O Flamengo está perto de vender o meio-campista Max, de 20 anos, que defendeu o Cuiabá no Brasileirão, ao Colorado Rapids, da Major League Soccer. Artilheiro e líder de assistências do Botafogo na Série B, o atacante Rafael Navarro, de 21 anos, é alvo do Minnesota United e pode ter o mesmo destino. Os dois jovens jogadores fazem parte do novo perfil de contratações da liga americana de futebol. No primeiro semestre, o New York City contratou os atacantes Thiago, do Bahia, e Talles Magno, do Vasco, enquanto o Cincinnati FC assinou com Brenner, do São Paulo.
O interesse de clubes dos Estados Unidos em jovens que se destacaram no futebol brasileiro tem se intensificado e mostra um novo destino para as revelações, tendo em vista que a pegada adotada pelos clubes americanos na busca por reforços se transformou nos últimos anos, deixando de lado os atletas mais veteranos e contratando garotos ainda em afirmação.
"Os clubes norte-americanos mudaram a filosofia de trabalho. Antes, eles apostavam em atletas renomados, mas agora enxergam a contratação de jovens revelações como sinônimo de bons resultados esportivos e econômicos. A tendência é que cada vez mais os talentos brasileiros sejam negociados com clubes da MLS, é uma liga bem estruturada e muito forte economicamente", explica Júnior Chávare, atual gerente de futebol profissional do Bahia, que atuou durante 25 anos na formação de jovens atletas.
Boas receitas e investimentos altos
O contexto econômico é um dos principais fatores que torna a MLS um destino oportuno para promessas de campeonatos financeiramente mais frágeis, como o brasileiro. A média de público não deixa a desejar nos EUA. Em 2019, foi de aproximadamente 21 mil torcedores por jogo, enquanto a do Brasileirão, por exemplo, esteve na casa dos 22 mil. O ingresso médio de uma partida de futebol da MLS, baseado em levantamento realizado pela Forbes, gira em torno de US$ 48 (R$ 269), totalizando uma receita anual de US$ 650 milhões (R$ 3,64 bilhões) em bilheteria. Sendo assim, ao incluir as cotas de TV e de publicidade, o faturamento anual da liga atinge números próximos a US$ 1 bilhão (R$ 5,6 bi).
Dentre os fatores que colaboraram para esse fortalecimento, cabe ressaltar os mecanismos criados pela própria MLS para incentivar a contratação de jovens jogadores espalhados pelo mundo. Com o intuito de nivelar a competição, a liga criou a ferramenta "Designated Players", na qual apenas poucos atletas de cada equipe poderiam ultrapassar valores salariais acima do teto estipulado pela organização. Em 2012, porém, foi adicionado um adendo à regra, o "Young Designated Player", e ficou estabelecido que os atletas com idade entre 21 e 23 anos, mesmo que recebam salários exorbitantes, entram para o teto salarial da liga com o valor de US$ 200 mil mensais, o equivalente a R$ 1,1 milhão por mês. Para jogadores com 20 anos ou menos, como é o caso do atacante Talles Magno, o registro é de US$ 150 mil, que dá R$ 828 mil.
Sendo assim, a escolha por jogadores mais jovens abre espaço no orçamento das equipes. Além disso, o lucro resultante da venda desses atletas fica apenas para a franquia, o que não ocorre nas outras negociações, em que os recursos oriundos das transações são passados para a liga e distribuídos para todos os clubes do torneio. A contratação de jovens estrangeiros é facilitada por dois aspectos principais: o poder financeiro obtido pela MLS e pelos clubes, por meio de bilheterias, patrocínios e direitos de transmissão, e as vantagens propiciadas aos times na flexibilização das dinâmicas de controle da competição.
Ponte para a Europa
"Como a venda desses jogadores fica para as franquias, as negociações entre clubes europeus e norte-americanos serão cada vez mais frequentes. A MLS é um local propício à adaptação de sul-americanos, tendo em vista que o contraste da América do Norte com a América do Sul é menor do que o da Europa. Além disso, o atleta aprende um novo idioma e se adequa a um novo clima em um país diferente. Esses fatores colaboram para que o jogador chegue ao futebol europeu mais bem preparado", afirma Marcelo Segurado, executivo de futebol formado em Geografia e Sociologia com mais de 20 anos de atuação no mundo futebolístico.
O meia paraguaio Miguel Almirón seguiu o caminho citado por Segurado. Após deixar o clube argentino Lanús, em 2017, ele foi comprado pelo Atlanta United por 7,5 milhões de euros aos 22 anos. Após duas temporadas e o título da MLS, Almirón foi vendido ao Newcastle, da Inglaterra, por 24 milhões de euros - três vezes mais o valor inicial.
Segundo Renê Salviano, profissional de marketing esportivo, a decisão de contratar atletas novos que podem ser revendidos para clubes europeus faz parte do planejamento de expansão da liga dos EUA, e começou a ser preparada há alguns anos. "A MLS é altamente profissional. A estratégia de trazer grandes ídolos para buscar audiência começou a ser trocada pela contratação de atletas promissores com possibilidade de revenda para outros mercados mundiais. Pela organização que eles possuem, com certeza este planejamento existe há algum tempo e somente agora está sendo colocado em prática", diz Salviano.
Nesse cenário, a MLS deixou de ser apenas um destino de atletas prestes a se aposentar e se tornou um caminho a ser seguido pelas novas promessas. A tendência é que a liga se estabeleça progressivamente como uma potência do futebol mundial, ou pelo menos com maior visibilidade, importando e exportando jovens talentos de diferentes países. A mentalidade dos clubes e da liga se transformou para que o processo de expansão do torneio seja acelerado, com o intuito de conquistar resultados esportivos satisfatórios e ampliar a relevância internacional da principal liga americana. Dessa forma, há a necessidade de o mercado europeu acompanhar mais de perto o futebol nos EUA.
A decisão da Major League Soccer será neste sábado entre New York FC e Portland Timbers.