‘Meu maior desafio no Brasil é arrumar a estrutura e a organização do futebol feminino’, diz Pia


Técnica da seleção exalta Marta e destaca ‘experiências’ que estrangeiros trazem ao País; ao ‘Estadão’, treinadora fala da praia e do violão, do emocional de atletas e torcedores, e da vida no Rio

Por Marcio Dolzan e Paulo Chacon
Atualização:
Foto: Sam Robles| CBF
Entrevista comPia Sundhagetécnica da seleção feminina de futebol

Prestes a completar quatro anos à frente da seleção brasileira feminina, a sueca Pia Sundhage está cautelosa, mas otimista quanto ao potencial do time para a Copa do Mundo, que acontece no meio do ano na Austrália e na Nova Zelândia. A treinadora assumiu o Brasil após o último Mundial com a missão de fazer a transição entre a velha guarda — que contava com Formiga, Andressa Alves e Cristiane — e a nova geração. O time se renovou, ganhou um novo padrão de jogo, conquistou a Copa América e, nas próprias palavras de Pia, tem o céu como limite.

Nesta entrevista exclusiva para o Estadão, a treinadora comenta sobre seu trabalho à frente da seleção, sobre as perspectivas para a Finalíssima diante da Inglaterra e, principalmente, sobre Copa do Mundo e o futuro da seleção feminina. De quebra, ela ainda rende muitos agradecimentos por poder trabalhar com Marta, eleita seis vezes a melhor jogadora do mundo. “Sou totalmente grata pelo que ela pode nos ajudar, realmente Marta é única. Eu me dou o direito de aproveitar cada momento, cada dia com ela.”

Como a Finalíssima diante da Inglaterra e o amistoso com a Alemanha servem de parâmetro para a Copa do Mundo?

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Com certeza, teremos algumas respostas. Se você joga com os melhores times, você saberá onde está tendo sucesso e com certeza saberá onde precisa trabalhar ainda mais para melhorar em busca do objetivo. Jogar contra dois bons times, especialmente a seleção inglesa, nos deixa felizes e será uma boa experiência para todos nós. Creio que qualquer um que viu o jogo entre Alemanha e Inglaterra, na decisão da Eurocopa feminina, dirá que foi um grande jogo de futebol. Isso significa que teremos duas chances de receber respostas e avaliá-las para saber se precisamos trabalhar mais ainda, ou se podemos nos concentrar em coisas novas. E teremos avaliações individuais. Eu estou realmente feliz e agradecida de poder jogar com duas grandes seleções antes da Copa do Mundo.

Brasil jogará a Copa do Mundo Feminina com a missão de ultrapassar barreira das oitavas de final. Foto: Sam Robles/CBF

Qual o potencial da seleção brasileira para a Finalíssima?

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Penso que a Inglaterra tem uma conexão de equipe muito forte. Eu não vou lhe dizer, mas existem coisas que nós também somos muito boas fazendo e você verá no jogo. Nós precisamos lidar com as principais jogadoras delas, com organização, para bloquear as jogadas de ataque. Acredito que temos confiança para isso, não permitindo que elas entrem na nossa área. Se conseguirmos isso, temos uma boa chance de vencer. No ataque, existe uma pequena diferença que leva a jogadas geniais ou a jogadas ruins. Precisamos ter um controle, um equilíbrio nas decisões. Penso que se isso acontecer temos boas chances nas duas partidas, diante de Inglaterra e Alemanha.

E para a Copa do Mundo?

Sobre a Copa do Mundo, eu gostaria muito que tivéssemos um pouco mais de tempo. Existe uma série de coisas que gostaria de trabalhar um pouco mais. Outro fator que preciso dizer sobre a Finalíssima é que na partida com a Inglaterra elas não terão jet lag. Nós teremos jogadoras do Brasileirão e dos Estados Unidos, e isso significa ter jet lag. Precisamos ter muito cuidado em ver quem vai jogar. No caso da Copa do Mundo, isso não existirá, porque todos estarão iguais. Quando eu treinei a Suécia, nunca tive este problema porque todos os jogos eram perto. Com o Brasil é um fator quase sempre. Precisamos ser inteligentes nos jogos com a Inglaterra e a Alemanha. Na Copa do Mundo, temos uma chance. Sou uma pessoa que tem pensamento positivo e vou fazer com que as atletas também acreditem nisso. Vamos tentar botar para quebrar na Austrália.

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Como você vê a seleção brasileira do momento em que você chegou e agora?

É bem diferente agora por causa das mudanças. Não temos mais Bárbara, Formiga, Cristiane e Andressa Alves, que eram experientes. Mas temos Nycole, que vem jogando em Portugal, Kerolin, Adriana. Penso que estamos jogando de uma maneira parecida defensivamente, em um 4-4-2 que lembra a forma como a seleção sueca se defende. Jogando dessa forma, conseguimos fazer um bom papel defensivo na Olimpíada (de Tóquio) mesmo com jogadoras mais jovens, em que tivemos de acelerar os processos. No ataque está um pouco diferente por causa da técnica, das combinações e da dinâmica, principalmente no nosso meio de campo.

Você comentou sobre não termos Formiga, Andressa Alves e Cristiane. Hoje, a seleção brasileira é muito mais nova do que quando você chegou. Como você vê esse processo de renovação?

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Olhando para o plano de jogo da seleção, quando nós renovamos a equipe, pensamos, analisamos e, na minha opinião, acabamos encontrando respostas pelo centro do campo. Vimos jogadoras jovens, sem experiência, mas com boa condição técnica e que realmente eram muito boas. Além disso, conseguimos Rafaelle e Tamires na defesa, o que fez um mix de idades. Penso que, neste momento, seja qual for a escolha técnica para o time, nós temos uma ideia de jogo, um planejamento do que queremos. A partir de agora, qualquer jogo ou treino que teremos será para que as jogadoras tenham ainda mais confiança para fazer o que sabem. Se você acredita em algo, não importa o que seja, pode acontecer. Nós vamos para os dois próximos jogos sabendo que podemos vencer e vamos buscar isso, mesmo com a dificuldade. O mesmo acontecerá na Copa do Mundo. Sabemos que podemos vencer o primeiro jogo (diante do Panamá), o segundo jogo será contra a França... O limite é o céu. Teremos dificuldades, mas todas as equipes e todas as pessoas têm dificuldades. Acredito que se jogarmos o nosso melhor futebol, vamos ganhar uma medalha. Acredito que meu trabalho é fazer cada atleta não só acreditar em si, mas acreditar em todas as companheiras e também na comissão técnica. O que eu posso dizer para todos é que tenham atenção no Brasil, porque existe a chance.

Quando você chegou, o Brasil tinha a Marta, ainda tem, mas existe vida na seleção sem ela?

Cedo ou tarde ela vai ter de parar ou diminuir um pouco. Eu tenho de dizer que, durante a minha carreira, eu me machuquei como ela. Quando voltei da lesão, estava agradecida, e ela, na minha opinião, parece estar totalmente cheia de energia. Ela é uma atleta que joga para o time. Hoje ela não é tão rápida ou intensa quanto era em 2008, quando enfrentei o Brasil como treinadora, mas ela está ainda mais rápida no pensamento e ainda mais inteligente. No jogo em si, dar o último passe é uma das coisas mais difíceis hoje em dia, por causa da velocidade e dinâmica, e ela é uma das que podem ajudar o time com esse passe nesse momento do jogo. Sou totalmente grata pelo que ela pode nos ajudar, realmente Marta é única. Eu me dou o direito de aproveitar cada momento, cada dia com ela.

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Olhando para o time brasileiro, temos dois problemas de lesão com a Lorena e a Ludmila. Como você imagina a seleção sem essas duas peças?

Eu lamento muito a lesão da Ludmila e o tempo que ela ficará fora. Ela não domina completamente todas as funções de sua posição, mas ela é totalmente dominante em uma característica importante para nós, que é a velocidade. Ela mostrou isso na Olimpíada diante da Holanda, e agora não teremos isso na Copa do Mundo. Espero ter na Olimpíada (de Paris). Olhando para o elenco, apesar de não ter essa característica dela, conseguimos ter atletas que nos ajudam de outras formas e precisamos nos adaptar para isso. Sobre a Lorena, ela vai voltar a tempo. O bom quando falamos de goleiras é que sempre teremos mais de uma e todas trabalham da mesma maneira. Eu estou muito feliz pela forma como o nosso preparador de goleiras tem trabalhado com todas. Sim, é verdade que não teremos Lorena para esses dois jogos de agora, mas temos a Lelê, que está conosco há muito tempo e vai nos ajudar na função.

Pia reconhece que desempenho no Mundial será determinante para sequência do trabalho. Foto: Amr Abdallah Dalsh/ Reuters
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Você é a primeira técnica estrangeira a comandar a seleção brasileira. Agora, provavelmente, acontecerá o mesmo na seleção masculina. Quais são as dificuldades, os desafios de se treinar no Brasil?

Treinar no alto rendimento é difícil. Não é só a língua, mas a cultura também interfere. Claro que existe uma razão para que a CBF tenha escolhido um estrangeiro, que é o fato de que buscam uma mudança e diferentes tipos de experiência. Esse é um dos motivos pelos quais eu estou aqui. Eu preciso compartilhar as minhas ideias e minha experiência. Mas, da mesma maneira que eu preciso buscar as atletas e fazer isso, preciso me colocar no lugar dos brasileiros. Isso leva tempo, com toda a certeza leva tempo. Eu não sou mais a mesma treinadora que fui na Suécia e nos Estados Unidos, está tudo diferente. Tudo isso acontece bem se as jogadoras abrirem a mente e eu também abrir a mente. Essa é uma das coisas que eu penso que foi muito bem na Suécia, nos Estados Unidos e também aqui no Brasil. Sempre disse que o maior desafio para mim e para minha comissão técnica aqui no Brasil era arrumar a estrutura e a organização, não só no campo, que está indo muito bem, mas também fora dele. Me preocupo como faremos para ir de palavras para ações. Eu não tenho dúvidas de que é necessário avanços para se ter certeza que as coisas estão acontecendo, porque tudo leva tempo. Eu venho da Suécia e somos experts em organização. Acredito que a treinadora da Suécia hoje tem tudo muito mais planejado para a Copa do Mundo e para a Olimpíada do que eu tenho hoje. Lá eles planejam para ter sucesso, e é uma expressão que eu gostaria de usar aqui também, mas é preciso ter paciência. Com paciência as coisas acontecem, cedo ou tarde.

Sobre isso, o que mudou da treinadora Pia da Suécia, que passou pelos Estados Unidos, para a treinadora Pia do Brasil?

Eu posso dizer que com certeza sigo sendo eu mesma. Mas, se você olhar na Suécia, em que falamos do quanto eles são organizados, eu tinha certeza que tudo que eu delegava para ser feito por uma jogadora ou por um membro da comissão técnica, seria feito rápido e perfeitamente. Ou, então, eu teria uma resposta de que seria melhor se fosse feito de uma outra maneira e a explicação por esse pensamento. Na Suécia, temos uma organização muito grande, de maneira até exagerada às vezes; nos Estados Unidos e no Brasil, temos mais hierarquia. Na seleção sueca, eu usava toda a organização para tirar vantagem para o jogo e com isso as jogadoras sempre tinham muita informação sobre a partida, mas elas não eram tão emocionais em uma partida como as brasileiras. Às vezes, para mim como treinadora, era bom quando eu precisava encorajar as atletas para que elas ficassem emotivas. Nos Estados Unidos, as atletas adoram competir ao máximo. Abby Wambach uma vez me disse que era um privilégio jogar sob pressão. As americanas sempre vão competir ao máximo, até o último momento, quase se recusam a perder. Isso faz diferença, elas vencem muito. Quando eu pego essa organização sueca e esse desejo de competição das americanas, e chego em um Brasil muito mais emocional durante os jogos, fica claro para mim que é preciso separar o resultado do desempenho. Claro que isso sempre é importante e foi importante nos Estados Unidos e na Suécia, mas aqui é mais importante ainda. Porque se perdemos é uma devastação total para alguns, mas para mim é em momentos de derrota que você aprende mais por causa dos seus erros. O Brasil é muito emocional. Se você pegar o nosso último jogo, diante dos Estados Unidos, temos um exemplo. Elas marcaram minutos antes do intervalo. Se analisarmos o desempenho antes do gol, poderíamos dizer com tranquilidade que venceríamos. Claro que todo gol muda o jogo, mas aqui se olha muito para o resultado e se esquece da performance. Contudo, se o inverso ocorre, se o gol fosse nosso, todos falariam que nós somos o melhor time do mundo e iríamos jogar como malucas em campo, sem organização. Acredito que achar um equilíbrio entre as coisas é a minha busca. Em todos os lugares em que passei eu busquei achar o equilíbrio, e achando isso nós vamos bem para a Copa do Mundo.

O que você gosta de fazer em seu tempo livre?

Eu me considero uma pessoa sortuda. Um dos meus primeiros presentes foi um violão, e eu sempre estive com ele. Onde eu moro é próximo do mar, da praia, então eu consigo ver o mar. Todas as manhãs eu vou para a academia para fazer meus exercícios e consigo passar na praia. Depois da praia, eu me sinto pronta para o dia, e é muito importante para mim essa rotina. O Brasil é um país quente, com pessoas que são quentes, e meu trabalho envolve uma pressão muito grande. Então, eu preciso ter meus momentos para desligar. Isso acontece quando tenho meu violão e minhas idas para a praia.

Você tem algum restaurante preferido?

Eu vou a muitos restaurantes diferentes, para falar a verdade, de diversos tipos. Não tenho um preferido.

Já esteve no Cristo Redentor ou no Pão de Açúcar?

No Cristo Redentor sim, no Pão de Açúcar ainda não. Fui a favelas e vi vistas lindas de lá. Estive no Maracanã. Eu gosto muito do Jardim Botânico. Sou uma grande fã de árvores e isso começou com a minha vinda ao Brasil. Eu não era uma grande fã disso na Suécia, mas aqui é diferente.

Pia tem contrato com a seleção brasileiro até o fim dos Jogos Olímpicos. Foto: Amr Abdallah Dalsh/ Reuters

Suécia e Brasil são muito diferentes. O que é mais diferente entre os dois países?

Diria que é o trânsito e o barulho. Quando eu vou para a Suécia é bem mais silencioso e tem muito menos trânsito. Aqui o trânsito é muito barulhento e é preciso ter muito cuidado quando estou na rua ou vou até a CBF. São coisas que são difíceis de se acostumar.

Se a Pia treinasse a Pia jogadora, o que ela acharia?

Eu teria momentos muito difíceis com a jogadora Pia. A Pia atleta era sempre a primeira a chegar aos treinos, a última a sair do campo nos treinamentos e sempre tinha milhares de perguntas sobre o que aconteceu, quase que desafiando a treinadora. Conversava sobre a tática, sobre os treinamentos. Algumas vezes, hoje em dia, eu me pego pensando que preciso me desculpar com meus antigos treinadores.

Você gostaria de seguir no Brasil após a Copa do Mundo e a Olimpíada de Paris?

Uma das coisas que eu sou muito boa é viver o aqui e agora. Sou a melhor sonhadora que já existiu, mas estou tão focada na caminhada até a Copa do Mundo neste momento, que não consigo nem imaginar a Olimpíada. Eu sei que meu contrato acaba em 31 de agosto de 2024, mas não tenho planos para o futuro. Vai acontecer o que tiver que acontecer. A única coisa que eu posso dizer é que se eu não gostar do que estiver sentido, vou voltar para a Suécia para ficar com a minha família e amigos.

Você sonha com o título da Copa do Mundo?

Eu estou aqui para isso. A caminhada é maravilhosa até lá.

Prestes a completar quatro anos à frente da seleção brasileira feminina, a sueca Pia Sundhage está cautelosa, mas otimista quanto ao potencial do time para a Copa do Mundo, que acontece no meio do ano na Austrália e na Nova Zelândia. A treinadora assumiu o Brasil após o último Mundial com a missão de fazer a transição entre a velha guarda — que contava com Formiga, Andressa Alves e Cristiane — e a nova geração. O time se renovou, ganhou um novo padrão de jogo, conquistou a Copa América e, nas próprias palavras de Pia, tem o céu como limite.

Nesta entrevista exclusiva para o Estadão, a treinadora comenta sobre seu trabalho à frente da seleção, sobre as perspectivas para a Finalíssima diante da Inglaterra e, principalmente, sobre Copa do Mundo e o futuro da seleção feminina. De quebra, ela ainda rende muitos agradecimentos por poder trabalhar com Marta, eleita seis vezes a melhor jogadora do mundo. “Sou totalmente grata pelo que ela pode nos ajudar, realmente Marta é única. Eu me dou o direito de aproveitar cada momento, cada dia com ela.”

Como a Finalíssima diante da Inglaterra e o amistoso com a Alemanha servem de parâmetro para a Copa do Mundo?

Com certeza, teremos algumas respostas. Se você joga com os melhores times, você saberá onde está tendo sucesso e com certeza saberá onde precisa trabalhar ainda mais para melhorar em busca do objetivo. Jogar contra dois bons times, especialmente a seleção inglesa, nos deixa felizes e será uma boa experiência para todos nós. Creio que qualquer um que viu o jogo entre Alemanha e Inglaterra, na decisão da Eurocopa feminina, dirá que foi um grande jogo de futebol. Isso significa que teremos duas chances de receber respostas e avaliá-las para saber se precisamos trabalhar mais ainda, ou se podemos nos concentrar em coisas novas. E teremos avaliações individuais. Eu estou realmente feliz e agradecida de poder jogar com duas grandes seleções antes da Copa do Mundo.

Brasil jogará a Copa do Mundo Feminina com a missão de ultrapassar barreira das oitavas de final. Foto: Sam Robles/CBF

Qual o potencial da seleção brasileira para a Finalíssima?

Penso que a Inglaterra tem uma conexão de equipe muito forte. Eu não vou lhe dizer, mas existem coisas que nós também somos muito boas fazendo e você verá no jogo. Nós precisamos lidar com as principais jogadoras delas, com organização, para bloquear as jogadas de ataque. Acredito que temos confiança para isso, não permitindo que elas entrem na nossa área. Se conseguirmos isso, temos uma boa chance de vencer. No ataque, existe uma pequena diferença que leva a jogadas geniais ou a jogadas ruins. Precisamos ter um controle, um equilíbrio nas decisões. Penso que se isso acontecer temos boas chances nas duas partidas, diante de Inglaterra e Alemanha.

E para a Copa do Mundo?

Sobre a Copa do Mundo, eu gostaria muito que tivéssemos um pouco mais de tempo. Existe uma série de coisas que gostaria de trabalhar um pouco mais. Outro fator que preciso dizer sobre a Finalíssima é que na partida com a Inglaterra elas não terão jet lag. Nós teremos jogadoras do Brasileirão e dos Estados Unidos, e isso significa ter jet lag. Precisamos ter muito cuidado em ver quem vai jogar. No caso da Copa do Mundo, isso não existirá, porque todos estarão iguais. Quando eu treinei a Suécia, nunca tive este problema porque todos os jogos eram perto. Com o Brasil é um fator quase sempre. Precisamos ser inteligentes nos jogos com a Inglaterra e a Alemanha. Na Copa do Mundo, temos uma chance. Sou uma pessoa que tem pensamento positivo e vou fazer com que as atletas também acreditem nisso. Vamos tentar botar para quebrar na Austrália.

Como você vê a seleção brasileira do momento em que você chegou e agora?

É bem diferente agora por causa das mudanças. Não temos mais Bárbara, Formiga, Cristiane e Andressa Alves, que eram experientes. Mas temos Nycole, que vem jogando em Portugal, Kerolin, Adriana. Penso que estamos jogando de uma maneira parecida defensivamente, em um 4-4-2 que lembra a forma como a seleção sueca se defende. Jogando dessa forma, conseguimos fazer um bom papel defensivo na Olimpíada (de Tóquio) mesmo com jogadoras mais jovens, em que tivemos de acelerar os processos. No ataque está um pouco diferente por causa da técnica, das combinações e da dinâmica, principalmente no nosso meio de campo.

Você comentou sobre não termos Formiga, Andressa Alves e Cristiane. Hoje, a seleção brasileira é muito mais nova do que quando você chegou. Como você vê esse processo de renovação?

Olhando para o plano de jogo da seleção, quando nós renovamos a equipe, pensamos, analisamos e, na minha opinião, acabamos encontrando respostas pelo centro do campo. Vimos jogadoras jovens, sem experiência, mas com boa condição técnica e que realmente eram muito boas. Além disso, conseguimos Rafaelle e Tamires na defesa, o que fez um mix de idades. Penso que, neste momento, seja qual for a escolha técnica para o time, nós temos uma ideia de jogo, um planejamento do que queremos. A partir de agora, qualquer jogo ou treino que teremos será para que as jogadoras tenham ainda mais confiança para fazer o que sabem. Se você acredita em algo, não importa o que seja, pode acontecer. Nós vamos para os dois próximos jogos sabendo que podemos vencer e vamos buscar isso, mesmo com a dificuldade. O mesmo acontecerá na Copa do Mundo. Sabemos que podemos vencer o primeiro jogo (diante do Panamá), o segundo jogo será contra a França... O limite é o céu. Teremos dificuldades, mas todas as equipes e todas as pessoas têm dificuldades. Acredito que se jogarmos o nosso melhor futebol, vamos ganhar uma medalha. Acredito que meu trabalho é fazer cada atleta não só acreditar em si, mas acreditar em todas as companheiras e também na comissão técnica. O que eu posso dizer para todos é que tenham atenção no Brasil, porque existe a chance.

Quando você chegou, o Brasil tinha a Marta, ainda tem, mas existe vida na seleção sem ela?

Cedo ou tarde ela vai ter de parar ou diminuir um pouco. Eu tenho de dizer que, durante a minha carreira, eu me machuquei como ela. Quando voltei da lesão, estava agradecida, e ela, na minha opinião, parece estar totalmente cheia de energia. Ela é uma atleta que joga para o time. Hoje ela não é tão rápida ou intensa quanto era em 2008, quando enfrentei o Brasil como treinadora, mas ela está ainda mais rápida no pensamento e ainda mais inteligente. No jogo em si, dar o último passe é uma das coisas mais difíceis hoje em dia, por causa da velocidade e dinâmica, e ela é uma das que podem ajudar o time com esse passe nesse momento do jogo. Sou totalmente grata pelo que ela pode nos ajudar, realmente Marta é única. Eu me dou o direito de aproveitar cada momento, cada dia com ela.

Olhando para o time brasileiro, temos dois problemas de lesão com a Lorena e a Ludmila. Como você imagina a seleção sem essas duas peças?

Eu lamento muito a lesão da Ludmila e o tempo que ela ficará fora. Ela não domina completamente todas as funções de sua posição, mas ela é totalmente dominante em uma característica importante para nós, que é a velocidade. Ela mostrou isso na Olimpíada diante da Holanda, e agora não teremos isso na Copa do Mundo. Espero ter na Olimpíada (de Paris). Olhando para o elenco, apesar de não ter essa característica dela, conseguimos ter atletas que nos ajudam de outras formas e precisamos nos adaptar para isso. Sobre a Lorena, ela vai voltar a tempo. O bom quando falamos de goleiras é que sempre teremos mais de uma e todas trabalham da mesma maneira. Eu estou muito feliz pela forma como o nosso preparador de goleiras tem trabalhado com todas. Sim, é verdade que não teremos Lorena para esses dois jogos de agora, mas temos a Lelê, que está conosco há muito tempo e vai nos ajudar na função.

Pia reconhece que desempenho no Mundial será determinante para sequência do trabalho. Foto: Amr Abdallah Dalsh/ Reuters

Você é a primeira técnica estrangeira a comandar a seleção brasileira. Agora, provavelmente, acontecerá o mesmo na seleção masculina. Quais são as dificuldades, os desafios de se treinar no Brasil?

Treinar no alto rendimento é difícil. Não é só a língua, mas a cultura também interfere. Claro que existe uma razão para que a CBF tenha escolhido um estrangeiro, que é o fato de que buscam uma mudança e diferentes tipos de experiência. Esse é um dos motivos pelos quais eu estou aqui. Eu preciso compartilhar as minhas ideias e minha experiência. Mas, da mesma maneira que eu preciso buscar as atletas e fazer isso, preciso me colocar no lugar dos brasileiros. Isso leva tempo, com toda a certeza leva tempo. Eu não sou mais a mesma treinadora que fui na Suécia e nos Estados Unidos, está tudo diferente. Tudo isso acontece bem se as jogadoras abrirem a mente e eu também abrir a mente. Essa é uma das coisas que eu penso que foi muito bem na Suécia, nos Estados Unidos e também aqui no Brasil. Sempre disse que o maior desafio para mim e para minha comissão técnica aqui no Brasil era arrumar a estrutura e a organização, não só no campo, que está indo muito bem, mas também fora dele. Me preocupo como faremos para ir de palavras para ações. Eu não tenho dúvidas de que é necessário avanços para se ter certeza que as coisas estão acontecendo, porque tudo leva tempo. Eu venho da Suécia e somos experts em organização. Acredito que a treinadora da Suécia hoje tem tudo muito mais planejado para a Copa do Mundo e para a Olimpíada do que eu tenho hoje. Lá eles planejam para ter sucesso, e é uma expressão que eu gostaria de usar aqui também, mas é preciso ter paciência. Com paciência as coisas acontecem, cedo ou tarde.

Sobre isso, o que mudou da treinadora Pia da Suécia, que passou pelos Estados Unidos, para a treinadora Pia do Brasil?

Eu posso dizer que com certeza sigo sendo eu mesma. Mas, se você olhar na Suécia, em que falamos do quanto eles são organizados, eu tinha certeza que tudo que eu delegava para ser feito por uma jogadora ou por um membro da comissão técnica, seria feito rápido e perfeitamente. Ou, então, eu teria uma resposta de que seria melhor se fosse feito de uma outra maneira e a explicação por esse pensamento. Na Suécia, temos uma organização muito grande, de maneira até exagerada às vezes; nos Estados Unidos e no Brasil, temos mais hierarquia. Na seleção sueca, eu usava toda a organização para tirar vantagem para o jogo e com isso as jogadoras sempre tinham muita informação sobre a partida, mas elas não eram tão emocionais em uma partida como as brasileiras. Às vezes, para mim como treinadora, era bom quando eu precisava encorajar as atletas para que elas ficassem emotivas. Nos Estados Unidos, as atletas adoram competir ao máximo. Abby Wambach uma vez me disse que era um privilégio jogar sob pressão. As americanas sempre vão competir ao máximo, até o último momento, quase se recusam a perder. Isso faz diferença, elas vencem muito. Quando eu pego essa organização sueca e esse desejo de competição das americanas, e chego em um Brasil muito mais emocional durante os jogos, fica claro para mim que é preciso separar o resultado do desempenho. Claro que isso sempre é importante e foi importante nos Estados Unidos e na Suécia, mas aqui é mais importante ainda. Porque se perdemos é uma devastação total para alguns, mas para mim é em momentos de derrota que você aprende mais por causa dos seus erros. O Brasil é muito emocional. Se você pegar o nosso último jogo, diante dos Estados Unidos, temos um exemplo. Elas marcaram minutos antes do intervalo. Se analisarmos o desempenho antes do gol, poderíamos dizer com tranquilidade que venceríamos. Claro que todo gol muda o jogo, mas aqui se olha muito para o resultado e se esquece da performance. Contudo, se o inverso ocorre, se o gol fosse nosso, todos falariam que nós somos o melhor time do mundo e iríamos jogar como malucas em campo, sem organização. Acredito que achar um equilíbrio entre as coisas é a minha busca. Em todos os lugares em que passei eu busquei achar o equilíbrio, e achando isso nós vamos bem para a Copa do Mundo.

O que você gosta de fazer em seu tempo livre?

Eu me considero uma pessoa sortuda. Um dos meus primeiros presentes foi um violão, e eu sempre estive com ele. Onde eu moro é próximo do mar, da praia, então eu consigo ver o mar. Todas as manhãs eu vou para a academia para fazer meus exercícios e consigo passar na praia. Depois da praia, eu me sinto pronta para o dia, e é muito importante para mim essa rotina. O Brasil é um país quente, com pessoas que são quentes, e meu trabalho envolve uma pressão muito grande. Então, eu preciso ter meus momentos para desligar. Isso acontece quando tenho meu violão e minhas idas para a praia.

Você tem algum restaurante preferido?

Eu vou a muitos restaurantes diferentes, para falar a verdade, de diversos tipos. Não tenho um preferido.

Já esteve no Cristo Redentor ou no Pão de Açúcar?

No Cristo Redentor sim, no Pão de Açúcar ainda não. Fui a favelas e vi vistas lindas de lá. Estive no Maracanã. Eu gosto muito do Jardim Botânico. Sou uma grande fã de árvores e isso começou com a minha vinda ao Brasil. Eu não era uma grande fã disso na Suécia, mas aqui é diferente.

Pia tem contrato com a seleção brasileiro até o fim dos Jogos Olímpicos. Foto: Amr Abdallah Dalsh/ Reuters

Suécia e Brasil são muito diferentes. O que é mais diferente entre os dois países?

Diria que é o trânsito e o barulho. Quando eu vou para a Suécia é bem mais silencioso e tem muito menos trânsito. Aqui o trânsito é muito barulhento e é preciso ter muito cuidado quando estou na rua ou vou até a CBF. São coisas que são difíceis de se acostumar.

Se a Pia treinasse a Pia jogadora, o que ela acharia?

Eu teria momentos muito difíceis com a jogadora Pia. A Pia atleta era sempre a primeira a chegar aos treinos, a última a sair do campo nos treinamentos e sempre tinha milhares de perguntas sobre o que aconteceu, quase que desafiando a treinadora. Conversava sobre a tática, sobre os treinamentos. Algumas vezes, hoje em dia, eu me pego pensando que preciso me desculpar com meus antigos treinadores.

Você gostaria de seguir no Brasil após a Copa do Mundo e a Olimpíada de Paris?

Uma das coisas que eu sou muito boa é viver o aqui e agora. Sou a melhor sonhadora que já existiu, mas estou tão focada na caminhada até a Copa do Mundo neste momento, que não consigo nem imaginar a Olimpíada. Eu sei que meu contrato acaba em 31 de agosto de 2024, mas não tenho planos para o futuro. Vai acontecer o que tiver que acontecer. A única coisa que eu posso dizer é que se eu não gostar do que estiver sentido, vou voltar para a Suécia para ficar com a minha família e amigos.

Você sonha com o título da Copa do Mundo?

Eu estou aqui para isso. A caminhada é maravilhosa até lá.

Prestes a completar quatro anos à frente da seleção brasileira feminina, a sueca Pia Sundhage está cautelosa, mas otimista quanto ao potencial do time para a Copa do Mundo, que acontece no meio do ano na Austrália e na Nova Zelândia. A treinadora assumiu o Brasil após o último Mundial com a missão de fazer a transição entre a velha guarda — que contava com Formiga, Andressa Alves e Cristiane — e a nova geração. O time se renovou, ganhou um novo padrão de jogo, conquistou a Copa América e, nas próprias palavras de Pia, tem o céu como limite.

Nesta entrevista exclusiva para o Estadão, a treinadora comenta sobre seu trabalho à frente da seleção, sobre as perspectivas para a Finalíssima diante da Inglaterra e, principalmente, sobre Copa do Mundo e o futuro da seleção feminina. De quebra, ela ainda rende muitos agradecimentos por poder trabalhar com Marta, eleita seis vezes a melhor jogadora do mundo. “Sou totalmente grata pelo que ela pode nos ajudar, realmente Marta é única. Eu me dou o direito de aproveitar cada momento, cada dia com ela.”

Como a Finalíssima diante da Inglaterra e o amistoso com a Alemanha servem de parâmetro para a Copa do Mundo?

Com certeza, teremos algumas respostas. Se você joga com os melhores times, você saberá onde está tendo sucesso e com certeza saberá onde precisa trabalhar ainda mais para melhorar em busca do objetivo. Jogar contra dois bons times, especialmente a seleção inglesa, nos deixa felizes e será uma boa experiência para todos nós. Creio que qualquer um que viu o jogo entre Alemanha e Inglaterra, na decisão da Eurocopa feminina, dirá que foi um grande jogo de futebol. Isso significa que teremos duas chances de receber respostas e avaliá-las para saber se precisamos trabalhar mais ainda, ou se podemos nos concentrar em coisas novas. E teremos avaliações individuais. Eu estou realmente feliz e agradecida de poder jogar com duas grandes seleções antes da Copa do Mundo.

Brasil jogará a Copa do Mundo Feminina com a missão de ultrapassar barreira das oitavas de final. Foto: Sam Robles/CBF

Qual o potencial da seleção brasileira para a Finalíssima?

Penso que a Inglaterra tem uma conexão de equipe muito forte. Eu não vou lhe dizer, mas existem coisas que nós também somos muito boas fazendo e você verá no jogo. Nós precisamos lidar com as principais jogadoras delas, com organização, para bloquear as jogadas de ataque. Acredito que temos confiança para isso, não permitindo que elas entrem na nossa área. Se conseguirmos isso, temos uma boa chance de vencer. No ataque, existe uma pequena diferença que leva a jogadas geniais ou a jogadas ruins. Precisamos ter um controle, um equilíbrio nas decisões. Penso que se isso acontecer temos boas chances nas duas partidas, diante de Inglaterra e Alemanha.

E para a Copa do Mundo?

Sobre a Copa do Mundo, eu gostaria muito que tivéssemos um pouco mais de tempo. Existe uma série de coisas que gostaria de trabalhar um pouco mais. Outro fator que preciso dizer sobre a Finalíssima é que na partida com a Inglaterra elas não terão jet lag. Nós teremos jogadoras do Brasileirão e dos Estados Unidos, e isso significa ter jet lag. Precisamos ter muito cuidado em ver quem vai jogar. No caso da Copa do Mundo, isso não existirá, porque todos estarão iguais. Quando eu treinei a Suécia, nunca tive este problema porque todos os jogos eram perto. Com o Brasil é um fator quase sempre. Precisamos ser inteligentes nos jogos com a Inglaterra e a Alemanha. Na Copa do Mundo, temos uma chance. Sou uma pessoa que tem pensamento positivo e vou fazer com que as atletas também acreditem nisso. Vamos tentar botar para quebrar na Austrália.

Como você vê a seleção brasileira do momento em que você chegou e agora?

É bem diferente agora por causa das mudanças. Não temos mais Bárbara, Formiga, Cristiane e Andressa Alves, que eram experientes. Mas temos Nycole, que vem jogando em Portugal, Kerolin, Adriana. Penso que estamos jogando de uma maneira parecida defensivamente, em um 4-4-2 que lembra a forma como a seleção sueca se defende. Jogando dessa forma, conseguimos fazer um bom papel defensivo na Olimpíada (de Tóquio) mesmo com jogadoras mais jovens, em que tivemos de acelerar os processos. No ataque está um pouco diferente por causa da técnica, das combinações e da dinâmica, principalmente no nosso meio de campo.

Você comentou sobre não termos Formiga, Andressa Alves e Cristiane. Hoje, a seleção brasileira é muito mais nova do que quando você chegou. Como você vê esse processo de renovação?

Olhando para o plano de jogo da seleção, quando nós renovamos a equipe, pensamos, analisamos e, na minha opinião, acabamos encontrando respostas pelo centro do campo. Vimos jogadoras jovens, sem experiência, mas com boa condição técnica e que realmente eram muito boas. Além disso, conseguimos Rafaelle e Tamires na defesa, o que fez um mix de idades. Penso que, neste momento, seja qual for a escolha técnica para o time, nós temos uma ideia de jogo, um planejamento do que queremos. A partir de agora, qualquer jogo ou treino que teremos será para que as jogadoras tenham ainda mais confiança para fazer o que sabem. Se você acredita em algo, não importa o que seja, pode acontecer. Nós vamos para os dois próximos jogos sabendo que podemos vencer e vamos buscar isso, mesmo com a dificuldade. O mesmo acontecerá na Copa do Mundo. Sabemos que podemos vencer o primeiro jogo (diante do Panamá), o segundo jogo será contra a França... O limite é o céu. Teremos dificuldades, mas todas as equipes e todas as pessoas têm dificuldades. Acredito que se jogarmos o nosso melhor futebol, vamos ganhar uma medalha. Acredito que meu trabalho é fazer cada atleta não só acreditar em si, mas acreditar em todas as companheiras e também na comissão técnica. O que eu posso dizer para todos é que tenham atenção no Brasil, porque existe a chance.

Quando você chegou, o Brasil tinha a Marta, ainda tem, mas existe vida na seleção sem ela?

Cedo ou tarde ela vai ter de parar ou diminuir um pouco. Eu tenho de dizer que, durante a minha carreira, eu me machuquei como ela. Quando voltei da lesão, estava agradecida, e ela, na minha opinião, parece estar totalmente cheia de energia. Ela é uma atleta que joga para o time. Hoje ela não é tão rápida ou intensa quanto era em 2008, quando enfrentei o Brasil como treinadora, mas ela está ainda mais rápida no pensamento e ainda mais inteligente. No jogo em si, dar o último passe é uma das coisas mais difíceis hoje em dia, por causa da velocidade e dinâmica, e ela é uma das que podem ajudar o time com esse passe nesse momento do jogo. Sou totalmente grata pelo que ela pode nos ajudar, realmente Marta é única. Eu me dou o direito de aproveitar cada momento, cada dia com ela.

Olhando para o time brasileiro, temos dois problemas de lesão com a Lorena e a Ludmila. Como você imagina a seleção sem essas duas peças?

Eu lamento muito a lesão da Ludmila e o tempo que ela ficará fora. Ela não domina completamente todas as funções de sua posição, mas ela é totalmente dominante em uma característica importante para nós, que é a velocidade. Ela mostrou isso na Olimpíada diante da Holanda, e agora não teremos isso na Copa do Mundo. Espero ter na Olimpíada (de Paris). Olhando para o elenco, apesar de não ter essa característica dela, conseguimos ter atletas que nos ajudam de outras formas e precisamos nos adaptar para isso. Sobre a Lorena, ela vai voltar a tempo. O bom quando falamos de goleiras é que sempre teremos mais de uma e todas trabalham da mesma maneira. Eu estou muito feliz pela forma como o nosso preparador de goleiras tem trabalhado com todas. Sim, é verdade que não teremos Lorena para esses dois jogos de agora, mas temos a Lelê, que está conosco há muito tempo e vai nos ajudar na função.

Pia reconhece que desempenho no Mundial será determinante para sequência do trabalho. Foto: Amr Abdallah Dalsh/ Reuters

Você é a primeira técnica estrangeira a comandar a seleção brasileira. Agora, provavelmente, acontecerá o mesmo na seleção masculina. Quais são as dificuldades, os desafios de se treinar no Brasil?

Treinar no alto rendimento é difícil. Não é só a língua, mas a cultura também interfere. Claro que existe uma razão para que a CBF tenha escolhido um estrangeiro, que é o fato de que buscam uma mudança e diferentes tipos de experiência. Esse é um dos motivos pelos quais eu estou aqui. Eu preciso compartilhar as minhas ideias e minha experiência. Mas, da mesma maneira que eu preciso buscar as atletas e fazer isso, preciso me colocar no lugar dos brasileiros. Isso leva tempo, com toda a certeza leva tempo. Eu não sou mais a mesma treinadora que fui na Suécia e nos Estados Unidos, está tudo diferente. Tudo isso acontece bem se as jogadoras abrirem a mente e eu também abrir a mente. Essa é uma das coisas que eu penso que foi muito bem na Suécia, nos Estados Unidos e também aqui no Brasil. Sempre disse que o maior desafio para mim e para minha comissão técnica aqui no Brasil era arrumar a estrutura e a organização, não só no campo, que está indo muito bem, mas também fora dele. Me preocupo como faremos para ir de palavras para ações. Eu não tenho dúvidas de que é necessário avanços para se ter certeza que as coisas estão acontecendo, porque tudo leva tempo. Eu venho da Suécia e somos experts em organização. Acredito que a treinadora da Suécia hoje tem tudo muito mais planejado para a Copa do Mundo e para a Olimpíada do que eu tenho hoje. Lá eles planejam para ter sucesso, e é uma expressão que eu gostaria de usar aqui também, mas é preciso ter paciência. Com paciência as coisas acontecem, cedo ou tarde.

Sobre isso, o que mudou da treinadora Pia da Suécia, que passou pelos Estados Unidos, para a treinadora Pia do Brasil?

Eu posso dizer que com certeza sigo sendo eu mesma. Mas, se você olhar na Suécia, em que falamos do quanto eles são organizados, eu tinha certeza que tudo que eu delegava para ser feito por uma jogadora ou por um membro da comissão técnica, seria feito rápido e perfeitamente. Ou, então, eu teria uma resposta de que seria melhor se fosse feito de uma outra maneira e a explicação por esse pensamento. Na Suécia, temos uma organização muito grande, de maneira até exagerada às vezes; nos Estados Unidos e no Brasil, temos mais hierarquia. Na seleção sueca, eu usava toda a organização para tirar vantagem para o jogo e com isso as jogadoras sempre tinham muita informação sobre a partida, mas elas não eram tão emocionais em uma partida como as brasileiras. Às vezes, para mim como treinadora, era bom quando eu precisava encorajar as atletas para que elas ficassem emotivas. Nos Estados Unidos, as atletas adoram competir ao máximo. Abby Wambach uma vez me disse que era um privilégio jogar sob pressão. As americanas sempre vão competir ao máximo, até o último momento, quase se recusam a perder. Isso faz diferença, elas vencem muito. Quando eu pego essa organização sueca e esse desejo de competição das americanas, e chego em um Brasil muito mais emocional durante os jogos, fica claro para mim que é preciso separar o resultado do desempenho. Claro que isso sempre é importante e foi importante nos Estados Unidos e na Suécia, mas aqui é mais importante ainda. Porque se perdemos é uma devastação total para alguns, mas para mim é em momentos de derrota que você aprende mais por causa dos seus erros. O Brasil é muito emocional. Se você pegar o nosso último jogo, diante dos Estados Unidos, temos um exemplo. Elas marcaram minutos antes do intervalo. Se analisarmos o desempenho antes do gol, poderíamos dizer com tranquilidade que venceríamos. Claro que todo gol muda o jogo, mas aqui se olha muito para o resultado e se esquece da performance. Contudo, se o inverso ocorre, se o gol fosse nosso, todos falariam que nós somos o melhor time do mundo e iríamos jogar como malucas em campo, sem organização. Acredito que achar um equilíbrio entre as coisas é a minha busca. Em todos os lugares em que passei eu busquei achar o equilíbrio, e achando isso nós vamos bem para a Copa do Mundo.

O que você gosta de fazer em seu tempo livre?

Eu me considero uma pessoa sortuda. Um dos meus primeiros presentes foi um violão, e eu sempre estive com ele. Onde eu moro é próximo do mar, da praia, então eu consigo ver o mar. Todas as manhãs eu vou para a academia para fazer meus exercícios e consigo passar na praia. Depois da praia, eu me sinto pronta para o dia, e é muito importante para mim essa rotina. O Brasil é um país quente, com pessoas que são quentes, e meu trabalho envolve uma pressão muito grande. Então, eu preciso ter meus momentos para desligar. Isso acontece quando tenho meu violão e minhas idas para a praia.

Você tem algum restaurante preferido?

Eu vou a muitos restaurantes diferentes, para falar a verdade, de diversos tipos. Não tenho um preferido.

Já esteve no Cristo Redentor ou no Pão de Açúcar?

No Cristo Redentor sim, no Pão de Açúcar ainda não. Fui a favelas e vi vistas lindas de lá. Estive no Maracanã. Eu gosto muito do Jardim Botânico. Sou uma grande fã de árvores e isso começou com a minha vinda ao Brasil. Eu não era uma grande fã disso na Suécia, mas aqui é diferente.

Pia tem contrato com a seleção brasileiro até o fim dos Jogos Olímpicos. Foto: Amr Abdallah Dalsh/ Reuters

Suécia e Brasil são muito diferentes. O que é mais diferente entre os dois países?

Diria que é o trânsito e o barulho. Quando eu vou para a Suécia é bem mais silencioso e tem muito menos trânsito. Aqui o trânsito é muito barulhento e é preciso ter muito cuidado quando estou na rua ou vou até a CBF. São coisas que são difíceis de se acostumar.

Se a Pia treinasse a Pia jogadora, o que ela acharia?

Eu teria momentos muito difíceis com a jogadora Pia. A Pia atleta era sempre a primeira a chegar aos treinos, a última a sair do campo nos treinamentos e sempre tinha milhares de perguntas sobre o que aconteceu, quase que desafiando a treinadora. Conversava sobre a tática, sobre os treinamentos. Algumas vezes, hoje em dia, eu me pego pensando que preciso me desculpar com meus antigos treinadores.

Você gostaria de seguir no Brasil após a Copa do Mundo e a Olimpíada de Paris?

Uma das coisas que eu sou muito boa é viver o aqui e agora. Sou a melhor sonhadora que já existiu, mas estou tão focada na caminhada até a Copa do Mundo neste momento, que não consigo nem imaginar a Olimpíada. Eu sei que meu contrato acaba em 31 de agosto de 2024, mas não tenho planos para o futuro. Vai acontecer o que tiver que acontecer. A única coisa que eu posso dizer é que se eu não gostar do que estiver sentido, vou voltar para a Suécia para ficar com a minha família e amigos.

Você sonha com o título da Copa do Mundo?

Eu estou aqui para isso. A caminhada é maravilhosa até lá.

Entrevista por Marcio Dolzan
Paulo Chacon

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