O Brasil não tem mais tantos protagonistas no futebol mundial como já teve em outros tempos, situação que fica clara quando se olha para o grupo que compõe a seleção brasileira atualmente. Ainda assim, o jogador do País continua valorizado no mercado da bola.
A visão técnica de profissionais como empresários, recrutadores e analistas de desempenho envolvidos no futebol da Europa é de que há muitas garantias ao se apostar na contratação de atletas do Brasil.
Tal avaliação do mercado guia o trabalho do italiano Federico Pastorello, empresário do belga Lukaku e de brasileiros como os volantes Arthur, da Juventus, e Alexander, ex-Fluminense e hoje no Al-Ahli. A empresa do agente de jogadores tem sede em Mônaco, mas mantém escritório em São Paulo, onde o CEO é o brasileiro Claudio Fiorito.
“Hoje e há muitos anos, o Brasil é o maior exportador de jogadores de futebol para toda a Europa. Então, digamos que o jogador de futebol brasileiro é uma garantia. No sentido de que, por história, por adaptação, por talento, pela forma de interpretar o futebol, o Campeonato Brasileiro sempre foi um campeonato de referência para o mercado de transferências europeu”, comenta Pastorello ao Estadão.
Muito atento ao Campeonato Brasileiro, da base ao profissional, o italiano sabe da necessidade de angariar clientes ainda muito jovens, pois o mercado internacional tem buscado os talentos no País cada vez mais precocemente.
Um dos principais nomes da carta de Pastorello é Vitor Reis, zagueiro do Palmeiras, de 18 anos, cotado para ser a venda mais cara de um jogador da posição na história do futebol nacional. Se não for vendido na janela de transferências do fim deste ano, o defensor dificilmente fica no Brasil após a janela que antecede a temporada 2025/2026, no meio do ano que vem.
A diretoria palmeirense, que tem se destacado por negociar seus talentos a altos valores na atual gestão, deseja vender Vitor por mais de 30 milhões de euros. Tal valorização de um defensor mostra a variedade do mercado brasileiro, que há tempos não se destaca apenas pela venda de atletas de posições mais ofensivas, até porque a produção do jogador criativo e habilidoso está mais escassa.
Obviamente, clubes de todo o mundo olham para o Brasil lembrando de nomes como Ronaldo e Neymar, mas sabem que podem encontrar opções em todas as posições, não à toa têm levado muitos zagueiros e volantes. O que tem acontecido com frequência é a compra de brasileiros por clubes pequenos ou médios das grandes ligas, já pensando em uma possível ponte com times maiores caso o atleta se destaque.
“Agora, encurtou muito. Então, hoje vemos os talentos brasileiros já com 17, 18 anos deixando o país, e eu acredito que esse efeito não seja devido ao Campeonato Brasileiro, mas é devido à tendência dos clubes europeus de comprar jogadores cada vez mais jovens. É um fato que a Premier League, a Série A, a La Liga, a Bundesliga estão indo na direção de pegar jogadores cada vez mais jovens para poder valorizá-los e depois, eventualmente, também revendê-los. Então, digamos que esse efeito da saída dos grandes talentos brasileiros em idade tão jovem seja devido a essa mudança no mercado”, avalia Pastorello.
Hoje, existem 80 jogadores brasileiros jogando nas cinco principais ligas europeias, de acordo com dados do site Transfermartk:
- Campeonato Inglês - 28 brasileiros (2ª nacionalidade com mais jogadores na competição, atrás da Inglaterra).
- Campeonato Italiano - 17 brasileiros (5ª nacionalidade com mais jogadores na competição)
- Campeonato Francês - 15 brasileiros (5ª nacionalidade com mais jogadores na competição)
- Campeonato Espanhol - 14 brasileiros (4ª nacionalidade com mais jogadores na competição)
- Campeonato Alemão - 6 brasileiros (12ª nacionalidade com mais jogadores na competição)
A competição europeia que tem mais representantes do Brasil é o Campeonato Português, com 103 nomes.
Alemanha olha brasileiros, mas tem poucos
Liga com menos brasileiros entre as cinco principais da Europa, a Bundesliga já viu grandes atletas do País se tornarem ídolos nos gramados da Alemanha. Diego Ribas brilhou no Werder Bremen de 2006 a 2009 e Zé Roberto mostrou toda sua qualidade com as camisas do Bayern de Munique e do Bayer Leverkusen, clube no qual também brilharam nomes como Paulo Sérgio, Lúcio, Renato Augusto e Jorginho.
O número baixo de atletas brasileiros no campeonato não significa que os clubes alemães não estejam interessados no que o Brasil tem a oferecer. O atual campeão Leverkusen tem buscado se reconectar com a nação que lhe deu tantos bons jogadores, apostando na figura de Paulo Sérgio, nomeado recentemente lenda oficial do clube, como embaixador.
Nesta semana, dirigentes do time estiveram no Brasil para eventos de relacionamento promovidos pela Bayer, indústria farmacêutica dona do clube, e para expandir a própria imagem com uma turnê de exibição dos troféus da Copa da Alemanha, Bundesliga e Supercopa.
A presença do Leverkusen no País é constante, por meio de seu departamento de scout, que tem uma pessoa destacada para observar jogadores no País. “Assistimos o futebol brasileiro das categorias de base ao principal. Temos alguns scouts vivendo na América do Sul, um no Brasil, totalmente focado no futebol brasileiro. Eu mesmo tenho viajado bastante pela América do Sul para observar esses jogadores que identificamos como interessantes”, conta Kim Falkenberg, chefe de recrutamento da equipe alemã, ao Estadão.
O atual elenco do campeão alemão tem apenas um jogador do Brasil, o lateral-direito Arthur, de 21 anos, comprado junto ao América-MG em abril de 2023 e ainda em busca de espaço. Apesar do baixo número na Alemanha, Falkenberg não vê nenhuma deficiência específica que seja inerente aos jogadores brasileiros e os impeça de se adaptar ao futebol jogado na Bundesliga.
“Não posso dizer que há algo particular em todos os brasileiros, porque isso seria errado. Depende da sua educação, do seu ambiente social, onde você cresce, esse tipo de coisa. Então, se você cresce no Rio ou em São Paulo, é diferente de um lugar para outro. Assim como em outros países. Você não pode dizer que todos os jogadores têm alguma deficiência específica. O que a gente tenta fazer é analisar o jogador, entender a pessoa e o ambiente”, afirma.
O Leverkusen poderia, inclusive, ter uma das principais promessas do futebol em seu elenco, pois chegou a monitorar Estêvão, do Palmeiras, mas não teve como competir com o poder financeiro do Chelsea, como conta Paulo Sérgio.
“O Bayer Leverkusen observou o Estêvão, é um jogador importante, mas sabemos que o Chelsea veio com números exorbitantes. Todo bom jogador está no radar. A ideia hoje é se aproximar mais do futebol brasileiro e saber que estamos aqui para encurtar essa distância, para que eles possam saber mais do futebol brasileiro”, diz.
Apesar do interesse, o perfil da joia palmeirense não costuma ser a prioridade do Bayer, que vem se destacando por garimpar talentos fora do óbvio para construir um elenco forte e coerente com a filosofia de jogo do clube. Falkenberg acredita que, ao olhar para o Brasil, tem boas chances de encontrar jogadores com as características desejadas pela equipe.
“Os brasileiros encaixam muito bem porque a principal vantagem do jogador brasileiro é que eles aproveitam o futebol, eles amam futebol de coração. Eles gostam de jogar futebol técnico e ofensivo, de maneira geral. É por isso que eles costumam encaixar muito bem no Leverkusen”, afirma.
Apenas o talento, contudo, não é o suficiente para a contratação de um atleta por um time como o Leverkusen. Diretor de Esportes do clube, o ex-volante Simon Rolfes explica que há adaptações necessárias na transição do futebol brasileiro para o alemão.
“Temos um histórico com jogadores brasileiros. Acredito que a principal qualidade do futebol brasileiro é o prazer de jogar, é a técnica, a criatividade. Idealmente, jogadores com essas características, normalmente em posições mais ofensivas. Mas a tática e a força física são importantes se vocês quiser fazer o salto do futebol do Brasil para a Europa, no caso a Alemanha. Tem de ter a mentalidade certa, isso é importante. Você tem que ser capaz de passar por tempos difíceis, ter personalidade”, pontua.