Não aceito essas caras de surpresas dos membros da Fifa e do futebol mundial com as condições do Catar. Não cola. Todos sabiam desde 2010, quando o país foi escolhido para sediar a Copa do Mundo de 2022, que a Fifa estava desafiando uma comunidade religiosa muçulmana, com regras e culturas opostas à festa do futebol. Mas a Fifa pagou para ver. Ou recebeu para manter sua decisão, confirmando o Catar como o primeiro país do mundo árabe a sediar a Copa.
Nada acontece por acaso nos corredores da Fifa, em Zurique. Nada. Os bastidores da entidade na Suíça, como foi comprovado pela série de prisões desde 2015 de seus dirigentes, inclusive de brasileiros, são sujos, armados e movidos por interesses e dinheiro.
O Catar não surpreende o mundo com o desrespeito aos direitos humanos, especialmente às mulheres, mas também à comunidade LGBT+ e aos trabalhadores estrangeiros que, acima de tudo, precisam ficar calados porque dependem do salário mensal. Quando chegam ao país, em muitos casos, seus passaportes são tomados pelos patrões.
A Fifa, no entanto, com sua decisão de se juntar ao Catar, expõe o Mundial a todo tipo de sorte, condena a liberdade de imprensa dos jornalistas do mundo inteiro, que terão problemas para contar suas histórias, como já aconteceu com um repórter dinamarquês de TV. Isso não vai parar. A ganância da Fifa também deixa em saia-justa jogadores, confederações filiadas e dirigentes mais esclarecidos que não aceitam as condições de vida do Catar ou mesmo de aplaudir e se sentar à mesma mesa ou num estádio com seus representantes, como o emir do país.
Seleções serão proibidas de se manifestar, com ameaças de punição esportiva. O presidente da Fifa, Gianni Infantino, deu o recado nesta semana ao pedir para todos “focarem mais no futebol”. Ora, o que ele quis dizer, em minhas palavras, foi: “esqueçam todo o resto, essas coisas de direitos humanos, grupos minoritários, tratamento às mulheres... e pensem agora em futebol”.
Disse como se isso fosse possível. Quatro anos atrás, o mundo se dobrou diante do czar Vladimir Putin numa Rússia que se propunha moderna e aberta ao povos da Copa. Hoje, o mesmo Putin é condenado internacionalmente pela guerra imposta aos ucranianos. Como fica a Fifa nessa?
A escolha do Catar se deu muito mais por motivos políticos e financeiros do que esportivos. Ou alguém duvida disso? Por que dar uma Copa do Mundo, o maior evento da Terra, a um país sem estádios, sem condições de receber o futebol e suas tradições, cheio de denúncias que ferem os direitos humanos e todas essas situações nada a ver com o público festivo do esporte mais popular do planeta? Antes de a bola rolar e nos divertir, era preciso apresentar o país-sede.