Dívidas por não pagamento de direitos de imagens costumam figurar no noticiário esportivo com frequência. São valores acertados em contrato entre jogador e clubes de futebol. Eles envolvem participação de atletas nos lucros obtidos pelo uso de suas próprias imagens. O direito sobre a própria imagem é assegurado pela Constituição Federal e tem o uso sem autorização proibida por meio do Código Civil. Historicamente, diferentes leis e decisões judiciais mudaram a compreensão sobre o tema no Brasil.
A quantia, mesmo que acertada em contrato, não se trata de salário. É considerada um valor adicional, pago “por fora”, ainda que previsto contratualmente. A contratação e remuneração dos jogadores são regidas pelo regime CLT, com carteira assinada. Isso é pago diretamente ao atleta enquanto pessoa física. A Lei Geral do Esporte prevê que um jogador pode receber, no máximo, 40% do salário em direitos de imagem. Um jogador que recebe, por exemplo, R$ 1 milhão pode, então, receber até R$ 400 mil pelos direitos de imagem.
Os valores costumam ser recebidos por uma empresa (pessoa jurídica). O CNPJ serve de intermediário e é permitido que a pessoa jurídica transfira o dinheiro para o jogador enquanto pessoa física. Isso impacta na tributação.
O Imposto de Renda pode cobrar até 27,5% do salário de um trabalhador. Já a cobrança de empresas por exploração de imagem tem taxa de 14,53% do total faturado. Porém, pessoas físicas não sofrem cobrança de rendimentos por direitos de imagem. Se o valor for transferido da pessoa jurídica ao jogador, portanto, não há cobrança de imposto.
A Receita Federal já se posicionou contra essa prática. O entendimento é que o direito de imagem não pode ser explorado por uma pessoa jurídica e considera que esse pagamento constitui salárioo, já que é relacionado ao vínculo trabalhista de atletas com os clubes. O Fisco entende que a operação é uma simulação, que omite rendimentos tributáveis por parte da pessoa física, como se os rendimentos salariais estivessem “disfarçados”.
Neste sentido, a Advocacia-Geral da União (AGU) já alegou que a prática era “dissimulação” da verdadeira relação de emprego para driblar as obrigações tributárias. Em julgamento de dezembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou, por 8 votos a 2, a prática como constitucional, o que possibilitou que atletas continuassem a receber por direitos de imagem por meio de pessoas jurídicas.
A relatora foi a ministra Cármen Lúcia, que argumentou que a relação de clubes de futebol com empresas que representam jogadores deve ser compreendida como outros vínculos jurídicos entre prestadores de serviços e empresas, com mínima interferência na liberdade econômica. Isso não permite, contudo, que todas as atividades de atletas possam ser intermediadas por pessoas jurídicas a fim de evitar tributos pessoais. Trata-se apenas da regularização da forma que os direitos de imagem são negociados.
Em 2023, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) passou a compartilhar desta compreensão. Até então, o órgão tinha histórico de posicionamento contrário à possibilidade de transferência desses valores entre empresas e pessoas físicas e era favorável à tributação.
Na análise de Thiago Freitas, diretor da Roc Nation Sports no Brasil, há relação entre o pagamento de direitos de imagens com reduzir encargos do clube no vínculo empregatício. “No Brasil, poucos clubes exploram efetivamente a imagem dos atletas de seus elencos. Os que exploram, exploram de poucos, e em raras ações. Hoje, podemos assumir que passou a ser adotado esse tipo de pagamento, no seu limite, para redução dos encargos salariais apenas”, afirma Thiago Freitas, que atua na empresa que administra carreira de atletas.
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Como direitos de imagem ‘entraram’ no mundo do esporte e o caso de Garrincha
Antes mesmo da compreensão esportiva, direitos de imagem são previstos na Constituição Federal e Código Civil. A Lei Pelé, instituiu, em 1998, a propriedade do atleta sobre seu nome e apelido utilizado no meio esportivo. Em 2011, uma alteração na lei passou a prever que o uso da imagem pode ser cedido ou explorado.
A Constituição Federal e o Código Civil colocam o direito de imagem como “intransferível” e “inalienável”. Uma interpretação do Direito defende que seja impedida a venda, renúncia ou cessão dos direitos de imagem de uma pessoa. Outra, pelo contrário, defende o licenciamento a terceiros para exploração econômica, como acontece entre jogadores e clubes.
O Superior Tribunal Judiciário (STJ) abordou a discussão em um caso marcante. Foi o pedido de indenização de dois filhos de Garrincha sobre o uso da imagem do jogador no filme Isto É Pelé, lançado em 1974, com produção da TV Globo e direção de Eduardo Escorel e Luiz Carlos Barreto. Em 2000, uma decisão concedeu aos dois herdeiros 10% dos ganhos obtidos com o filme em exibições e reproduções em televisão ou cinema. O processo teve idas e vindas entre recursos no STJ e no Tribunal de Justiça do Rio.
Gestão independente
O jogador não é obrigado a negociar os direitos de imagem. Neymar, por exemplo, não recebia valores do Paris Saint-Germain. Tudo que era pago referia-se ao salário do brasileiro. Isso não acontecia nos clubes anteriores, Santos e Barcelona. Ele manteve, assim, a gestão autônoma dos direitos de imagem, por meio de empresas ligadas ao pai. Marcas que queriam contar com o brasileiro precisavam negociar diretamente com essas companhias.
Indenizações
Em 2021, uma editora foi condenada a pagar uma indenização de R$ 10 mil ao atacante Otacílio Neto, que defendeu o Corinthians entre 2008 e 2012. Ele ingressou com ação no Tribunal de Justiça de São Paulo por uma foto em um álbum de figurinhas do Corinthians, chamado de O campeão dos campeões, lançado em 2016.
O caso foi julgado na 10ª Câmara de Direito Privado. O ex-palmeirense Alex também teve um caso contra a editora apreciado por esta Câmara. Ele pediu R$ 25 mil em indenização pela publicação de sua imagem em um álbum de figurinhas que comemorava os 100 anos do Palmeiras. O pedido foi negado. O entendimento dos desembargadores foi de que o ex-jogador assinou um contrato em que autorizou o uso da imagem no álbum até agosto de 2016. Alex alegou que o álbum continuou à venda após o prazo, o que careceu de provas no processo.
Casos contra a editora já envolveram outros atletas. Arce e Amaral também cobraram indenização pelo álbum O campeão dos campeões. David Braz, atualmente no Fluminense, já processou a mesma editora quando ele ainda jogava pelo Flamengo. A companhia alega que as imagens são dos jogadores cumprindo funções previstas com os clubes.
Dívidas e punições desportivas
Quando um clube não cumpre com o pagamento, os jogadores também podem buscar a Justiça. Outro caminho é ingressar com processo na Fifa. Nesta última situação, uma punição possível é o transfer ban, medida que impede a inscrição de novos atletas por clubes inadimplentes até o pagamento da dívida. Há, ainda, possibilidade de o período de punição continuar por mais tempo, mesmo com o pagamento, a depender da interpretação da Fifa.