Após a eliminação para a Croácia na Copa do Mundo do Catar, a seleção brasileira indicou a necessidade de contar com novos protagonistas para suceder Neymar e dividir as atenções com Vini Jr. no Mundial de 2026. Promessas da nova geração dão esperança ao País na busca pelo Hexa, mas a dificuldade de jogadores com grandes expectativas, como Endrick e Vitor Roque, em deslanchar no futebol europeu, coloca um ponto de interrogação sobre a carreira destes atletas no Velho Continente.
É cada vez mais comum gigantes da Europa negociarem a contratação de jogadores da América do Sul antes mesmo de eles chegarem à maioridade. Com os avanços nas ferramentas que auxiliam na captação de talentos, os clubes optam por comprar atletas antes de o valor de mercado deles aumentar, e ficam incumbidos de terminar a formação do jovem no principal centro do futebol no planeta.
Endrick foi negociado pelo Palmeiras ao Real Madrid em 2022, quando ele tinha apenas 16 anos, em uma transação de 60 milhões de euros (R$ 330 milhões). À época, ele acabara de subir ao profissional após reinar na base palmeirense, vencendo pelo menos um título em todas as categorias desde o sub-11. Em 2023, foi o grande destaque da equipe de Abel Ferreira na arrancada para o título Brasileiro, sendo convocado para a seleção brasileira e chamando a atenção da imprensa espanhola, que já projetava sucesso do prodígio nos gramados do país.
A trajetória de Endrick com a camisa do Real tem sido de pouco brilho até o momento. Nos primeiros seis meses, foram 15 jogos, mas apenas um como titular, e dois gols marcados. O jovem acumulou somente 158 minutos em campo, o que lhe custou a presença nas últimas convocações da seleção brasileira. Na segunda-feira, ele recebeu oportunidade entre os 11 iniciais no duelo com a modesta Deportiva Mineira, mas teve atuação discreta na goleada por 5 a 0.
Alguns fatores contribuem para a falta de sequência de Endrick no Real Madrid, que apesar da liderança na LaLiga, corre o risco de ficar fora até mesmo dos playoffs das oitavas de final da Champions. Em princípio, ele disputa posição com Kylian Mbappé, astro da seleção francesa e um dos principais nomes do futebol mundial. Como se o cenário já não fosse complicado, o brasileiro ainda está atrás de Arda Güller, promissor meio-campista cuja expectativas também são altas, e Brahim Díaz, meia-atacante da seleção marroquina de maior bagagem, com passagens por Milan e Manchester City.
“O Endrick dá azar de chegar no Real Madrid em um momento que o time não está resolvido na frente. O Mbappé é contratado também e a equipe tem dificuldade de encaixar ele com Rodrygo e Vini Jr. O Ancelotti chega a testar formações com dois atacantes quando o Vinicius se machuca, mas com o trio disponível, ele tenta usá-los sempre para o time ganhar entrosamento. Acaba sobrando pouco espaços para outros atacantes”, observa Ubiratan Leal, comentarista esportivo dos canais ESPN.
Tanto Vini Jr. quanto Rodrygo “estagiaram” no Castilla, o Real Madrid B, antes de fazerem parte do time principal. Contudo, Endrick chegou na Espanha com um projeto para ser aproveitado no time principal logo de cara. Um descenso à equipe alternativa chegou a ser ventilado na imprensa espanhola. “O Endrick chega no Real com mais cartaz do que o Vini e o Rodrygo. Ir pra o Castilla pode limar ainda mais a confiança dele”, aponta Ubiratan. “Um empréstimo para um time com condições de ele se desenvolver, como aconteceu com o Vitor Roque, no Betis, é mais interessante.”
Revelado nas categorias de base do Cruzeiro, Vitor Roque chegou ao Athletico como grande promessa e respondeu rapidamente, sendo protagonista do time paranaense com apenas 17 anos. O sucesso do jovem o levou a ser negociado com o Barcelona por 71 milhões de euros (cerca de R$ 381 milhões). Contudo, ele ficou escanteado no time catalão, cuja referência na frente é o artilheiro polonês Robert Lewandowski.
Assim como Endrick, Vitor Roque também não conseguiu corresponder em campo nas poucas chances que teve. Com a sua contratação bancada por Deco, diretor de futebol do Barcelona, o brasileiro não contou com o prestígio de Xavi, técnico do time em sua chegada na Espanha, e teve dificuldade para atender os pedidos do alemão Hansi Flick, atual comandante da equipe, para jogar pelos lados.
Vitor Roque teve apenas 353 minutos minutos com a camisa do Barcelona, com dois gols em 16 jogos, números similares de Endrick no Real. O caminho encontrado pela diretoria foi emprestá-lo ao Betis, time intermediário da LaLiga. “Ele tem jogado bem e tá começando a a recuperar um pouco a imagem dele, mostrando que tem condições de jogar na Europa”, diz Ubiratan.
Não é apenas Endrick e Vitor Roque que deixaram a desejar no início de suas trajetórias na Europa. O meia-atacante Luis Guilherme, de 18 anos, negociado pelo Palmeiras junto ao West Ham por mais de R$ 170 milhões, praticamente não é utilizado no time de Londres. Cenário semelhante é vivido por Deivid Washington, de 19 anos, no Chelsea, também na Inglaterra. O atacante mal apresentou seu futebol com a camisa do Santos e foi vendido por 20 milhões de euros (R$ 105,4 milhões).
Para Ubiratan Leal, a adaptação ao futebol inglês tende a ser mais complicada do que em outros lugares pelo dinamismo e intensidade das partidas. O comentarista acredita que Estêvão também pode ter de lidar com a falta de minutos no Chelsea. Destaque do Palmeiras na temporada, o jogador de 17 anos vai para o Chelsea após a disputa do Mundial de Clubes, em julho. O prodígio foi negociado com os ingleses em uma operação de 61,5 milhões de euros (R$ 358 milhões) e marcou presença nos compromissos recentes da seleção.
“O Chelsea é um time que já está encaixado e tem um problema de ter muitos jogadores no elenco. O Maresca (técnico) já falou que quer trabalhar só com 25 atletas e deixar os outros treinando. Não duvidaria o Estêvão ter mais dificuldade até do que o Endrick”, diz o comentarista. “O Maresca fala que vê o Estêvão jogando como 10, mas essa é justamente a função do Cole Palmer, craque do time.”
Ansiedade e rodagem
É difícil apontar a idade ideal para um jogador ir para a Europa, em qual país ele irá se adaptar melhor, ou se o retorno ao futebol brasileiro é o melhor caminho. Há casos como o de Luiz Henrique, que completou 24 anos no último dia 2 de janeiro. “Escondido” no Betis, ele retornou ao Brasil e se firmou como um dos protagonistas do Botafogo na conquista dos títulos da Libertadores e Brasileirão. Agora, tem o desejo de retornar ao Velho Continente para emplacar o bom momento também no Velho Continente em uma equipe de maior relevância.
Há casos também como o de Savinho, de 20 anos. Contratado pelo Grupo City junto ao Atlético-MG, sua presença no time inglês foi descartada logo de cara, sendo emprestado para times da França e Holanda até se firmar no modesto Girona, da Espanha, onde brilhou e foi “efetivado” para jogar na equipe de Pep Guardiola. O técnico espanhol considera o brasileiro titular absoluto, e o atacante é outro que conquistou espaço na seleção.
Para João Ricardo Cozac, psicólogo do esporte e presidente da Associação Paulista da Psicologia do esporte e do exercício físico, as altas expectativas sobre jovens, como nos casos de Endrick e Vitor Roque, podem acabar pesando no desenvolvimento.
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“O que se observa que esses atletas que saem do Brasil de forma ainda desconhecida têm um pouco mais de resiliência para aguardar o desenvolvimento, e a melhora adaptação do que os atletas que já saem com grandes expectativas. Por conta da notoriedade pública, da qualidade e da alta performance, eles saem com a expectativa que vai mudar o ambiente, mas o seu entorno não vai mudar, e começa a ter problemas com idioma, clima, alimentação e muitas vezes de estrutura técnica. A Europa tem conceitos peculiares ao nosso”, explica.
“É importante o atleta ter o apoio do trabalho de psicologia para auxiliar na ambientação de novos fatores, também para equilibrar as expectativas de tudo o que o atleta sonhou. O papel da família e do treinador acaba sendo importante nesse sentido caso esse sonho acaba não acontecendo na mesma intensidade e velocidade desejada pelo jogador”, conclui.