O empresário Carlos Eduardo Fernandes, o Carlinhos, estava apreensivo. Era 15 de novembro de 2011 e faltavam poucas horas pra inauguração da estátua de Pelé em Santos. Ele tinha convidado o Rei, mas havia ouvido de Clodoaldo, lendário meio-campista do Santos, que seu ídolo não viria.
“Eu insisti que ele viria. Liguei pro Pelé, ele disse que iria vir”, conta Carlinhos. E Pelé foi mesmo. Aconselhado pela mãe, Celeste Arantes, que fazia aniversário naquele dia, cumpriu a promessa e apareceu na inauguração de seu monumento com o braço erguido, dando o soco no ar, uma simulação de sua mais famosa comemoração.
“Encontrei o Pelé e comecei a chorar. Ele disse: ‘pô, vai ficar chorando aí? Tu não é homem’”, recorda-se o comerciante, em conversa com o Estadão dentro de sua famosa padaria. Ele é dono de A Santista, tradicional reduto de torcedores e ex-jogadores do Santos.
O monumento foi erguido na praça em frente ao estabelecimento, na confluência das avenidas Almirante Cochrane e Epitácio Pessoa, entre a divisa dos bairros Aparecida e Embaré, no canal 5.
Partiu de Carlinhos a ideia de erguer a estátua. Chateado com as parcas homenagens a Pelé na cidade do time em que o astro fez história, o empresário convenceu dois amigos investidores a pagar pelo busto, que custou R$ 12 mil. “Cada um deu R$ 6 mil”, conta.
O movimento na tradicional padaria sempre é intenso. Carlinhos é uma celebridade na cidade. Uma figura popular, amigo de todos, desde político aos clientes ébrios que só deixam o local expulsos. Mas nos últimos dias aumentou ainda mais por causa da morte de Pelé.
Ex-jogadores do Santos passaram a se reencontrar na padaria nos dias que sucederam a morte do Rei. O goleiro Carlos Pierin, o Lalá, e os ex-atacantes Serginho Chulapa e Aluísio Guerreiro, pai de Júnior Moraes, hoje no Corinthians, estiveram na padoca de Carlinhos para mais uma vez reverenciar o ídolo e amigo Pelé.
Carlinhos também tem recebido repórteres estrangeiros ávidos para saber curiosidades da vida de Pelé. Quando o dono da padaria está muito ocupado, escala um amigo para lhe ajudar. Foi o que aconteceu quando um jornalista francês o abordou.
As paredes da padaria de Carlinhos, um homem de estatura média e quase sempre vestindo o uniforme do Santos, do Boné ao calção, são todas decoradas com imagens alusivas ao Santos, entre fotos, pôsteres, faixas e símbolos.
Pelé raramente fazia aparições públicas não planejadas. Mas na padaria de Carlinhos ele foi mais de uma vez. Além do dia em que seu busto foi revelado, esteve na celebração de um aniversário duplo dos amigos Pepe e Dorval, outros ídolos do Santos. O local foi fechado para não haver tumulto.
“Foi há uns oito anos. Ele já estava de bengala. Veio, sentou, levantou a bengala e falou: ‘hoje não vou tomar whisky, só pingão, brincando’”, diz Carlinhos. “Mas só tomou água. Ele não bebia em público, só em casa”.
Depois daquela ocasião, a padaria não teve mais a honra de receber Pelé. Mas ele sempre fazia questão de passar perto do local quando ia visitar a mãe no Natal. “Ele passava em frente à padaria gritando: ‘é o Santos. Vamos, Carlinhos’. A padaria vinha abaixo. Gerava muito comentário. Até os bêbados levantavam”.
Carlinhos é acelerado. Gosta de conversar, mas não por muito tempo. Sempre tem algo pra resolver e não para de trabalhar, ainda que seu semblante denuncie tristeza. Ele sofreu dois baques recentes. Há três anos, perdeu a filha, vítima de esclerose lateral amiotrófica. Agora, não tem mais o ídolo.
“Perdemos o futebol. Não tem mais alegria. O futebol parou”, define enquanto algumas lágrimas escapam. “Não vai existir nada parecido. Ele era tudo. Humilde, gênio, fora de série”.