.ESTADO - Aqui você falou sobre ditadura e futebol.EDUARDO GALEANO - Há ditaduras visíveis e invisíveis. A estrutura de poder do futebol no mundo é monárquica. É a monarquia mais secreta do mundo: ninguém sabe dos segredos da Fifa, fechados a sete chaves. Os dirigentes vivem como em um castelo muito bem guardado. E os protagonistas do futebol, os jogadores, trabalham como macacos de circo, ou seja, não são os receptores dos benefícios dos espetáculos que nos brindam – acredito que sejam fortunas, pois as contas são secretas. E os atletas atuam pelo prazer de jogar, o que é importante. Eu rogo a Deus para que os jogadores não percam esse prazer, pois, nos últimos anos, eles vêm sendo condicionados a apenas ganhar, o que resulta em mais dinheiro. Não aprovo essa identificação da bola como fonte de lucro. Nos últimos anos, o futebol tem perdido aquele brilho de encantamento que deveria marcar cada partida. Infelizmente, boa parte dos jogadores não tem demonstrado aquela satisfação que vemos, por exemplo, em jogos de crianças: elas não têm a finalidade da vitória, querem apenas se divertir. Assim, quando surgem exceções, como Messi e Neymar, são, para mim, verdadeiros milagres.ESTADO - Ainda assiste a futebol?EDUARDO GALEANO - A minha festa de fim de semana é acompanhar jogos desses craques. Sempre que posso acompanho essa dupla. Amo o futebol. Quando criança, nem pensava em ser escritor, mas jogar futebol. Infelizmente, minha perna parece de madeira, eu seria um perna de pau, como se diz aqui no Brasil (risos).ESTADO - Mas não vê bons exemplos?EDUARDO GALEANO - Sim. Veja, recentemente estive no Chile, onde me reuni com amigos que são, na maioria, torcedores do Colo Colo, a equipe mais popular do país. Eles tentam iniciar um plano de recuperação do clube que, segundo eles, foi sequestrado pelos empresários, pelos dirigentes e até pelos ideólogos que promovem as regras do esporte. Isso é terrível, pois os torcedores acabaram condicionados a aceitar um tipo de campeonato em que o mais importante é vencer. Com isso, o futebol corre o risco de se tornar um negócio que, de tão rentável, logo vai se equiparar ao comércio de drogas ou de armas.ESTADO - E a expectativa para a Copa do Mundo no Brasil?EDUARDO GALEANO - Espero assistir a um belo Mundial. A grande virtude do futebol é sua capacidade de surpreender, de provocar assombro, de permitir o milagre, de saber que o impossível pode acontecer. É uma das atividades humanas mais imprevisíveis que existem. Daí o sucesso popular, mundial.ESTADO - A derrota brasileira na Copa de 50 é um exemplo disso.EDUARDO GALEANO - Sim, o Brasil era objetivamente a melhor equipe. Mas a capacidade de surpresa permitiu que o Uruguai saísse campeão. Mas foi uma decisão de grandes capitães, o uruguaio Obdulio Varela e o brasileiro Zizinho. Você sabia que eles se tornaram grandes amigos depois? Chegaram até a manter uma comunicação telepática (risos). É verdade, sei que parece bruxaria, mas, bastavam fechar os olhos para conversar. Eu sempre levei muito a sério essa forma de comunicação. Não era palhaçada. Lembro de uma vez, quando eu estava com Obdulio e, de repente, ele interrompeu a conversa para dizer: ‘Não se preocupe, Eduardo, Zizinho está bem, foi só uma gripe passageira’ (risos).ESTADO - Obdulio foi seu grande amigo?EDUARDO GALEANO - Foi uma das pessoas mais admiráveis que já conheci na minha vida. Um homem nobre, honesto, valente. Ele capitaneou a mais longa greve do futebol que já houve no mundo: durante sete meses, não houve jogos no Uruguai. E os torcedores apoiaram os jogadores, que pediam a criação de um sindicato para a categoria. Ele também viveu uma história extraordinária na Copa de 1950.ESTADO - Qual foi?EDUARDO GALEANO - Depois da vitória, enquanto a delegação uruguaia festejava o título, Obdulio escapou da concentração e passou a noite pelos bares cariocas, abraçado aos brasileiros que choravam, inconformados com a derrota. Aquilo foi uma surpresa para ele, pois, antes do jogo começar, Obdulio via aquela massa de 200 mil pessoas que lotavam o Maracanã como um monstro de boca aberta, rugindo, querendo devorar carne uruguaia. Mas, depois, redescobrindo as pessoas nos bares, uma por uma, ele também chorou. Não se conformava por ter provocado tamanha tristeza.ESTADO - Você também se emocionou com história do goleiro brasileiro Barbosa, não?EDUARDO GALEANO - Sim, ele foi uma figura trágica no futebol mundial. Pagou sozinho pela derrota. Lembro-me de quando o Maracanã decidiu trocar as traves por outras mais novas e Moacir Barbosa pediu para ficar com aquelas, que eram sintomaticamente de madeira. A cruz de seu martírio. E ele celebrou sozinho uma cerimônia de exorcismo, queimando as traves de sua maldição. Crucificado pela necessidade humana de encontrar culpados, mesmo sendo aclamado pelos especialistas como o melhor arqueiro de seu tempo.

SÃO PAULO - O escritor uruguaio Eduardo Galeano é uma das mais destacadas figuras da cultura latino-americana, construindo uma obra ortodoxa, que combina ficção, jornalismo, análise política e história. Ele tem opinião firmada desde a crise da Venezuela até o debate sobre a maconha que tomou conta de seu país. Mas os olhos de Galeano brilham de verdade quando o assunto é futebol, uma de suas maiores paixões.Autor de obras notáveis como Futebol ao Sol e à Sombra (L&PM), Galeano, de 73 anos, defende o espetáculo acima de tudo, como afirmou na entrevista exclusiva ao Estado, concedida em Brasília.ESTADO - Aqui você falou sobre ditadura e futebol.EDUARDO GALEANO - Há ditaduras visíveis e invisíveis. A estrutura de poder do futebol no mundo é monárquica. É a monarquia mais secreta do mundo: ninguém sabe dos segredos da Fifa, fechados a sete chaves. Os dirigentes vivem como em um castelo muito bem guardado. E os protagonistas do futebol, os jogadores, trabalham como macacos de circo, ou seja, não são os receptores dos benefícios dos espetáculos que nos brindam – acredito que sejam fortunas, pois as contas são secretas. E os atletas atuam pelo prazer de jogar, o que é importante. Eu rogo a Deus para que os jogadores não percam esse prazer, pois, nos últimos anos, eles vêm sendo condicionados a apenas ganhar, o que resulta em mais dinheiro. Não aprovo essa identificação da bola como fonte de lucro. Nos últimos anos, o futebol tem perdido aquele brilho de encantamento que deveria marcar cada partida. Infelizmente, boa parte dos jogadores não tem demonstrado aquela satisfação que vemos, por exemplo, em jogos de crianças: elas não têm a finalidade da vitória, querem apenas se divertir. Assim, quando surgem exceções, como Messi e Neymar, são, para mim, verdadeiros milagres.ESTADO - Ainda assiste a futebol?EDUARDO GALEANO - A minha festa de fim de semana é acompanhar jogos desses craques. Sempre que posso acompanho essa dupla. Amo o futebol. Quando criança, nem pensava em ser escritor, mas jogar futebol. Infelizmente, minha perna parece de madeira, eu seria um perna de pau, como se diz aqui no Brasil (risos).ESTADO - Mas não vê bons exemplos?EDUARDO GALEANO - Sim. Veja, recentemente estive no Chile, onde me reuni com amigos que são, na maioria, torcedores do Colo Colo, a equipe mais popular do país. Eles tentam iniciar um plano de recuperação do clube que, segundo eles, foi sequestrado pelos empresários, pelos dirigentes e até pelos ideólogos que promovem as regras do esporte. Isso é terrível, pois os torcedores acabaram condicionados a aceitar um tipo de campeonato em que o mais importante é vencer. Com isso, o futebol corre o risco de se tornar um negócio que, de tão rentável, logo vai se equiparar ao comércio de drogas ou de armas.ESTADO - E a expectativa para a Copa do Mundo no Brasil?EDUARDO GALEANO - Espero assistir a um belo Mundial. A grande virtude do futebol é sua capacidade de surpreender, de provocar assombro, de permitir o milagre, de saber que o impossível pode acontecer. É uma das atividades humanas mais imprevisíveis que existem. Daí o sucesso popular, mundial.ESTADO - A derrota brasileira na Copa de 50 é um exemplo disso.EDUARDO GALEANO - Sim, o Brasil era objetivamente a melhor equipe. Mas a capacidade de surpresa permitiu que o Uruguai saísse campeão. Mas foi uma decisão de grandes capitães, o uruguaio Obdulio Varela e o brasileiro Zizinho. Você sabia que eles se tornaram grandes amigos depois? Chegaram até a manter uma comunicação telepática (risos). É verdade, sei que parece bruxaria, mas, bastavam fechar os olhos para conversar. Eu sempre levei muito a sério essa forma de comunicação. Não era palhaçada. Lembro de uma vez, quando eu estava com Obdulio e, de repente, ele interrompeu a conversa para dizer: ‘Não se preocupe, Eduardo, Zizinho está bem, foi só uma gripe passageira’ (risos).ESTADO - Obdulio foi seu grande amigo?EDUARDO GALEANO - Foi uma das pessoas mais admiráveis que já conheci na minha vida. Um homem nobre, honesto, valente. Ele capitaneou a mais longa greve do futebol que já houve no mundo: durante sete meses, não houve jogos no Uruguai. E os torcedores apoiaram os jogadores, que pediam a criação de um sindicato para a categoria. Ele também viveu uma história extraordinária na Copa de 1950.ESTADO - Qual foi?EDUARDO GALEANO - Depois da vitória, enquanto a delegação uruguaia festejava o título, Obdulio escapou da concentração e passou a noite pelos bares cariocas, abraçado aos brasileiros que choravam, inconformados com a derrota. Aquilo foi uma surpresa para ele, pois, antes do jogo começar, Obdulio via aquela massa de 200 mil pessoas que lotavam o Maracanã como um monstro de boca aberta, rugindo, querendo devorar carne uruguaia. Mas, depois, redescobrindo as pessoas nos bares, uma por uma, ele também chorou. Não se conformava por ter provocado tamanha tristeza.ESTADO - Você também se emocionou com história do goleiro brasileiro Barbosa, não?EDUARDO GALEANO - Sim, ele foi uma figura trágica no futebol mundial. Pagou sozinho pela derrota. Lembro-me de quando o Maracanã decidiu trocar as traves por outras mais novas e Moacir Barbosa pediu para ficar com aquelas, que eram sintomaticamente de madeira. A cruz de seu martírio. E ele celebrou sozinho uma cerimônia de exorcismo, queimando as traves de sua maldição. Crucificado pela necessidade humana de encontrar culpados, mesmo sendo aclamado pelos especialistas como o melhor arqueiro de seu tempo.

SÃO PAULO - O escritor uruguaio Eduardo Galeano é uma das mais destacadas figuras da cultura latino-americana, construindo uma obra ortodoxa, que combina ficção, jornalismo, análise política e história. Ele tem opinião firmada desde a crise da Venezuela até o debate sobre a maconha que tomou conta de seu país. Mas os olhos de Galeano brilham de verdade quando o assunto é futebol, uma de suas maiores paixões.Autor de obras notáveis como Futebol ao Sol e à Sombra (L&PM), Galeano, de 73 anos, defende o espetáculo acima de tudo, como afirmou na entrevista exclusiva ao Estado, concedida em Brasília.ESTADO - Aqui você falou sobre ditadura e futebol.EDUARDO GALEANO - Há ditaduras visíveis e invisíveis. A estrutura de poder do futebol no mundo é monárquica. É a monarquia mais secreta do mundo: ninguém sabe dos segredos da Fifa, fechados a sete chaves. Os dirigentes vivem como em um castelo muito bem guardado. E os protagonistas do futebol, os jogadores, trabalham como macacos de circo, ou seja, não são os receptores dos benefícios dos espetáculos que nos brindam – acredito que sejam fortunas, pois as contas são secretas. E os atletas atuam pelo prazer de jogar, o que é importante. Eu rogo a Deus para que os jogadores não percam esse prazer, pois, nos últimos anos, eles vêm sendo condicionados a apenas ganhar, o que resulta em mais dinheiro. Não aprovo essa identificação da bola como fonte de lucro. Nos últimos anos, o futebol tem perdido aquele brilho de encantamento que deveria marcar cada partida. Infelizmente, boa parte dos jogadores não tem demonstrado aquela satisfação que vemos, por exemplo, em jogos de crianças: elas não têm a finalidade da vitória, querem apenas se divertir. Assim, quando surgem exceções, como Messi e Neymar, são, para mim, verdadeiros milagres.ESTADO - Ainda assiste a futebol?EDUARDO GALEANO - A minha festa de fim de semana é acompanhar jogos desses craques. Sempre que posso acompanho essa dupla. Amo o futebol. Quando criança, nem pensava em ser escritor, mas jogar futebol. Infelizmente, minha perna parece de madeira, eu seria um perna de pau, como se diz aqui no Brasil (risos).ESTADO - Mas não vê bons exemplos?EDUARDO GALEANO - Sim. Veja, recentemente estive no Chile, onde me reuni com amigos que são, na maioria, torcedores do Colo Colo, a equipe mais popular do país. Eles tentam iniciar um plano de recuperação do clube que, segundo eles, foi sequestrado pelos empresários, pelos dirigentes e até pelos ideólogos que promovem as regras do esporte. Isso é terrível, pois os torcedores acabaram condicionados a aceitar um tipo de campeonato em que o mais importante é vencer. Com isso, o futebol corre o risco de se tornar um negócio que, de tão rentável, logo vai se equiparar ao comércio de drogas ou de armas.ESTADO - E a expectativa para a Copa do Mundo no Brasil?EDUARDO GALEANO - Espero assistir a um belo Mundial. A grande virtude do futebol é sua capacidade de surpreender, de provocar assombro, de permitir o milagre, de saber que o impossível pode acontecer. É uma das atividades humanas mais imprevisíveis que existem. Daí o sucesso popular, mundial.ESTADO - A derrota brasileira na Copa de 50 é um exemplo disso.EDUARDO GALEANO - Sim, o Brasil era objetivamente a melhor equipe. Mas a capacidade de surpresa permitiu que o Uruguai saísse campeão. Mas foi uma decisão de grandes capitães, o uruguaio Obdulio Varela e o brasileiro Zizinho. Você sabia que eles se tornaram grandes amigos depois? Chegaram até a manter uma comunicação telepática (risos). É verdade, sei que parece bruxaria, mas, bastavam fechar os olhos para conversar. Eu sempre levei muito a sério essa forma de comunicação. Não era palhaçada. Lembro de uma vez, quando eu estava com Obdulio e, de repente, ele interrompeu a conversa para dizer: ‘Não se preocupe, Eduardo, Zizinho está bem, foi só uma gripe passageira’ (risos).ESTADO - Obdulio foi seu grande amigo?EDUARDO GALEANO - Foi uma das pessoas mais admiráveis que já conheci na minha vida. Um homem nobre, honesto, valente. Ele capitaneou a mais longa greve do futebol que já houve no mundo: durante sete meses, não houve jogos no Uruguai. E os torcedores apoiaram os jogadores, que pediam a criação de um sindicato para a categoria. Ele também viveu uma história extraordinária na Copa de 1950.ESTADO - Qual foi?EDUARDO GALEANO - Depois da vitória, enquanto a delegação uruguaia festejava o título, Obdulio escapou da concentração e passou a noite pelos bares cariocas, abraçado aos brasileiros que choravam, inconformados com a derrota. Aquilo foi uma surpresa para ele, pois, antes do jogo começar, Obdulio via aquela massa de 200 mil pessoas que lotavam o Maracanã como um monstro de boca aberta, rugindo, querendo devorar carne uruguaia. Mas, depois, redescobrindo as pessoas nos bares, uma por uma, ele também chorou. Não se conformava por ter provocado tamanha tristeza.ESTADO - Você também se emocionou com história do goleiro brasileiro Barbosa, não?EDUARDO GALEANO - Sim, ele foi uma figura trágica no futebol mundial. Pagou sozinho pela derrota. Lembro-me de quando o Maracanã decidiu trocar as traves por outras mais novas e Moacir Barbosa pediu para ficar com aquelas, que eram sintomaticamente de madeira. A cruz de seu martírio. E ele celebrou sozinho uma cerimônia de exorcismo, queimando as traves de sua maldição. Crucificado pela necessidade humana de encontrar culpados, mesmo sendo aclamado pelos especialistas como o melhor arqueiro de seu tempo.

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