A seleção brasileira está há 20 anos sem ganhar uma Copa do Mundo, acumula cinco eliminações consecutivas para rivais europeus no mata-mata, teve de aguentar a pilhéria dos argentinos depois das últimas duas derrotas para os atuais campeões mundiais, está fora da Olimpíada de Paris em razão da campanha vexatória no Pré-Olímpico e é protagonista de sua pior campanha na história das Eliminatórias Sul-Americanas após seis rodadas.
O começo do Brasil nas Eliminatórias foi tão ruim que Ednaldo Rodrigues resolveu agir e demitiu Fernando Diniz depois de voltar ao comando da CBF. A crise política estancou, mas, em campo, o Brasil ainda tem de recuperar seu prestígio. A tarefa caberá a Dorival Júnior, o técnico escolhido para capitanear a renovação do elenco e devolver a seleção ao povo brasileiro, como ele disse em sua apresentação. “A partir de agora não é a seleção do Dorival, é a seleção do povo brasileiro”, frisou.
“Vejo Dorival podendo fazer um bom trabalho, que possa acalmar tudo que está acontecendo no futebol brasileiro em termos de seleção. Ele é um treinador que é admirado por muitos jogadores, fazendo o estilo paizão, se dá muito bem com atletas jovens e gosta de ter jogadores experientes ao lado para fazer uma equipe forte”, afirma ao Estadão Rivaldo, destaque do Brasil na conquista do Penta, em 2002. Eleito melhor do mundo em 1999, o ex-jogador afirma que o treinador será peça-chave em uma mudança de postura do time após a imagem negativa deixada no último ano.
“Imagino ele dando oportunidades para novos jogadores, observando mais o futebol praticado aqui do Brasil para construir uma imagem positiva de uma seleção muito próxima de seu povo. Ainda há tempo de trabalhar para fazer as mudanças necessárias para consolidar a equipe”, acrescenta o ex-jogador, atualmente embaixador da Betfair.
“Trata-se de um treinador jovem, inteligente, já vivido no futebol. Tenho certeza de que sob o comando dele as coisas vão funcionar”, confia José Mucia, o Pepe, bicampeão mundial em 1958 e em 1962 ao lado de Pelé. Para o ex-ponta, o caminho para o Brasil sair do buraco em que se colocou é se conscientizar de que o momento não é bom, mas confiar nos talentos que o País continua produzindo em profusão. “Tenho certeza e que a coisa vai melhorar. O Brasil continua sendo um dos grandes no futebol”, diz o “Canhão da Vila” ao Estadão.
“Para ser respeitado como potência mundial, o Brasil depende de vitórias e conquistas. E temos bola para isso. Ainda temos bons jogadores. Dá para melhorar, mas o Brasil ainda é uma força”, acredita o eterno parceiro de Pelé, hoje com 89 anos.
O ocaso da seleção brasileira é grande ao ponto de chatear César Luis Menotti, um dos grandes nomes da história do futebol argentino. “Me dá vergonha o que acontece com o Brasil. Eu vivi uma época maravilhosa deles, na Copa do Mundo de 1970″, lamentou o campeão do Mundial de 1978 como treinador.
Hoje comentarista, Menotti afirmou que o Brasil passa por uma decadência cultural. “Não entendo como se pode jogar tão mal, sem sustentar toda a sua história brilhante”.
O pensamento de Clodoaldo, campeão mundial em 1970, é diferente. Ele discorda de Menotti e entende que, mesmo com a barafunda instalada na CBF e os resultados ruins recentes, não há adversário hoje que não respeite o Brasil quando for enfrentá-lo. “O time rival teria de ter audácia para dizer que seria fácil jogar contra o Brasil. Acho que não haveria nenhuma seleção com esse pensamento. Seria como enfrentar a Argentina em momentos difíceis. Mesmo passando por uma fase ruim, essas seleções são respeitadas”, compara o ex-volante.
“O Brasil será sempre respeitado, mesmo nos nossos piores momentos. Já vivemos longas décadas sem títulos no passado também”, lembrou Clodoaldo, citando o hiato sem conquistar Mundiais entre 1970 e 1994. Esse jejum de 24 anos será igualado em 2026 pela atual geração, visto que a última Copa festejada pela seleção brasileira foi o penta em 2002.
Clodoaldo, campeão mundial pela seleção brasileira em 1970
O ex-jogador endossa a opinião de Pepe e crê que Dorival é o nome certo para reerguer o Brasil. “É um grande técnico, está entre os melhores”. Também pensa que o problema não é a geração atual, de Endrick, Vini Jr, Rodrygo e outros, carregada de talento. “Dentro da mudança do futebol, de como se joga, a geração é boa. Não gosto de fazer comparações, ser saudosista e voltar no tempo. Você vai citar várias seleções, como a de 1982, que não foi vencedora, mas tinha capacidade individual incrível”, compara.
Reestruturação
Semanas depois de contratar Dorival, o presidente Ednaldo Rodrigues tirou Rodrigo Caetano do Atlético Mineiro para lhe dar o cargo de diretor de seleções na CBF. O trabalho do executivo diz respeito à reestruturação da seleção principal, junto de Dorival, e também das equipes de base. Caetano vai planejar também todo o calendário das seleções de base (sub-15, sub-17 e sub-20). No mês passado, na Venezuela, o time pré-Olímpico fracassou e ficou fora dos Jogos Olímpicos no futebol masculino pela primeira vez desde 2004, nos Jogos de Atenas. O Brasil é o atual bicampeão olímpico. Mesmo assim, não teve forças nem competência para se classificar na América do Sul.
Caetano terá liberdade e autonomia para trabalhar, garantiu o presidente da CBF. “Ele terá autonomia total para fazer todas as modificações necessárias para a seleção brasileira continuar sendo vencedora, forte e identificada com os torcedores”.
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O cartola terá dois desafios logo de cara. Em junho, a Copa América e, em setembro, a retomada das Eliminatórias da Copa do Mundo de 2026. Os primeiros jogos da seleção treinada por Dorival na gestão de Rodrigo Caetano, no entanto, serão nos dias 23 e 26 deste mês. O Brasil visita a Inglaterra, em Wembley, e encara a Espanha, no Santiago Bernabéu. A convocação acontece nesta sexta, dia 1º.
“Quem sabe será um início positivo de uma boa temporada”, comenta Alex, ex-meio-campista de raro refino técnico. Ele conquistou três títulos vestindo a camisa da seleção brasileira: Pré-olímpico de 2000 e duas Copas América em 1999 e 2004, esta última na condição de capitão da equipe.
Para Alex, a saída é reorganizar a casa e fomentar as categorias de base. “Com os clubes olhando com olhos mais atentos para a nossa essência, temos todas as condições de retomar o protagonismo”, avalia. “Futebol é cíclico e isso pode ir se alterando”, ressalta o hoje treinador, que dirigiu por dois anos o time sub-20 do São Paulo e no ano passado treinou o Avaí.
E Neymar?
Todos os ex-jogadores ouvidos pela reportagem consideram que a seleção continua dependente de Neymar, mesmo que o camisa 10 não dê demonstrações de que esteja mais disposto a ser o líder à altura da importância do time pentacampeão. O astro do Al-Hilal sofreu a lesão mais grave de sua carreira em outubro do ano passado, quando rompeu os ligamentos do joelho esquerdo. No início de novembro, foi operado e, desde então, vem se recuperando.
“Sou muito fã do Neymar. No meu time, Neymar tem lugar garantido sempre. Claro que tem coisas que talvez ele tenha de rever em relação à sua condição física para poder estar pronto para os grandes jogos, para competir com a implacável marcação que ele sofre sempre, em Copa do Mundo ou em qualquer jogo”, diz Clodoaldo, cuja opinião é compartilhada por Pepe. “Tenho muita fé nele porque o Brasil depende muito dos gols do Neymar”.
Fora de ação, Neymar tem seu nome constantemente citado em controvérsias. Nos últimas dias, chamou a atenção o fato de estar acima do peso quando retorno à Arábia Saudita para dar continuidade ao seu tratamento. “Vamos esperar que se recupere bem. E após isso, saberemos o estágio que ele terá. Qualidade técnica nele sobra. Vamos esperar os outros aspectos”, salienta Alex.
Dorival não conta com Neymar nem agora nem para a Copa América. O treinador terá de se virar sem o principal jogador do Brasil. De cara, ele tem dois objetivos: reorganizar o time e trazer o torcedor para mais perto da camisa amarelinha.