Cristiano Ronaldo, Neymar, Karim Benzema, Sadio Mané e outros craques foram atraídos pelo projeto da Arábia Saudita de transformar o país em um polo esportivo mundial. Amplamente discutidas as intenções da nação do Oriente Médio com tal movimento, surge uma nova preocupação: por quanto tempo os sauditas conseguirão sustentar essa plataforma esportiva?
Agressivos no mercado de transferência de verão (no Hemisfério Norte), os sauditas gastaram mais de R$ 5 bilhões em contratações em 2023. Mas, no mercado de inverno deste ano, o anseio consumista foi cessado. Apenas o brasileiro Renan Lodi, formado nas categorias de base do Athletico-PR e que atuará no Al-Hilal, pode ser considerado um reforço de peso. Ele já serviu a seleção brasileira.
Em contrapartida, grandes nomes ameaçam deixar a Arábia Saudita em uma debandada que poderia iniciar um declínio do país do Oriente Médio no futebol. O inglês Jordan Henderson, volante ex-Liverpool, ficou apenas seis meses no Al-Ettifaq e arrumou suas malas rumo ao futebol holandês, onde vestirá a camisa do tradicional Ajax. Sua passagem no torneio saudita foi meteórica.
O atacante Benzema pode ser o próximo a deixar o país. O francês, que brilhou com a camisa do Real Madrid, não deu as caras no Al-Ittihad por 17 dias e retornou apenas na última quinta-feira ao local de trabalho. Ele estaria insatisfeito com as cobranças excessivas e incomodado com a demora para adaptação ao futebol saudita. Não é nada comum atrasar e sumir por tanto tempo. Dirigentes de seu clube, porém, não querem negociá-lo de imediato. No entanto, o retorno ao futebol europeu é o que mais agrada ao jogador, de acordo com veículos de comunicação da Europa.
Um brasileiro aparece na lista dos que podem deixar a Arábia Saudita nesse curto período de tempo. Roberto Firmino saiu do Liverpool e esperava ter mais espaço no Al-Ahli. Ele foi especulado em clubes brasileiros, como Corinthians e Grêmio, mas não está no horizonte deles nesse momento.
“Não é segredo que a Arábia Saudita tem um projeto para se transformar em um polo esportivo mundial, e o investimento não se limita apenas ao futebol. No entanto, nem tudo está saindo conforme previsto. A janela de inverno tem sido frustrante e até o momento só houve uma transferência com valor expressivo, e não por conta da falta de apetite em investir dos clubes sauditas, mas sim pela falta de interesse dos atletas que estão atuando em ligas mais competitivas. Certamente a questão não deverá ser de fácil solução na maioria dos casos, pois de um lado temos diversos atletas insatisfeitos, apesar dos contratos milionários que aceitaram assinar quando foram contratados, e do outro lado estão os clubes árabes, que concordaram pagar cifras estratosféricas e dificilmente liberarão esses atletas do compromisso assinado sem uma contrapartida que seja razoavelmente satisfatória”, afirmou Rodrigo Marrubia, advogado especializado em direito desportivo e sócio do Carlezzo Advogados.
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Para Thiago Freitas, COO da Roc Nation Sports, empresa que gerencia a carreira de centenas de atletas, a transformação cultural não é tão simples. “Futebol é algo inserido na sociedade, e jamais foi, será, formou ou vai formar uma sociedade paralela. A Arábia Saudita sempre foi dos mais fechados e restritivos países do mundo, e mudar esse quadro demandará muito esforço, muitas concessões, e muito dinheiro, por muito tempo. Atletas já consagrados, são geralmente atletas com famílias constituídas, com esposas, filhos e filhas, e para esses, deixam uma vida afortunada em países europeus ou da América Latina, para viver sob diversas restrições de liberdades individuais é impactante. Esse é o grande desafio saudita, que diferentemente dos Emirados Árabes, não proporcionam nas suas principais cidades o bem-estar para os ocidentais que Dubai, por exemplo, oferece”, afirmou.
“O campeonato, para ser competitivo como o de uma liga europeia do segundo ou mesmo terceiro escalão no continente, demandaria investimentos contínuos, do porte dos que foram feitos, distribuídos por mais atletas, por ao menos dez, talvez quinze anos. Antes de sediaram a Copa do Mundo, não existe chance de que tenham uma liga relevante, esportivamente, para quem vive fora de lá. É preciso separar o propósito e planos de longo prazo que possuem, louváveis, dos devaneios de quem pensa que a ordem do futebol mundial vai se alterar prontamente. Não vai”, acrescentou.
Média de público nos estádios sauditas
Apesar das contratações de peso, a média de público do Campeonato Saudita é baixa, somente 8,5 mil pessoas comparecem aos jogos. Esse é um dos argumentos usados por atletas que estariam insatisfeitos por lá. Também surge como empecilho a sequência de suas carreiras em suas respectivas seleções. Em um futebol de nível pouco competitivo, os jogadores deixam de atrair os olhares dos treinadores. Os conflitos e guerras que eclodiram na região nos últimos meses (Israel e o Hamas na Faixa de Gaza, Iêmen e a tensão entre Irã e Paquistão) integram a lista de preocupações.
A Arábia Saudita não está se movendo apenas no futebol, outras modalidades fazem parte do hall de eventos e investimentos feitos pelo país: tênis, automobilismo, golfe, boxe e MMA são os principais. Os sauditas ainda serão anfitriões da Copa do Mundo de 2034. Portanto, uma mudança de rota impactaria projetos de longo prazo.
Surgem comparações com o futebol da China, que também fez altos investimentos em meados da década passada, aspirava sediar uma Copa do Mundo, mas jamais passou perto de contratar estrelas com os sauditas fizeram. À época, os clubes de países mais periféricos como o Brasil, eram os que verdadeiramente temiam perder seus atletas para os chineses. O caso da Arábia Saudita é bastante diferente, mas não é esse fator que impede ter o mesmo fim.
Neymar
O principal brasileiro que foi para o país saudita é Neymar. Ele está machucado e ficará fora de combate até agosto deste ano, quando já estará no seu segundo ano de contrato. Toda e qualquer debandada passa pela autorização e negociação com os clubes sauditas, com que os atletas assinaram acordos milionários. Neymar, por exemplo, é tratado como um xeque desde que chegou ao país. Ele recebe no Al-Hilal mais do que ganhava no PSG. Para sair, se quiser, terá de negociar com os chefões o dinheiro recebido. Isso vale para todos os craques que assinaram contratos com os clubes sauditas.
Falta de profissionais em outras áreas do clube
Uma outra avaliação de jogadores que vão para essas praças menos valorizadas do futebol é a falta de profissionais mais bem preparados na rotina de um time, como médicos, fisiologistas, massagistas e até roupeiros. Zico viveu isso no Japão lá atrás, quando teve de ensinar os japoneses a ter profissionais adequados em cada função dentro da equipe. Isso explica também porque muitos jogadores preferem de tratar em seus respectivos países quando estão lesionados. Neymar é um exemplo. Ele está no Brasil recuperando-se de um pós-cirúrgico no joelho esquerdo.