Milton Neves se emociona, rechaça cura para tristeza e quer voltar à mídia: ‘Chega de ficar à toa’


Experiente jornalista deixou a TV e o rádio no fim de 2023 para tratar saúde mental abalada desde a morte da mulher há quatro anos; em entrevista ao ‘Estadão’, critica Neymar, seleção e alfineta ‘ingratos’

Por Marcos Antomil

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Jornalista recebeu o Estadão em sua casa, em Santana do Parnaíba, e falou sobre o afastamento da televisão.

O jornalista Milton Neves está alijado das suas maiores paixões. Comunicador nato, aos 73 anos, deixou o rádio e a televisão há quase um ano para cuidar da saúde mental e da depressão que lhe abateu após a morte da mulher, Lenice Neves, em agosto de 2020, vítima de câncer. Polivalente, o “vendedor de passados” - como se intitula - tem planos para o futuro, pretende voltar à mídia em breve, mas não esconde as emoções, boas e ruins, que tomaram conta de sua vida nos últimos anos.

Ninguém faz rádio esportivo melhor do que eu no mundo.

Milton Neves, jornalista.

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“Pode pegar o bom da Itália, da Espanha, que não é o Milton Neves. Eu que me afastei do trabalho. Fiz uma carta de despedida da Band abrindo mão de todos os direitos que por ventura pudesse ter”, contou o jornalista em entrevista ao Estadão, em sua casa, em Santana de Parnaíba, no bairro de Alphaville, na região metropolitana de São Paulo.

Milton Neves está afastado da mídia, mas pretende voltar em breve. Foto: Leo Souza/Estadão

Desde que saiu da emissora do Morumbi, Milton diz que evita acompanhar seus antigos programas e substitutos. O jornalista vive na presença de alguns funcionários, tem um dos três filhos como vizinho no condomínio e dedica horas de seu dia a cuidar da sua empresa de publicidade, além de desfrutar da companhia da cadela Helen. Ele também faz da internet um passatempo. Em suas redes sociais, publica fotos, vídeos, opiniões, polêmicas e aproveita para fazer de um seus grandes amigos, o também jornalista Mauro Beting, alvo de suas brincadeiras digitais. “Barbeiro”, como diz, largou o volante e se desloca para o escritório e outros locais em carros de aplicativo.

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Milton diz que não está totalmente recuperado da depressão. “Ainda não sarei e não vou sarar nunca. De 100% da depressão, já estou quase 50%. Mas esquecer...”, disse soluçando. “Domingo passado foi aniversário dela (Lenice). Só tive uma namorada e mulher na vida. Falo o nome dela 50 vezes por dia, converso sempre. Tem gente que me dá dura: ‘Deixa ela descansar’. Uma coisa é certa: não vou casar de novo, acho que é traição”, afirma consternado.

Milton Neves e Helen, a cachorrinha da família. Foto: Leo Souza/Estadão

No entanto, o jornalista pensa em retomar a carreira nos próximos meses. Ele acredita que quando oficializar sua volta ao mercado, não faltarão convites. “Eu não me ofereço (para outras empresas). Tenho pressa zero para voltar, mas se eu tivesse dado uma forçadinha já estava no ar. Não recebi ainda proposta para voltar. Agora, quero voltar. Chega de ficar à toa”.

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Para Milton, um dos seus únicos arrependimentos na vida foi o exagero nas horas dedicadas ao trabalho que acarretaram em menos tempo ao lado da família. O jornalista tem três filhos e duas netas. O jornalista já transferiu todos os seus bens imóveis para os nomes deles. “Tudo é dos meus filhos hoje. Eles levaram um susto quando viram a relação de imóveis no Brasil e exterior”.

‘Inveja é o mau hálito da alma’, diz Milton Neves

Milton teve um papel relevante na formação de novos jornalistas, mas guarda na memória más recordações pela forma como foi tratado por alguns desses profissionais que ele ajudou. “Tenho decepções muito grandes. Tem narrador, apresentadora que me copia até hoje... A inveja é o mau hálito da alma”, pontua. Um dos mais gratos, considera Milton, é o ex-jogador José Ferreira Neto, ídolo do Corinthians e apresentador da Band, que herdou o horário do antigo “Terceiro Tempo” com o “Apito Final”, nas noites de domingo.

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“Eu inventei uns 30 para a televisão e o rádio - como me inventaram também -, e o mais grato é o Neto. Ele tem o público dele, a ‘coritianada’ adora ele. O Neto é um cara muito sincero. Quando eu estava na Record, ele me pediu para comentar: ‘Milton, me ajuda. Você coloca ex-jogadores no programa, me coloca também’. Fui falar com o bispo Honorilton Gonçalves, que negou. No dia seguinte, fomos comunicados que o Robinho não poderia comparecer no programa, então o bispo falou para colocar o Neto. O programa foi um sucesso de audiência, porque teve o Eurico Miranda, Neto e Oscar Roberto Godoi. Na segunda-feira, o bispo mandou contratar o Neto. Ele (Neto) faria por mim qualquer coisa que ele pudesse”, afirma o experiente jornalista.

Milton Neves analisa seleção brasileira e alfineta Neymar

Milton Neves não poupa elogios ao técnico da seleção brasileira, Dorival Júnior, tampouco evita críticas mais severas à atuação da equipe nas Eliminatórias da Copa do Mundo. “A seleção brasileira hoje é uma Bolívia em má fase. E o Dorival Júnior não tem culpa nenhuma. Não tem quem convocar. É o pior momento de um técnico em questão de opção. Está difícil a situação do treinador.”

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Uma das soluções para o Brasil seria o retorno de Neymar, que está se recuperando de grave lesão de joelho? Para Milton Neves, o tempo do jogador do Al-Hilal já passou.

Neymar já era. Fui o sujeito que mais apoiou o Neymar. Ele não é benquisto. Por isso, comparar Pelé com Neymar é igual comprar Nova York com Muzambinho (cidade no Sul de Minas Gerais, onde nasceu o jornalista).

Milton Neves

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Jornalista afirma que recebeu pedido especial de Edinho, filho do Rei do Futebol, durante o velório.

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Sobre o Santos, seu time de coração, que luta para sair da Série B do Campeonato Brasileiro e retornar à elite do futebol nacional, Milton se limita a dizer que o clube vive uma situação “triste” após citar por completo uma das escalações históricas do time alvinegro nos anos 1960. A morte de Pelé, em dezembro de 2022, foi muito simbólica para o jornalista. Em um dos momentos mais emotivos de sua fala, contou sobre o pedido que recebeu de Edinho, filho do Rei do Futebol, para colocar sobre o caixão as bandeiras do Santos e do Brasil. “Eu não parava de chorar. Falaram que eu fui lá para faturar prestígio do Pelé morto. Como podem imaginar isso? Eu não sou ator. Pelé e Deus me nortearam na vida”.

Milton Neves conversa com Edinho durante o velório de Pelé, na Vila Belmiro. Foto: Alex Silva/Estadão

O escrete do rádio para Milton Neves

A pedido da reportagem, o jornalista escolheu a sua equipe ideal para uma transmissão de rádio. Como narrador, citou Fiori Gigliotti (do famoso “Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo”), mas optou pelo “pai da matéria”, Osmar Santos, que o ajudou a conquistar um espaço na equipe de esportes da Jovem Pan em seu início de carreira. O melhor comentarista: Mário Moraes, jornalista de grande sucesso na rádio e TV paulistana nas décadas de 1960 e 1970. Para a reportagem de campo, Milton apontou Juarez Soares, que foi vereador e secretário de esportes de São Paulo na gestão de Luiza Erundina. Dos indicados pelo apresentador, somente Osmar Santos está vivo.

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Jornalista se emociona ao lembrar esforço da tia para lhe presentear com um rádio de pilha.

Milton desenvolveu seu espírito de comunicador com o rádio como aliado. Desde a infância, passava horas escutando jogos de futebol e, por causa de uma frase bastante pretenciosa, dita diante de quem viria a ser seu sogro, traçou um desafio para provar sua competência na área e conquistar a confiança da família da mulher.

Milton Neves diz que não recebeu ofertas até o momento, mas espera em breve estar em uma emissora. Foto: Leo Souza/Estadão

“Quando eu trabalhava na Rádio Continental de Muzambinho, eu ganhava algo como R$ 20 ou R$ 25 em dinheiro de hoje. Minha função era dar a hora certa. Eu ia ao bar Pinguim, do Hélio Magnoni - que viria a ser meu sogro e não queria de jeito nenhum que eu fosse seu genro -, e só tinha dinheiro para comprar um quibe ou um pastel. Eu ficava ali mordiscando e ouvindo a conversa fiada dos outros. Certa vez, estava tocando ali no bar, no rádio, ‘Sentimental Demais’, do Altemar Dutra, e falei para o meu sogro: ‘Ainda vou trabalhar na Bandeirantes’. Ele riu tanto e falou: ‘Você vai, sim, vai limpar as privadas de lá'. Mas não foi na maldade”, contou Milton.

O mesmo radinho que o impulsionou e o tornou um fã do Santos e de Pelé, Milton guarda ao lado da cabeceira da cama. “ Tinha dificuldade até para comprar pilha. Ele vale ouro para mim. Minha tia Antônia pediu empréstimo para comprá-lo. Um dia perdi o rádio, e ela ficou com muita pena. Ainda estava pagando o primeiro, mas pediu outro empréstimo e comprou o segundo”, relatou o jornalista com a voz embargada, segurando as lágrimas que o fizeram se tornar “cada vez mais sentimental”.

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Jornalista recebeu o Estadão em sua casa, em Santana do Parnaíba, e falou sobre o afastamento da televisão.

O jornalista Milton Neves está alijado das suas maiores paixões. Comunicador nato, aos 73 anos, deixou o rádio e a televisão há quase um ano para cuidar da saúde mental e da depressão que lhe abateu após a morte da mulher, Lenice Neves, em agosto de 2020, vítima de câncer. Polivalente, o “vendedor de passados” - como se intitula - tem planos para o futuro, pretende voltar à mídia em breve, mas não esconde as emoções, boas e ruins, que tomaram conta de sua vida nos últimos anos.

Ninguém faz rádio esportivo melhor do que eu no mundo.

Milton Neves, jornalista.

“Pode pegar o bom da Itália, da Espanha, que não é o Milton Neves. Eu que me afastei do trabalho. Fiz uma carta de despedida da Band abrindo mão de todos os direitos que por ventura pudesse ter”, contou o jornalista em entrevista ao Estadão, em sua casa, em Santana de Parnaíba, no bairro de Alphaville, na região metropolitana de São Paulo.

Milton Neves está afastado da mídia, mas pretende voltar em breve. Foto: Leo Souza/Estadão

Desde que saiu da emissora do Morumbi, Milton diz que evita acompanhar seus antigos programas e substitutos. O jornalista vive na presença de alguns funcionários, tem um dos três filhos como vizinho no condomínio e dedica horas de seu dia a cuidar da sua empresa de publicidade, além de desfrutar da companhia da cadela Helen. Ele também faz da internet um passatempo. Em suas redes sociais, publica fotos, vídeos, opiniões, polêmicas e aproveita para fazer de um seus grandes amigos, o também jornalista Mauro Beting, alvo de suas brincadeiras digitais. “Barbeiro”, como diz, largou o volante e se desloca para o escritório e outros locais em carros de aplicativo.

Milton diz que não está totalmente recuperado da depressão. “Ainda não sarei e não vou sarar nunca. De 100% da depressão, já estou quase 50%. Mas esquecer...”, disse soluçando. “Domingo passado foi aniversário dela (Lenice). Só tive uma namorada e mulher na vida. Falo o nome dela 50 vezes por dia, converso sempre. Tem gente que me dá dura: ‘Deixa ela descansar’. Uma coisa é certa: não vou casar de novo, acho que é traição”, afirma consternado.

Milton Neves e Helen, a cachorrinha da família. Foto: Leo Souza/Estadão

No entanto, o jornalista pensa em retomar a carreira nos próximos meses. Ele acredita que quando oficializar sua volta ao mercado, não faltarão convites. “Eu não me ofereço (para outras empresas). Tenho pressa zero para voltar, mas se eu tivesse dado uma forçadinha já estava no ar. Não recebi ainda proposta para voltar. Agora, quero voltar. Chega de ficar à toa”.

Para Milton, um dos seus únicos arrependimentos na vida foi o exagero nas horas dedicadas ao trabalho que acarretaram em menos tempo ao lado da família. O jornalista tem três filhos e duas netas. O jornalista já transferiu todos os seus bens imóveis para os nomes deles. “Tudo é dos meus filhos hoje. Eles levaram um susto quando viram a relação de imóveis no Brasil e exterior”.

‘Inveja é o mau hálito da alma’, diz Milton Neves

Milton teve um papel relevante na formação de novos jornalistas, mas guarda na memória más recordações pela forma como foi tratado por alguns desses profissionais que ele ajudou. “Tenho decepções muito grandes. Tem narrador, apresentadora que me copia até hoje... A inveja é o mau hálito da alma”, pontua. Um dos mais gratos, considera Milton, é o ex-jogador José Ferreira Neto, ídolo do Corinthians e apresentador da Band, que herdou o horário do antigo “Terceiro Tempo” com o “Apito Final”, nas noites de domingo.

“Eu inventei uns 30 para a televisão e o rádio - como me inventaram também -, e o mais grato é o Neto. Ele tem o público dele, a ‘coritianada’ adora ele. O Neto é um cara muito sincero. Quando eu estava na Record, ele me pediu para comentar: ‘Milton, me ajuda. Você coloca ex-jogadores no programa, me coloca também’. Fui falar com o bispo Honorilton Gonçalves, que negou. No dia seguinte, fomos comunicados que o Robinho não poderia comparecer no programa, então o bispo falou para colocar o Neto. O programa foi um sucesso de audiência, porque teve o Eurico Miranda, Neto e Oscar Roberto Godoi. Na segunda-feira, o bispo mandou contratar o Neto. Ele (Neto) faria por mim qualquer coisa que ele pudesse”, afirma o experiente jornalista.

Milton Neves analisa seleção brasileira e alfineta Neymar

Milton Neves não poupa elogios ao técnico da seleção brasileira, Dorival Júnior, tampouco evita críticas mais severas à atuação da equipe nas Eliminatórias da Copa do Mundo. “A seleção brasileira hoje é uma Bolívia em má fase. E o Dorival Júnior não tem culpa nenhuma. Não tem quem convocar. É o pior momento de um técnico em questão de opção. Está difícil a situação do treinador.”

Uma das soluções para o Brasil seria o retorno de Neymar, que está se recuperando de grave lesão de joelho? Para Milton Neves, o tempo do jogador do Al-Hilal já passou.

Neymar já era. Fui o sujeito que mais apoiou o Neymar. Ele não é benquisto. Por isso, comparar Pelé com Neymar é igual comprar Nova York com Muzambinho (cidade no Sul de Minas Gerais, onde nasceu o jornalista).

Milton Neves

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Jornalista afirma que recebeu pedido especial de Edinho, filho do Rei do Futebol, durante o velório.

Sobre o Santos, seu time de coração, que luta para sair da Série B do Campeonato Brasileiro e retornar à elite do futebol nacional, Milton se limita a dizer que o clube vive uma situação “triste” após citar por completo uma das escalações históricas do time alvinegro nos anos 1960. A morte de Pelé, em dezembro de 2022, foi muito simbólica para o jornalista. Em um dos momentos mais emotivos de sua fala, contou sobre o pedido que recebeu de Edinho, filho do Rei do Futebol, para colocar sobre o caixão as bandeiras do Santos e do Brasil. “Eu não parava de chorar. Falaram que eu fui lá para faturar prestígio do Pelé morto. Como podem imaginar isso? Eu não sou ator. Pelé e Deus me nortearam na vida”.

Milton Neves conversa com Edinho durante o velório de Pelé, na Vila Belmiro. Foto: Alex Silva/Estadão

O escrete do rádio para Milton Neves

A pedido da reportagem, o jornalista escolheu a sua equipe ideal para uma transmissão de rádio. Como narrador, citou Fiori Gigliotti (do famoso “Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo”), mas optou pelo “pai da matéria”, Osmar Santos, que o ajudou a conquistar um espaço na equipe de esportes da Jovem Pan em seu início de carreira. O melhor comentarista: Mário Moraes, jornalista de grande sucesso na rádio e TV paulistana nas décadas de 1960 e 1970. Para a reportagem de campo, Milton apontou Juarez Soares, que foi vereador e secretário de esportes de São Paulo na gestão de Luiza Erundina. Dos indicados pelo apresentador, somente Osmar Santos está vivo.

Seu navegador não suporta esse video.

Jornalista se emociona ao lembrar esforço da tia para lhe presentear com um rádio de pilha.

Milton desenvolveu seu espírito de comunicador com o rádio como aliado. Desde a infância, passava horas escutando jogos de futebol e, por causa de uma frase bastante pretenciosa, dita diante de quem viria a ser seu sogro, traçou um desafio para provar sua competência na área e conquistar a confiança da família da mulher.

Milton Neves diz que não recebeu ofertas até o momento, mas espera em breve estar em uma emissora. Foto: Leo Souza/Estadão

“Quando eu trabalhava na Rádio Continental de Muzambinho, eu ganhava algo como R$ 20 ou R$ 25 em dinheiro de hoje. Minha função era dar a hora certa. Eu ia ao bar Pinguim, do Hélio Magnoni - que viria a ser meu sogro e não queria de jeito nenhum que eu fosse seu genro -, e só tinha dinheiro para comprar um quibe ou um pastel. Eu ficava ali mordiscando e ouvindo a conversa fiada dos outros. Certa vez, estava tocando ali no bar, no rádio, ‘Sentimental Demais’, do Altemar Dutra, e falei para o meu sogro: ‘Ainda vou trabalhar na Bandeirantes’. Ele riu tanto e falou: ‘Você vai, sim, vai limpar as privadas de lá'. Mas não foi na maldade”, contou Milton.

O mesmo radinho que o impulsionou e o tornou um fã do Santos e de Pelé, Milton guarda ao lado da cabeceira da cama. “ Tinha dificuldade até para comprar pilha. Ele vale ouro para mim. Minha tia Antônia pediu empréstimo para comprá-lo. Um dia perdi o rádio, e ela ficou com muita pena. Ainda estava pagando o primeiro, mas pediu outro empréstimo e comprou o segundo”, relatou o jornalista com a voz embargada, segurando as lágrimas que o fizeram se tornar “cada vez mais sentimental”.

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Jornalista recebeu o Estadão em sua casa, em Santana do Parnaíba, e falou sobre o afastamento da televisão.

O jornalista Milton Neves está alijado das suas maiores paixões. Comunicador nato, aos 73 anos, deixou o rádio e a televisão há quase um ano para cuidar da saúde mental e da depressão que lhe abateu após a morte da mulher, Lenice Neves, em agosto de 2020, vítima de câncer. Polivalente, o “vendedor de passados” - como se intitula - tem planos para o futuro, pretende voltar à mídia em breve, mas não esconde as emoções, boas e ruins, que tomaram conta de sua vida nos últimos anos.

Ninguém faz rádio esportivo melhor do que eu no mundo.

Milton Neves, jornalista.

“Pode pegar o bom da Itália, da Espanha, que não é o Milton Neves. Eu que me afastei do trabalho. Fiz uma carta de despedida da Band abrindo mão de todos os direitos que por ventura pudesse ter”, contou o jornalista em entrevista ao Estadão, em sua casa, em Santana de Parnaíba, no bairro de Alphaville, na região metropolitana de São Paulo.

Milton Neves está afastado da mídia, mas pretende voltar em breve. Foto: Leo Souza/Estadão

Desde que saiu da emissora do Morumbi, Milton diz que evita acompanhar seus antigos programas e substitutos. O jornalista vive na presença de alguns funcionários, tem um dos três filhos como vizinho no condomínio e dedica horas de seu dia a cuidar da sua empresa de publicidade, além de desfrutar da companhia da cadela Helen. Ele também faz da internet um passatempo. Em suas redes sociais, publica fotos, vídeos, opiniões, polêmicas e aproveita para fazer de um seus grandes amigos, o também jornalista Mauro Beting, alvo de suas brincadeiras digitais. “Barbeiro”, como diz, largou o volante e se desloca para o escritório e outros locais em carros de aplicativo.

Milton diz que não está totalmente recuperado da depressão. “Ainda não sarei e não vou sarar nunca. De 100% da depressão, já estou quase 50%. Mas esquecer...”, disse soluçando. “Domingo passado foi aniversário dela (Lenice). Só tive uma namorada e mulher na vida. Falo o nome dela 50 vezes por dia, converso sempre. Tem gente que me dá dura: ‘Deixa ela descansar’. Uma coisa é certa: não vou casar de novo, acho que é traição”, afirma consternado.

Milton Neves e Helen, a cachorrinha da família. Foto: Leo Souza/Estadão

No entanto, o jornalista pensa em retomar a carreira nos próximos meses. Ele acredita que quando oficializar sua volta ao mercado, não faltarão convites. “Eu não me ofereço (para outras empresas). Tenho pressa zero para voltar, mas se eu tivesse dado uma forçadinha já estava no ar. Não recebi ainda proposta para voltar. Agora, quero voltar. Chega de ficar à toa”.

Para Milton, um dos seus únicos arrependimentos na vida foi o exagero nas horas dedicadas ao trabalho que acarretaram em menos tempo ao lado da família. O jornalista tem três filhos e duas netas. O jornalista já transferiu todos os seus bens imóveis para os nomes deles. “Tudo é dos meus filhos hoje. Eles levaram um susto quando viram a relação de imóveis no Brasil e exterior”.

‘Inveja é o mau hálito da alma’, diz Milton Neves

Milton teve um papel relevante na formação de novos jornalistas, mas guarda na memória más recordações pela forma como foi tratado por alguns desses profissionais que ele ajudou. “Tenho decepções muito grandes. Tem narrador, apresentadora que me copia até hoje... A inveja é o mau hálito da alma”, pontua. Um dos mais gratos, considera Milton, é o ex-jogador José Ferreira Neto, ídolo do Corinthians e apresentador da Band, que herdou o horário do antigo “Terceiro Tempo” com o “Apito Final”, nas noites de domingo.

“Eu inventei uns 30 para a televisão e o rádio - como me inventaram também -, e o mais grato é o Neto. Ele tem o público dele, a ‘coritianada’ adora ele. O Neto é um cara muito sincero. Quando eu estava na Record, ele me pediu para comentar: ‘Milton, me ajuda. Você coloca ex-jogadores no programa, me coloca também’. Fui falar com o bispo Honorilton Gonçalves, que negou. No dia seguinte, fomos comunicados que o Robinho não poderia comparecer no programa, então o bispo falou para colocar o Neto. O programa foi um sucesso de audiência, porque teve o Eurico Miranda, Neto e Oscar Roberto Godoi. Na segunda-feira, o bispo mandou contratar o Neto. Ele (Neto) faria por mim qualquer coisa que ele pudesse”, afirma o experiente jornalista.

Milton Neves analisa seleção brasileira e alfineta Neymar

Milton Neves não poupa elogios ao técnico da seleção brasileira, Dorival Júnior, tampouco evita críticas mais severas à atuação da equipe nas Eliminatórias da Copa do Mundo. “A seleção brasileira hoje é uma Bolívia em má fase. E o Dorival Júnior não tem culpa nenhuma. Não tem quem convocar. É o pior momento de um técnico em questão de opção. Está difícil a situação do treinador.”

Uma das soluções para o Brasil seria o retorno de Neymar, que está se recuperando de grave lesão de joelho? Para Milton Neves, o tempo do jogador do Al-Hilal já passou.

Neymar já era. Fui o sujeito que mais apoiou o Neymar. Ele não é benquisto. Por isso, comparar Pelé com Neymar é igual comprar Nova York com Muzambinho (cidade no Sul de Minas Gerais, onde nasceu o jornalista).

Milton Neves

Seu navegador não suporta esse video.

Jornalista afirma que recebeu pedido especial de Edinho, filho do Rei do Futebol, durante o velório.

Sobre o Santos, seu time de coração, que luta para sair da Série B do Campeonato Brasileiro e retornar à elite do futebol nacional, Milton se limita a dizer que o clube vive uma situação “triste” após citar por completo uma das escalações históricas do time alvinegro nos anos 1960. A morte de Pelé, em dezembro de 2022, foi muito simbólica para o jornalista. Em um dos momentos mais emotivos de sua fala, contou sobre o pedido que recebeu de Edinho, filho do Rei do Futebol, para colocar sobre o caixão as bandeiras do Santos e do Brasil. “Eu não parava de chorar. Falaram que eu fui lá para faturar prestígio do Pelé morto. Como podem imaginar isso? Eu não sou ator. Pelé e Deus me nortearam na vida”.

Milton Neves conversa com Edinho durante o velório de Pelé, na Vila Belmiro. Foto: Alex Silva/Estadão

O escrete do rádio para Milton Neves

A pedido da reportagem, o jornalista escolheu a sua equipe ideal para uma transmissão de rádio. Como narrador, citou Fiori Gigliotti (do famoso “Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo”), mas optou pelo “pai da matéria”, Osmar Santos, que o ajudou a conquistar um espaço na equipe de esportes da Jovem Pan em seu início de carreira. O melhor comentarista: Mário Moraes, jornalista de grande sucesso na rádio e TV paulistana nas décadas de 1960 e 1970. Para a reportagem de campo, Milton apontou Juarez Soares, que foi vereador e secretário de esportes de São Paulo na gestão de Luiza Erundina. Dos indicados pelo apresentador, somente Osmar Santos está vivo.

Seu navegador não suporta esse video.

Jornalista se emociona ao lembrar esforço da tia para lhe presentear com um rádio de pilha.

Milton desenvolveu seu espírito de comunicador com o rádio como aliado. Desde a infância, passava horas escutando jogos de futebol e, por causa de uma frase bastante pretenciosa, dita diante de quem viria a ser seu sogro, traçou um desafio para provar sua competência na área e conquistar a confiança da família da mulher.

Milton Neves diz que não recebeu ofertas até o momento, mas espera em breve estar em uma emissora. Foto: Leo Souza/Estadão

“Quando eu trabalhava na Rádio Continental de Muzambinho, eu ganhava algo como R$ 20 ou R$ 25 em dinheiro de hoje. Minha função era dar a hora certa. Eu ia ao bar Pinguim, do Hélio Magnoni - que viria a ser meu sogro e não queria de jeito nenhum que eu fosse seu genro -, e só tinha dinheiro para comprar um quibe ou um pastel. Eu ficava ali mordiscando e ouvindo a conversa fiada dos outros. Certa vez, estava tocando ali no bar, no rádio, ‘Sentimental Demais’, do Altemar Dutra, e falei para o meu sogro: ‘Ainda vou trabalhar na Bandeirantes’. Ele riu tanto e falou: ‘Você vai, sim, vai limpar as privadas de lá'. Mas não foi na maldade”, contou Milton.

O mesmo radinho que o impulsionou e o tornou um fã do Santos e de Pelé, Milton guarda ao lado da cabeceira da cama. “ Tinha dificuldade até para comprar pilha. Ele vale ouro para mim. Minha tia Antônia pediu empréstimo para comprá-lo. Um dia perdi o rádio, e ela ficou com muita pena. Ainda estava pagando o primeiro, mas pediu outro empréstimo e comprou o segundo”, relatou o jornalista com a voz embargada, segurando as lágrimas que o fizeram se tornar “cada vez mais sentimental”.

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