Mundo do futebol silencia sobre casos de Robinho e Daniel Alves; saiba os motivos


Procurados pelo “Estadão”, CBF e alguns clubes se recusam a se pronunciar sobre as acusações, que geraram uma condenação e uma prisão; especialistas analisam

Por Eugenio Goussinsky
Atualização:

Em um ano, dois jogadores brasileiros famosos foram acusados pela Justiça por estupro. Eles defenderam clubes importantes e a própria seleção brasileira em Copas do Mundo. Mesmo assim, o futebol nacional se calou sobre o assunto. As discussões foram feitas fora das entidades e das agremiações. Ninguém quis se envolver.

Robinho foi condenado pela Justiça italiana a nove anos de prisão, acusado por crime ocorrido em 2013 em uma boate em Milão. A condenação veio em 19 janeiro de 2022, mas Robinho permanece no Brasil, sem cumprir a pena por não existir tratado de extradição entre os dois países. Há a possibilidade de a pena ser executada no País. Já Daniel Alves está preso desde 20 de janeiro deste ano, em Barcelona, sob a acusação de ter estuprado uma jovem em 30 de dezembro de 2022, em uma boate na cidade espanhola. Ele ainda será julgado.

As acusações envolvem dois atletas renomados, o que pode ser um sinal de alerta sobre como o meio futebolístico do País, em geral, lida com questões como machismo e o respeito às mulheres. Uma mulher é estuprada a cada duas horas no Brasil, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2021. Nestas duas situações, entre outras menos conhecidas, também prevalece o silêncio da grande maioria dos jogadores e daqueles que trabalham nas entidades de futebol.

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Daniel Alves está preso desde 20 de janeiro deste ano sob acusação de estupro e Robinho foi condenado pelo crime na Itália Foto: Henry Romero/Reuters e Ivan Storti/Santos FC

Para Priscila Pâmela Santos, advogada criminal e coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, a recusa em criticar a atitude dos dois jogadores, que negam as acusações, ainda reflete o machismo vigente em grande parte da sociedade e que desconsidera o sofrimento das vítimas. O Brasil, em 2021, registrou um estupro a cada 10 minutos e um feminicídio a cada sete horas, conforme apontou estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

“Falar sobre o tema é assumir posição, é ter lado, é combater ações misóginas. O contrário é ser conivente e, infelizmente, grande parcela da sociedade ainda naturaliza a violência contra a mulher. No futebol, soma-se a essa naturalização o status de poder. O resultado é nefasto”.

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NEGATIVA DAS ENTIDADES

A reportagem do Estadão entrou em contato com alguns dos principais clubes do futebol brasileiro, como Corinthians, Flamengo, Santos, São Paulo, Palmeiras, Grêmio e Goiás e nenhum deles aceitou comentar sobre o assunto. Nem como argumento para educar seus atletas da base e do profissional. Trataram o tema como um tabu. Algumas respostas vieram com teor muito particular, como “qual seria a relação do nosso clube com esses dois atletas citados?”

Em outra, após a negativa sobre o tema, alguns questionamentos apontam uma preocupação: “algum outro clube deu retorno para você?” Um terceiro direcionamento sobre os casos de estupro foi bastante enfático, com uma declaração em tom revoltado e seco, como se estivesse se sentindo ofendido: “Nenhum jogador do clube vai falar sobre o assunto”.

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Um dos questionamentos que a reportagem se propôs a fazer era se há, de fato, alguma obrigação da comunidade futebolística de se manifestar sobre o que aconteceu com Robinho e Daniel Alves. “Obrigação legal de falar, eles não têm. A obrigação aqui é cívica, de cidadania, a demonstrar ao mundo, já que essas pessoas têm espaço de escuta muito elevado, que são contrários às práticas abjetas consistentes na violência contra a mulher. Seria mostrar compromisso com o enfrentamento dessa violência que vitima mulheres a cada minuto. Mas, infelizmente, os jogadores têm fugido desse compromisso”, ressalta Priscila.

Até a CBF, representante de todos os clubes, quando questionada, também não deu retorno e jamais publicou nota sobre os acontecimentos, que envolveram jogadores que já defenderam a seleção. Daniel esteve na Copa do Mundo do Catar, em 2022, sob o comando de Tite. Outros três clubes também não se interessaram em dar retorno aos pedidos do Estadão. O silêncio foi generalizado. E é um direito de todos eles.

Mesmo os áudios que comprometem ainda mais Robinho, divulgados recentemente por um podcast do Uol, além de uma condenação na Itália, não motivaram o meio esportivo no Brasil a tratar do assunto. Parece tema proibido entre atletas, clubes e entidades esportivas. De ex-jogadores, apenas Walter Casagrande se posicionou.

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Assim como Robinho, Daniel Alves teve passagem vitoriosa pela seleção; CBF não quis comentar os casos Foto: Alex Silva / Estadão

ESPAÇO DE RESPEITO

Priscila considera que seria importante os jogadores e os que atuam no futebol se colocarem publicamente contra os crimes de violência sexual, até para, dentro de uma função social, desvincularem a imagem de parte do futebol desse tipo de situação. “Com certeza seria importante. O ponto é que eles precisarão adequar o discurso, caso haja manifestação contrária à prática (de violência sexual). E realmente não sabemos o quanto a classe está pronta para abrir mão desse espaço violento de poder para a construção de um espaço de respeito e igualdade”, diz.

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O silêncio nos casos de violência sexual é uma atitude que difere das reações aos diversos casos de racismo que têm ocorrido, quando há um discurso de repúdio, em defesa do jogador que foi vítima dos insultos. Como ocorreu com Vini Jr. na Espanha. Tal situação é saudável, mas deveria também se espalhar para outros problemas graves da sociedade ainda pouco valorizados pelos atletas, conforme afirma Priscila.

“Não há nenhuma contradição nisso porque o racismo os afeta diretamente. Eles, homens, estão sendo vitimados, de modo que faz todo sentido a comoção de outros homens. Há empatia, há a compreensão a partir do lugar do outro, ao passo que em crimes contra a mulher não há. A empatia se dá a favor dos agressores”, diz.

Na opinião de Luiz Fellipe Almeida, psicanalista e mestre em psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP, o silêncio dos jogadores no caso se insere numa normalização cultural mais ampla da própria sociedade brasileira em relação à violência contra a mulher. “Historicamente, o Brasil é um país eminentemente violento, em diversos níveis sociais, não apenas no que diz respeito a crimes sexuais, mas também em outros domínios, violência que se articula a uma fragilidade das leis, que, por sua vez, nos representa como sociedade.”

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O psicanalista destaca que essa normalização de práticas violentas distancia as próprias jogadoras, do futebol feminino, de fazerem críticas a Robinho ou a Daniel Alves. “Talvez a normalização desse tipo de crime no Brasil pese em alguma medida, o que acaba por deixar não apenas jogadores e jogadoras distantes de uma problematização social do assunto, mas também a sociedade como um todo”.

Então presidente do Santos, Orlando Rollo, desistiu da contratação de Robinho após ser pressionado Foto: Reprodução/ Twitter Santos FC

POSICIONAMENTO

Para Almeida, seria vital que o trabalho do psicólogo do Esporte desse prioridade à conscientização dos jogadores para casos graves de comportamento, até porque muitos dos quais tiveram pouco acesso à educação formal, em relação a questões cívicas e humanitárias. E não apenas busque o aspecto motivacional de campo. “De fato, a conscientização política sobre o papel social que representa um jogador de futebol brasileiro deveria constituir uma preocupação central deste trabalho”, observa.

Cabe também à categoria dos jogadores, neste sentido, buscar instrumentos para compreender a importância do combate à violência e aos crimes sexuais, ressalta Almeida. Só assim a situação irá começar a mudar. “Os jogadores, mais do que as jogadoras, deveriam estar mais atentos à importância cultural e social que sua profissão tem no Brasil. Não apenas por terem mais visibilidade, mas também porque a desconstrução do machismo implica igualmente”, afirma.

Dos atletas procurados pela reportagem, o único representante do futebol que aceitou dar um depoimento sobre o caso foi o ex-jogador Renato, conhecido como “Pé Murcho”, que já atuou, entre outros clubes, no São Paulo e Guarani, tendo feito parte do elenco brasileiro na Copa do Mundo de 1982.

Ele admitiu que o meio não gosta de falar sobre o tema e deu uma explicação para isso. “É um assunto delicado, que tem de ser levado com muito cuidado. Os jogadores não gostam de falar porque há o medo de que possa ser revelada alguma inocência no futuro (no caso de Daniel Alves). Nunca vi situações assim durante a minha carreira. Mas, se for comprovada a culpa, é justo que paguem como qualquer um, seja jogador ou não”, diz.

Entre os jogadores do atual grupo da seleção, apenas Danilo fez um comentário sobre Daniel Alves na última Data Fifa, quando o Brasil disputou dois amistosos na Europa, no começo de junho. “Vou falar por mim. É um assunto delicado. Não tenho muito como opinar. Penso muito no ser humano, na empatia, no amor entre as pessoas, é uma coisa que guia muito minha vida e minhas decisões”, afirmou. “Se é certo ou errado, culpado ou não, não cabe à mim, cabe à Justiça e está sendo feito”, acrescentou.

Em um ano, dois jogadores brasileiros famosos foram acusados pela Justiça por estupro. Eles defenderam clubes importantes e a própria seleção brasileira em Copas do Mundo. Mesmo assim, o futebol nacional se calou sobre o assunto. As discussões foram feitas fora das entidades e das agremiações. Ninguém quis se envolver.

Robinho foi condenado pela Justiça italiana a nove anos de prisão, acusado por crime ocorrido em 2013 em uma boate em Milão. A condenação veio em 19 janeiro de 2022, mas Robinho permanece no Brasil, sem cumprir a pena por não existir tratado de extradição entre os dois países. Há a possibilidade de a pena ser executada no País. Já Daniel Alves está preso desde 20 de janeiro deste ano, em Barcelona, sob a acusação de ter estuprado uma jovem em 30 de dezembro de 2022, em uma boate na cidade espanhola. Ele ainda será julgado.

As acusações envolvem dois atletas renomados, o que pode ser um sinal de alerta sobre como o meio futebolístico do País, em geral, lida com questões como machismo e o respeito às mulheres. Uma mulher é estuprada a cada duas horas no Brasil, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2021. Nestas duas situações, entre outras menos conhecidas, também prevalece o silêncio da grande maioria dos jogadores e daqueles que trabalham nas entidades de futebol.

Daniel Alves está preso desde 20 de janeiro deste ano sob acusação de estupro e Robinho foi condenado pelo crime na Itália Foto: Henry Romero/Reuters e Ivan Storti/Santos FC

Para Priscila Pâmela Santos, advogada criminal e coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, a recusa em criticar a atitude dos dois jogadores, que negam as acusações, ainda reflete o machismo vigente em grande parte da sociedade e que desconsidera o sofrimento das vítimas. O Brasil, em 2021, registrou um estupro a cada 10 minutos e um feminicídio a cada sete horas, conforme apontou estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

“Falar sobre o tema é assumir posição, é ter lado, é combater ações misóginas. O contrário é ser conivente e, infelizmente, grande parcela da sociedade ainda naturaliza a violência contra a mulher. No futebol, soma-se a essa naturalização o status de poder. O resultado é nefasto”.

NEGATIVA DAS ENTIDADES

A reportagem do Estadão entrou em contato com alguns dos principais clubes do futebol brasileiro, como Corinthians, Flamengo, Santos, São Paulo, Palmeiras, Grêmio e Goiás e nenhum deles aceitou comentar sobre o assunto. Nem como argumento para educar seus atletas da base e do profissional. Trataram o tema como um tabu. Algumas respostas vieram com teor muito particular, como “qual seria a relação do nosso clube com esses dois atletas citados?”

Em outra, após a negativa sobre o tema, alguns questionamentos apontam uma preocupação: “algum outro clube deu retorno para você?” Um terceiro direcionamento sobre os casos de estupro foi bastante enfático, com uma declaração em tom revoltado e seco, como se estivesse se sentindo ofendido: “Nenhum jogador do clube vai falar sobre o assunto”.

Um dos questionamentos que a reportagem se propôs a fazer era se há, de fato, alguma obrigação da comunidade futebolística de se manifestar sobre o que aconteceu com Robinho e Daniel Alves. “Obrigação legal de falar, eles não têm. A obrigação aqui é cívica, de cidadania, a demonstrar ao mundo, já que essas pessoas têm espaço de escuta muito elevado, que são contrários às práticas abjetas consistentes na violência contra a mulher. Seria mostrar compromisso com o enfrentamento dessa violência que vitima mulheres a cada minuto. Mas, infelizmente, os jogadores têm fugido desse compromisso”, ressalta Priscila.

Até a CBF, representante de todos os clubes, quando questionada, também não deu retorno e jamais publicou nota sobre os acontecimentos, que envolveram jogadores que já defenderam a seleção. Daniel esteve na Copa do Mundo do Catar, em 2022, sob o comando de Tite. Outros três clubes também não se interessaram em dar retorno aos pedidos do Estadão. O silêncio foi generalizado. E é um direito de todos eles.

Mesmo os áudios que comprometem ainda mais Robinho, divulgados recentemente por um podcast do Uol, além de uma condenação na Itália, não motivaram o meio esportivo no Brasil a tratar do assunto. Parece tema proibido entre atletas, clubes e entidades esportivas. De ex-jogadores, apenas Walter Casagrande se posicionou.

Assim como Robinho, Daniel Alves teve passagem vitoriosa pela seleção; CBF não quis comentar os casos Foto: Alex Silva / Estadão

ESPAÇO DE RESPEITO

Priscila considera que seria importante os jogadores e os que atuam no futebol se colocarem publicamente contra os crimes de violência sexual, até para, dentro de uma função social, desvincularem a imagem de parte do futebol desse tipo de situação. “Com certeza seria importante. O ponto é que eles precisarão adequar o discurso, caso haja manifestação contrária à prática (de violência sexual). E realmente não sabemos o quanto a classe está pronta para abrir mão desse espaço violento de poder para a construção de um espaço de respeito e igualdade”, diz.

O silêncio nos casos de violência sexual é uma atitude que difere das reações aos diversos casos de racismo que têm ocorrido, quando há um discurso de repúdio, em defesa do jogador que foi vítima dos insultos. Como ocorreu com Vini Jr. na Espanha. Tal situação é saudável, mas deveria também se espalhar para outros problemas graves da sociedade ainda pouco valorizados pelos atletas, conforme afirma Priscila.

“Não há nenhuma contradição nisso porque o racismo os afeta diretamente. Eles, homens, estão sendo vitimados, de modo que faz todo sentido a comoção de outros homens. Há empatia, há a compreensão a partir do lugar do outro, ao passo que em crimes contra a mulher não há. A empatia se dá a favor dos agressores”, diz.

Na opinião de Luiz Fellipe Almeida, psicanalista e mestre em psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP, o silêncio dos jogadores no caso se insere numa normalização cultural mais ampla da própria sociedade brasileira em relação à violência contra a mulher. “Historicamente, o Brasil é um país eminentemente violento, em diversos níveis sociais, não apenas no que diz respeito a crimes sexuais, mas também em outros domínios, violência que se articula a uma fragilidade das leis, que, por sua vez, nos representa como sociedade.”

O psicanalista destaca que essa normalização de práticas violentas distancia as próprias jogadoras, do futebol feminino, de fazerem críticas a Robinho ou a Daniel Alves. “Talvez a normalização desse tipo de crime no Brasil pese em alguma medida, o que acaba por deixar não apenas jogadores e jogadoras distantes de uma problematização social do assunto, mas também a sociedade como um todo”.

Então presidente do Santos, Orlando Rollo, desistiu da contratação de Robinho após ser pressionado Foto: Reprodução/ Twitter Santos FC

POSICIONAMENTO

Para Almeida, seria vital que o trabalho do psicólogo do Esporte desse prioridade à conscientização dos jogadores para casos graves de comportamento, até porque muitos dos quais tiveram pouco acesso à educação formal, em relação a questões cívicas e humanitárias. E não apenas busque o aspecto motivacional de campo. “De fato, a conscientização política sobre o papel social que representa um jogador de futebol brasileiro deveria constituir uma preocupação central deste trabalho”, observa.

Cabe também à categoria dos jogadores, neste sentido, buscar instrumentos para compreender a importância do combate à violência e aos crimes sexuais, ressalta Almeida. Só assim a situação irá começar a mudar. “Os jogadores, mais do que as jogadoras, deveriam estar mais atentos à importância cultural e social que sua profissão tem no Brasil. Não apenas por terem mais visibilidade, mas também porque a desconstrução do machismo implica igualmente”, afirma.

Dos atletas procurados pela reportagem, o único representante do futebol que aceitou dar um depoimento sobre o caso foi o ex-jogador Renato, conhecido como “Pé Murcho”, que já atuou, entre outros clubes, no São Paulo e Guarani, tendo feito parte do elenco brasileiro na Copa do Mundo de 1982.

Ele admitiu que o meio não gosta de falar sobre o tema e deu uma explicação para isso. “É um assunto delicado, que tem de ser levado com muito cuidado. Os jogadores não gostam de falar porque há o medo de que possa ser revelada alguma inocência no futuro (no caso de Daniel Alves). Nunca vi situações assim durante a minha carreira. Mas, se for comprovada a culpa, é justo que paguem como qualquer um, seja jogador ou não”, diz.

Entre os jogadores do atual grupo da seleção, apenas Danilo fez um comentário sobre Daniel Alves na última Data Fifa, quando o Brasil disputou dois amistosos na Europa, no começo de junho. “Vou falar por mim. É um assunto delicado. Não tenho muito como opinar. Penso muito no ser humano, na empatia, no amor entre as pessoas, é uma coisa que guia muito minha vida e minhas decisões”, afirmou. “Se é certo ou errado, culpado ou não, não cabe à mim, cabe à Justiça e está sendo feito”, acrescentou.

Em um ano, dois jogadores brasileiros famosos foram acusados pela Justiça por estupro. Eles defenderam clubes importantes e a própria seleção brasileira em Copas do Mundo. Mesmo assim, o futebol nacional se calou sobre o assunto. As discussões foram feitas fora das entidades e das agremiações. Ninguém quis se envolver.

Robinho foi condenado pela Justiça italiana a nove anos de prisão, acusado por crime ocorrido em 2013 em uma boate em Milão. A condenação veio em 19 janeiro de 2022, mas Robinho permanece no Brasil, sem cumprir a pena por não existir tratado de extradição entre os dois países. Há a possibilidade de a pena ser executada no País. Já Daniel Alves está preso desde 20 de janeiro deste ano, em Barcelona, sob a acusação de ter estuprado uma jovem em 30 de dezembro de 2022, em uma boate na cidade espanhola. Ele ainda será julgado.

As acusações envolvem dois atletas renomados, o que pode ser um sinal de alerta sobre como o meio futebolístico do País, em geral, lida com questões como machismo e o respeito às mulheres. Uma mulher é estuprada a cada duas horas no Brasil, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2021. Nestas duas situações, entre outras menos conhecidas, também prevalece o silêncio da grande maioria dos jogadores e daqueles que trabalham nas entidades de futebol.

Daniel Alves está preso desde 20 de janeiro deste ano sob acusação de estupro e Robinho foi condenado pelo crime na Itália Foto: Henry Romero/Reuters e Ivan Storti/Santos FC

Para Priscila Pâmela Santos, advogada criminal e coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, a recusa em criticar a atitude dos dois jogadores, que negam as acusações, ainda reflete o machismo vigente em grande parte da sociedade e que desconsidera o sofrimento das vítimas. O Brasil, em 2021, registrou um estupro a cada 10 minutos e um feminicídio a cada sete horas, conforme apontou estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

“Falar sobre o tema é assumir posição, é ter lado, é combater ações misóginas. O contrário é ser conivente e, infelizmente, grande parcela da sociedade ainda naturaliza a violência contra a mulher. No futebol, soma-se a essa naturalização o status de poder. O resultado é nefasto”.

NEGATIVA DAS ENTIDADES

A reportagem do Estadão entrou em contato com alguns dos principais clubes do futebol brasileiro, como Corinthians, Flamengo, Santos, São Paulo, Palmeiras, Grêmio e Goiás e nenhum deles aceitou comentar sobre o assunto. Nem como argumento para educar seus atletas da base e do profissional. Trataram o tema como um tabu. Algumas respostas vieram com teor muito particular, como “qual seria a relação do nosso clube com esses dois atletas citados?”

Em outra, após a negativa sobre o tema, alguns questionamentos apontam uma preocupação: “algum outro clube deu retorno para você?” Um terceiro direcionamento sobre os casos de estupro foi bastante enfático, com uma declaração em tom revoltado e seco, como se estivesse se sentindo ofendido: “Nenhum jogador do clube vai falar sobre o assunto”.

Um dos questionamentos que a reportagem se propôs a fazer era se há, de fato, alguma obrigação da comunidade futebolística de se manifestar sobre o que aconteceu com Robinho e Daniel Alves. “Obrigação legal de falar, eles não têm. A obrigação aqui é cívica, de cidadania, a demonstrar ao mundo, já que essas pessoas têm espaço de escuta muito elevado, que são contrários às práticas abjetas consistentes na violência contra a mulher. Seria mostrar compromisso com o enfrentamento dessa violência que vitima mulheres a cada minuto. Mas, infelizmente, os jogadores têm fugido desse compromisso”, ressalta Priscila.

Até a CBF, representante de todos os clubes, quando questionada, também não deu retorno e jamais publicou nota sobre os acontecimentos, que envolveram jogadores que já defenderam a seleção. Daniel esteve na Copa do Mundo do Catar, em 2022, sob o comando de Tite. Outros três clubes também não se interessaram em dar retorno aos pedidos do Estadão. O silêncio foi generalizado. E é um direito de todos eles.

Mesmo os áudios que comprometem ainda mais Robinho, divulgados recentemente por um podcast do Uol, além de uma condenação na Itália, não motivaram o meio esportivo no Brasil a tratar do assunto. Parece tema proibido entre atletas, clubes e entidades esportivas. De ex-jogadores, apenas Walter Casagrande se posicionou.

Assim como Robinho, Daniel Alves teve passagem vitoriosa pela seleção; CBF não quis comentar os casos Foto: Alex Silva / Estadão

ESPAÇO DE RESPEITO

Priscila considera que seria importante os jogadores e os que atuam no futebol se colocarem publicamente contra os crimes de violência sexual, até para, dentro de uma função social, desvincularem a imagem de parte do futebol desse tipo de situação. “Com certeza seria importante. O ponto é que eles precisarão adequar o discurso, caso haja manifestação contrária à prática (de violência sexual). E realmente não sabemos o quanto a classe está pronta para abrir mão desse espaço violento de poder para a construção de um espaço de respeito e igualdade”, diz.

O silêncio nos casos de violência sexual é uma atitude que difere das reações aos diversos casos de racismo que têm ocorrido, quando há um discurso de repúdio, em defesa do jogador que foi vítima dos insultos. Como ocorreu com Vini Jr. na Espanha. Tal situação é saudável, mas deveria também se espalhar para outros problemas graves da sociedade ainda pouco valorizados pelos atletas, conforme afirma Priscila.

“Não há nenhuma contradição nisso porque o racismo os afeta diretamente. Eles, homens, estão sendo vitimados, de modo que faz todo sentido a comoção de outros homens. Há empatia, há a compreensão a partir do lugar do outro, ao passo que em crimes contra a mulher não há. A empatia se dá a favor dos agressores”, diz.

Na opinião de Luiz Fellipe Almeida, psicanalista e mestre em psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP, o silêncio dos jogadores no caso se insere numa normalização cultural mais ampla da própria sociedade brasileira em relação à violência contra a mulher. “Historicamente, o Brasil é um país eminentemente violento, em diversos níveis sociais, não apenas no que diz respeito a crimes sexuais, mas também em outros domínios, violência que se articula a uma fragilidade das leis, que, por sua vez, nos representa como sociedade.”

O psicanalista destaca que essa normalização de práticas violentas distancia as próprias jogadoras, do futebol feminino, de fazerem críticas a Robinho ou a Daniel Alves. “Talvez a normalização desse tipo de crime no Brasil pese em alguma medida, o que acaba por deixar não apenas jogadores e jogadoras distantes de uma problematização social do assunto, mas também a sociedade como um todo”.

Então presidente do Santos, Orlando Rollo, desistiu da contratação de Robinho após ser pressionado Foto: Reprodução/ Twitter Santos FC

POSICIONAMENTO

Para Almeida, seria vital que o trabalho do psicólogo do Esporte desse prioridade à conscientização dos jogadores para casos graves de comportamento, até porque muitos dos quais tiveram pouco acesso à educação formal, em relação a questões cívicas e humanitárias. E não apenas busque o aspecto motivacional de campo. “De fato, a conscientização política sobre o papel social que representa um jogador de futebol brasileiro deveria constituir uma preocupação central deste trabalho”, observa.

Cabe também à categoria dos jogadores, neste sentido, buscar instrumentos para compreender a importância do combate à violência e aos crimes sexuais, ressalta Almeida. Só assim a situação irá começar a mudar. “Os jogadores, mais do que as jogadoras, deveriam estar mais atentos à importância cultural e social que sua profissão tem no Brasil. Não apenas por terem mais visibilidade, mas também porque a desconstrução do machismo implica igualmente”, afirma.

Dos atletas procurados pela reportagem, o único representante do futebol que aceitou dar um depoimento sobre o caso foi o ex-jogador Renato, conhecido como “Pé Murcho”, que já atuou, entre outros clubes, no São Paulo e Guarani, tendo feito parte do elenco brasileiro na Copa do Mundo de 1982.

Ele admitiu que o meio não gosta de falar sobre o tema e deu uma explicação para isso. “É um assunto delicado, que tem de ser levado com muito cuidado. Os jogadores não gostam de falar porque há o medo de que possa ser revelada alguma inocência no futuro (no caso de Daniel Alves). Nunca vi situações assim durante a minha carreira. Mas, se for comprovada a culpa, é justo que paguem como qualquer um, seja jogador ou não”, diz.

Entre os jogadores do atual grupo da seleção, apenas Danilo fez um comentário sobre Daniel Alves na última Data Fifa, quando o Brasil disputou dois amistosos na Europa, no começo de junho. “Vou falar por mim. É um assunto delicado. Não tenho muito como opinar. Penso muito no ser humano, na empatia, no amor entre as pessoas, é uma coisa que guia muito minha vida e minhas decisões”, afirmou. “Se é certo ou errado, culpado ou não, não cabe à mim, cabe à Justiça e está sendo feito”, acrescentou.

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