Por que o Luva de Pedreiro ficou famoso? Especialistas explicam o fenômeno


Em pouco mais de um ano, influenciador de Quijingue, no interior da Bahia, ganhou o mundo e acumula mais de 37 milhões de seguidores nas redes sociais

Por Rodrigo Sampaio
Atualização:

Um campinho de terra batida, uma bola de futebol e uma conta no Tik Tok. Adicione a esta receita muita habilidade com os pés diante da câmera, uma pitada de bom-humor e um acessório que virou sinônimo de sucesso nas redes sociais. Foi desta maneira que o jovem Iran Ferreira, o “Luva de Pedreiro”, conquistou fãs no Brasil e no mundo, e, impulsionado pelo bordão “receba”, atualmente viaja a outros países conhecendo figuras importantes do esporte e fecha contratos com grandes marcas. Mas, afinal, por que o baiano da pequena cidade de Quijingue é tão famoso? O que ele tem de especial? Especialistas procurados pelo Estadão explicam o fenômeno, que passa pela autenticidade, brasilidade e fácil identificação com o jovem.

Não há dúvidas de que existe um magnetismo em torno do Luva de Pedreiro. O fenômeno, que teve início em março do ano passado, quando Iran publicou seu primeiro vídeo, tem trajetória diferenciada no mercado de influenciadores digitais, que tradicionalmente exige uma construção de comunidade e produção assídua de conteúdos para que uma pessoa seja considerada, de fato, um influenciador, e possa viver de sua imagem. É o que explica Issaaf Karhawi, doutora em Ciências da Comunicação pela USP e especialista no universo dos influencers.

“Temos vivido um momento de virada no mercado de influência, em que se reivindica uma influência mais autêntica, justamente em oposição a este cenário mais profissionalizado e orquestrado. Isso abre espaço para personalidades como o Luva de Pedreiro, que conquista audiências e visibilidade pela autenticidade e maneira genuína com que lida com as redes”, diz.

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Segundo Issaaf, diferentemente do Instagram, onde a construção de influência ocorre pela legitimação por meio do que os públicos entendem como mais ou menos valioso na produção de conteúdo, o Tik Tok se organiza por uma lógica não necessariamente centrada no produtor de conteúdo, mas no caráter de viralização, tornando possível o surgimento de figuras como o Luva de Pedreiro. Foi na plataforma de vídeos curtos, onde atualmente soma 19,3 milhões de seguidores — no Instagram são 18,2 milhões —, que Iran emergiu da pacata Quijingue para a tela de milhões de fãs de futebol, esbanjando precisão em chutes de fora área. O “receba” cativou até mesmo o filho de Cristiano Ronaldo, e a referência ao baiano ocorreu, inclusive, do Vaticano, onde fica o papa Francisco.

Além do potencial para viralizar, outro ponto que acompanha o Luva de Pedreiro em seus vídeos é o tom espirituoso das suas publicações, se autointitulado “melhor do mundo” e agradecendo a Deus pelo sucesso de cada lance gravado, quase sempre se ajoelhando e apontando para o céu. Os trejeitos facilmente identificáveis e a comicidade que permeia seus vídeos — não há intenção direta em fazer rir — abrem espaço para categorizá-lo também como um meme.

Iran Ferreira, o Luva de Pedreiro, acumula mais de 37 milhões de seguidores nas redes Foto: Divulgação
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“Ele inicia como um influenciador ‘memético’, que vai passa de meme para influenciador. Estamos falando de uma outra categoria de celebridades digitais. Temos muitos fora do Brasil, que começaram como figurinhas no WhatsApp e depois passaram a reunir um número grande de seguidores e aí passam a fazer disso uma profissão”, explica Issaaf. “O meme é uma simplificação de um sentimento de uma angústia de um tempo, é a sintetização de uma discussão, de um sentimento, que é colocado em circulação. De certa forma, o Luva de Pedreiro sintetiza um senso de humor, um jeito de lidar com uma vitória, com a diversão e, em certa medida, esse caráter memético permitiu a circulação e a visibilidade. O próprio ‘receba’ sintetiza um sentimento que pode ser usado em diversas situações e tem muita facilidade de propagabilidade”, diz.

Brasilidade

Se por um lado a autenticidade e o bom-humor do Luva, como já é popularmente conhecido, cativam os que se divertem com seus vídeos, por outro a origem humilde de Iran Ferreira é o que ajuda a explicar a simpatia causada em quem pouco o conhece. Com uma origem humilde, o jovem já declarou anteriormente que mal sabe ler e que trabalha para ajudar os pais, Dona Lenilza e Seu Arivaldo. O seu sonho não é diferente do de milhares crianças e adolescentes espalhados pelo País: ser um jogador de futebol. Para Hugo Araújo, Doutorando em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e especialista do futebol enquanto movimento cultural e identidades coletivas, a trajetória de dificuldade, mesmo quando exposta de forma subliminar, é motivo de afeição, mas é potencializada pelo envolvimento do esporte Bretão.

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“As pessoas podem ascender pessoalmente de várias maneiras, mas quando envolve algum tipo de expressão cultural popular, como é o caso do futebol, isso ganha outra dimensão. O futebol tem uma capacidade muito grande de articular identidades, certos valores, certas sociabilidades, que tem uma conexão muito profunda com a vida cotidiana das pessoas”, explica Hugo. “O próprio sentimento de nacionalidade no Brasil só se difunde por todas as classes sociais através do futebol. O futebol inventa o Brasil enquanto comunidade, e o Luva representa bem essa brasilidade, dos que estão à margem.”

Ainda de acordo com Araújo, Luva de Pedreiro não chega a desfrutar exatamente do status de ídolo, mas é um símbolo para quem defende o dito “futebol raiz”, que exalta o tradicionalismo no esporte, contra o “futebol Nutella”, que enfeita ou supervaloriza as alegorias do mundo da bola. Isso porque o seu sucesso reside justamente no fato de ele ser um contraste com os ídolos do futebol das cifras milionárias, fazendo do influenciador uma espécie de representante do lado B do futebol.

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“Atualmente, os jogadores profissionais são cada vez mais inacessíveis, com um ciclo social cada vez mais fechado. E o Luva é o oposto disso. As características que os torcedores identificam hoje em um ídolo talvez estejam mais no Luva do que nos próprios jogadores”, argumenta.

O sucesso do Luva de Pedreiro é tanto que o influenciador já ganhou até mesmo um sósia. Antônio Júnior, o ‘Toinho’, ganhou as redes por fazer uma imitação de Iran ao estilo “mundo invertido”. O “receba” virou “devolva”, e a afirmação de “melhor do mundo” deu lugar ao sugestivo “pior do mundo”. O “sim”, imitando a comemoração de Cristiano Ronaldo, é “não”. Natural do município de Amargosa, no Interior da Bahia, o jovem de 21 anos ganhou a simpatia das redes ao imitar os trejeitos do Luva, como chutes no ângulo — sempre vencidos pelo goleiro.

“A ideia de criar o sósia veio de amigos, que falavam que eu parecia com o Luva. Mas eu não acreditava até chegar em uma festa de São João. Um pessoal que eu nunca tinha visto na vida me parou para tirar foto. E daí tive a ideia de criar o sósia”, conta o Antônio.

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Ao explicar o porquê se considera um fã de Iran Ferreira, ele, que já acumula 100,5 mil seguidores nas redes sociais, cita justamente pontos argumentados pelos especialistas. “Ele tem um carisma, é um cara muito humilde, batalhador, que vem de família mais pobre, trabalha com o pai e venceu na vida. Me considero muito fã por causa disso”, conta.

Inspirado por Iran Ferreira, Antônio não esconde o desejo de também seguir a carreira como influenciador digital. Antes do Luva fake, ele fazia outros tipos de vídeos para internet, como pegadinhas e vlogs. “Quero continuar fazendo vídeos como sósia do Luva pois gosto da oportunidade de fazer o dia de uma pessoa mais feliz com uma risada”.

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‘Receba’ ganha o mundo, mas até quando?

Levando em consideração os aspectos sociológicos e midiáticos citados anteriormente, é fácil entender o porquê da procura de diversas empresas para patrocinar Iran Ferreira e tê-lo como garoto propaganda. Entre as marcas que têm o “Luva” como rosto estão o Amazon Prime Video, serviço de streaming no qual divulga as competições exibidas na plataforma, e a adidas, que escolheu o influenciador para ser embaixador da marca de material esportivo. “A chegada do Luva de Pedreiro para o nosso time de embaixadores reforça nossos investimentos no Brasil e nos deixa ainda mais próximos do público jovem que se diverte com a irreverência e autenticidade do Luva”, diz João Meyer, diretor sênior de marketing da adidas no País Brasil.

Apesar de os influenciadores estarem quase sempre ligados ao impacto que eles têm na decisão de compra de um produto ou um bem pelos seus seguidores, eles também podem ser classificados como formadores de opinião ou, como no caso do Luva de Pedreiro, como espaço para o consumo de entretenimento.

“Se por muito tempo a televisão e o cinema foram redutos do entretenimento, onde as pessoas buscavam diversão ou um hobby, hoje os influenciadores também ocupam esse espaço”, destaca Issaaf.

Durante a última turnê do Iran Ferreira pela Europa, ele visitou o CT do Atlético de Madrid e, mais recentemente, conheceu o local de trabalho da Juventus, na Itália. Não é novidade que os diários esportivos internacionais registraram a passagem do brasileiro no Velho Continente. Porém, nada de Luva de Pedreiro. Fora do Brasil, o jovem de 20 anos é mais conhecido como “receba”, seu bordão mais famoso. O chavão surgiu originalmente no universo dos jogos online, como forma de resposta a adversários e críticos.

Assim como o Luva de Pedreiro representa a brasilidade, os bordões são expressões com grande apelo no País. De comerciais de supermercado em anúncios de televisão a programas de comédia, os bordões ultrapassaram gerações e ajudaram a definir a maneira como o brasileiro ri. No caso de Luva, o bordão virou slogan, e o ajuda na cristalização da própria marca — ele mesmo.

Em julho, dias após romper com o ex-agente Allan Jesus e assinar com o ex-jogador de futsal Falcão, Iran revelou aos seguidores que estava em São Paulo para assinar o maior contrato de sua vida, mas sem revelar números. Mas até quando o sucesso irá acompanhar Iran? Segundo Bruno Peres, professor de marketing digital da ESPM, a diversificação do conteúdo é crucial para manter a relevância depois do estouro, especialmente em um País com mais de 500 mil influenciadores.

“Acredito que com o Falcão ele consiga trazer desafios diferentes, ideias inovadores. Isso vai trazer proximidade com mais marcas e consequentemente mais seguidores. Claro que não com a mesma velocidade de antes, mas é um caminho para ficar em evidência”, diz Bruno. “Temos exemplos de influenciadores que estão há muito tempo fazendo sucesso, como o Casimiro e o Fred, do canal ‘Desimpedidos’. Com as ferramentas dos aplicativos que temos, com filtros e edição de vídeos, certamente novos influenciadores vão surgir, com alcance similar ou até maior que o Luva de Pedreiro.”

Um campinho de terra batida, uma bola de futebol e uma conta no Tik Tok. Adicione a esta receita muita habilidade com os pés diante da câmera, uma pitada de bom-humor e um acessório que virou sinônimo de sucesso nas redes sociais. Foi desta maneira que o jovem Iran Ferreira, o “Luva de Pedreiro”, conquistou fãs no Brasil e no mundo, e, impulsionado pelo bordão “receba”, atualmente viaja a outros países conhecendo figuras importantes do esporte e fecha contratos com grandes marcas. Mas, afinal, por que o baiano da pequena cidade de Quijingue é tão famoso? O que ele tem de especial? Especialistas procurados pelo Estadão explicam o fenômeno, que passa pela autenticidade, brasilidade e fácil identificação com o jovem.

Não há dúvidas de que existe um magnetismo em torno do Luva de Pedreiro. O fenômeno, que teve início em março do ano passado, quando Iran publicou seu primeiro vídeo, tem trajetória diferenciada no mercado de influenciadores digitais, que tradicionalmente exige uma construção de comunidade e produção assídua de conteúdos para que uma pessoa seja considerada, de fato, um influenciador, e possa viver de sua imagem. É o que explica Issaaf Karhawi, doutora em Ciências da Comunicação pela USP e especialista no universo dos influencers.

“Temos vivido um momento de virada no mercado de influência, em que se reivindica uma influência mais autêntica, justamente em oposição a este cenário mais profissionalizado e orquestrado. Isso abre espaço para personalidades como o Luva de Pedreiro, que conquista audiências e visibilidade pela autenticidade e maneira genuína com que lida com as redes”, diz.

Segundo Issaaf, diferentemente do Instagram, onde a construção de influência ocorre pela legitimação por meio do que os públicos entendem como mais ou menos valioso na produção de conteúdo, o Tik Tok se organiza por uma lógica não necessariamente centrada no produtor de conteúdo, mas no caráter de viralização, tornando possível o surgimento de figuras como o Luva de Pedreiro. Foi na plataforma de vídeos curtos, onde atualmente soma 19,3 milhões de seguidores — no Instagram são 18,2 milhões —, que Iran emergiu da pacata Quijingue para a tela de milhões de fãs de futebol, esbanjando precisão em chutes de fora área. O “receba” cativou até mesmo o filho de Cristiano Ronaldo, e a referência ao baiano ocorreu, inclusive, do Vaticano, onde fica o papa Francisco.

Além do potencial para viralizar, outro ponto que acompanha o Luva de Pedreiro em seus vídeos é o tom espirituoso das suas publicações, se autointitulado “melhor do mundo” e agradecendo a Deus pelo sucesso de cada lance gravado, quase sempre se ajoelhando e apontando para o céu. Os trejeitos facilmente identificáveis e a comicidade que permeia seus vídeos — não há intenção direta em fazer rir — abrem espaço para categorizá-lo também como um meme.

Iran Ferreira, o Luva de Pedreiro, acumula mais de 37 milhões de seguidores nas redes Foto: Divulgação

“Ele inicia como um influenciador ‘memético’, que vai passa de meme para influenciador. Estamos falando de uma outra categoria de celebridades digitais. Temos muitos fora do Brasil, que começaram como figurinhas no WhatsApp e depois passaram a reunir um número grande de seguidores e aí passam a fazer disso uma profissão”, explica Issaaf. “O meme é uma simplificação de um sentimento de uma angústia de um tempo, é a sintetização de uma discussão, de um sentimento, que é colocado em circulação. De certa forma, o Luva de Pedreiro sintetiza um senso de humor, um jeito de lidar com uma vitória, com a diversão e, em certa medida, esse caráter memético permitiu a circulação e a visibilidade. O próprio ‘receba’ sintetiza um sentimento que pode ser usado em diversas situações e tem muita facilidade de propagabilidade”, diz.

Brasilidade

Se por um lado a autenticidade e o bom-humor do Luva, como já é popularmente conhecido, cativam os que se divertem com seus vídeos, por outro a origem humilde de Iran Ferreira é o que ajuda a explicar a simpatia causada em quem pouco o conhece. Com uma origem humilde, o jovem já declarou anteriormente que mal sabe ler e que trabalha para ajudar os pais, Dona Lenilza e Seu Arivaldo. O seu sonho não é diferente do de milhares crianças e adolescentes espalhados pelo País: ser um jogador de futebol. Para Hugo Araújo, Doutorando em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e especialista do futebol enquanto movimento cultural e identidades coletivas, a trajetória de dificuldade, mesmo quando exposta de forma subliminar, é motivo de afeição, mas é potencializada pelo envolvimento do esporte Bretão.

“As pessoas podem ascender pessoalmente de várias maneiras, mas quando envolve algum tipo de expressão cultural popular, como é o caso do futebol, isso ganha outra dimensão. O futebol tem uma capacidade muito grande de articular identidades, certos valores, certas sociabilidades, que tem uma conexão muito profunda com a vida cotidiana das pessoas”, explica Hugo. “O próprio sentimento de nacionalidade no Brasil só se difunde por todas as classes sociais através do futebol. O futebol inventa o Brasil enquanto comunidade, e o Luva representa bem essa brasilidade, dos que estão à margem.”

Ainda de acordo com Araújo, Luva de Pedreiro não chega a desfrutar exatamente do status de ídolo, mas é um símbolo para quem defende o dito “futebol raiz”, que exalta o tradicionalismo no esporte, contra o “futebol Nutella”, que enfeita ou supervaloriza as alegorias do mundo da bola. Isso porque o seu sucesso reside justamente no fato de ele ser um contraste com os ídolos do futebol das cifras milionárias, fazendo do influenciador uma espécie de representante do lado B do futebol.

“Atualmente, os jogadores profissionais são cada vez mais inacessíveis, com um ciclo social cada vez mais fechado. E o Luva é o oposto disso. As características que os torcedores identificam hoje em um ídolo talvez estejam mais no Luva do que nos próprios jogadores”, argumenta.

O sucesso do Luva de Pedreiro é tanto que o influenciador já ganhou até mesmo um sósia. Antônio Júnior, o ‘Toinho’, ganhou as redes por fazer uma imitação de Iran ao estilo “mundo invertido”. O “receba” virou “devolva”, e a afirmação de “melhor do mundo” deu lugar ao sugestivo “pior do mundo”. O “sim”, imitando a comemoração de Cristiano Ronaldo, é “não”. Natural do município de Amargosa, no Interior da Bahia, o jovem de 21 anos ganhou a simpatia das redes ao imitar os trejeitos do Luva, como chutes no ângulo — sempre vencidos pelo goleiro.

“A ideia de criar o sósia veio de amigos, que falavam que eu parecia com o Luva. Mas eu não acreditava até chegar em uma festa de São João. Um pessoal que eu nunca tinha visto na vida me parou para tirar foto. E daí tive a ideia de criar o sósia”, conta o Antônio.

Ao explicar o porquê se considera um fã de Iran Ferreira, ele, que já acumula 100,5 mil seguidores nas redes sociais, cita justamente pontos argumentados pelos especialistas. “Ele tem um carisma, é um cara muito humilde, batalhador, que vem de família mais pobre, trabalha com o pai e venceu na vida. Me considero muito fã por causa disso”, conta.

Inspirado por Iran Ferreira, Antônio não esconde o desejo de também seguir a carreira como influenciador digital. Antes do Luva fake, ele fazia outros tipos de vídeos para internet, como pegadinhas e vlogs. “Quero continuar fazendo vídeos como sósia do Luva pois gosto da oportunidade de fazer o dia de uma pessoa mais feliz com uma risada”.

‘Receba’ ganha o mundo, mas até quando?

Levando em consideração os aspectos sociológicos e midiáticos citados anteriormente, é fácil entender o porquê da procura de diversas empresas para patrocinar Iran Ferreira e tê-lo como garoto propaganda. Entre as marcas que têm o “Luva” como rosto estão o Amazon Prime Video, serviço de streaming no qual divulga as competições exibidas na plataforma, e a adidas, que escolheu o influenciador para ser embaixador da marca de material esportivo. “A chegada do Luva de Pedreiro para o nosso time de embaixadores reforça nossos investimentos no Brasil e nos deixa ainda mais próximos do público jovem que se diverte com a irreverência e autenticidade do Luva”, diz João Meyer, diretor sênior de marketing da adidas no País Brasil.

Apesar de os influenciadores estarem quase sempre ligados ao impacto que eles têm na decisão de compra de um produto ou um bem pelos seus seguidores, eles também podem ser classificados como formadores de opinião ou, como no caso do Luva de Pedreiro, como espaço para o consumo de entretenimento.

“Se por muito tempo a televisão e o cinema foram redutos do entretenimento, onde as pessoas buscavam diversão ou um hobby, hoje os influenciadores também ocupam esse espaço”, destaca Issaaf.

Durante a última turnê do Iran Ferreira pela Europa, ele visitou o CT do Atlético de Madrid e, mais recentemente, conheceu o local de trabalho da Juventus, na Itália. Não é novidade que os diários esportivos internacionais registraram a passagem do brasileiro no Velho Continente. Porém, nada de Luva de Pedreiro. Fora do Brasil, o jovem de 20 anos é mais conhecido como “receba”, seu bordão mais famoso. O chavão surgiu originalmente no universo dos jogos online, como forma de resposta a adversários e críticos.

Assim como o Luva de Pedreiro representa a brasilidade, os bordões são expressões com grande apelo no País. De comerciais de supermercado em anúncios de televisão a programas de comédia, os bordões ultrapassaram gerações e ajudaram a definir a maneira como o brasileiro ri. No caso de Luva, o bordão virou slogan, e o ajuda na cristalização da própria marca — ele mesmo.

Em julho, dias após romper com o ex-agente Allan Jesus e assinar com o ex-jogador de futsal Falcão, Iran revelou aos seguidores que estava em São Paulo para assinar o maior contrato de sua vida, mas sem revelar números. Mas até quando o sucesso irá acompanhar Iran? Segundo Bruno Peres, professor de marketing digital da ESPM, a diversificação do conteúdo é crucial para manter a relevância depois do estouro, especialmente em um País com mais de 500 mil influenciadores.

“Acredito que com o Falcão ele consiga trazer desafios diferentes, ideias inovadores. Isso vai trazer proximidade com mais marcas e consequentemente mais seguidores. Claro que não com a mesma velocidade de antes, mas é um caminho para ficar em evidência”, diz Bruno. “Temos exemplos de influenciadores que estão há muito tempo fazendo sucesso, como o Casimiro e o Fred, do canal ‘Desimpedidos’. Com as ferramentas dos aplicativos que temos, com filtros e edição de vídeos, certamente novos influenciadores vão surgir, com alcance similar ou até maior que o Luva de Pedreiro.”

Um campinho de terra batida, uma bola de futebol e uma conta no Tik Tok. Adicione a esta receita muita habilidade com os pés diante da câmera, uma pitada de bom-humor e um acessório que virou sinônimo de sucesso nas redes sociais. Foi desta maneira que o jovem Iran Ferreira, o “Luva de Pedreiro”, conquistou fãs no Brasil e no mundo, e, impulsionado pelo bordão “receba”, atualmente viaja a outros países conhecendo figuras importantes do esporte e fecha contratos com grandes marcas. Mas, afinal, por que o baiano da pequena cidade de Quijingue é tão famoso? O que ele tem de especial? Especialistas procurados pelo Estadão explicam o fenômeno, que passa pela autenticidade, brasilidade e fácil identificação com o jovem.

Não há dúvidas de que existe um magnetismo em torno do Luva de Pedreiro. O fenômeno, que teve início em março do ano passado, quando Iran publicou seu primeiro vídeo, tem trajetória diferenciada no mercado de influenciadores digitais, que tradicionalmente exige uma construção de comunidade e produção assídua de conteúdos para que uma pessoa seja considerada, de fato, um influenciador, e possa viver de sua imagem. É o que explica Issaaf Karhawi, doutora em Ciências da Comunicação pela USP e especialista no universo dos influencers.

“Temos vivido um momento de virada no mercado de influência, em que se reivindica uma influência mais autêntica, justamente em oposição a este cenário mais profissionalizado e orquestrado. Isso abre espaço para personalidades como o Luva de Pedreiro, que conquista audiências e visibilidade pela autenticidade e maneira genuína com que lida com as redes”, diz.

Segundo Issaaf, diferentemente do Instagram, onde a construção de influência ocorre pela legitimação por meio do que os públicos entendem como mais ou menos valioso na produção de conteúdo, o Tik Tok se organiza por uma lógica não necessariamente centrada no produtor de conteúdo, mas no caráter de viralização, tornando possível o surgimento de figuras como o Luva de Pedreiro. Foi na plataforma de vídeos curtos, onde atualmente soma 19,3 milhões de seguidores — no Instagram são 18,2 milhões —, que Iran emergiu da pacata Quijingue para a tela de milhões de fãs de futebol, esbanjando precisão em chutes de fora área. O “receba” cativou até mesmo o filho de Cristiano Ronaldo, e a referência ao baiano ocorreu, inclusive, do Vaticano, onde fica o papa Francisco.

Além do potencial para viralizar, outro ponto que acompanha o Luva de Pedreiro em seus vídeos é o tom espirituoso das suas publicações, se autointitulado “melhor do mundo” e agradecendo a Deus pelo sucesso de cada lance gravado, quase sempre se ajoelhando e apontando para o céu. Os trejeitos facilmente identificáveis e a comicidade que permeia seus vídeos — não há intenção direta em fazer rir — abrem espaço para categorizá-lo também como um meme.

Iran Ferreira, o Luva de Pedreiro, acumula mais de 37 milhões de seguidores nas redes Foto: Divulgação

“Ele inicia como um influenciador ‘memético’, que vai passa de meme para influenciador. Estamos falando de uma outra categoria de celebridades digitais. Temos muitos fora do Brasil, que começaram como figurinhas no WhatsApp e depois passaram a reunir um número grande de seguidores e aí passam a fazer disso uma profissão”, explica Issaaf. “O meme é uma simplificação de um sentimento de uma angústia de um tempo, é a sintetização de uma discussão, de um sentimento, que é colocado em circulação. De certa forma, o Luva de Pedreiro sintetiza um senso de humor, um jeito de lidar com uma vitória, com a diversão e, em certa medida, esse caráter memético permitiu a circulação e a visibilidade. O próprio ‘receba’ sintetiza um sentimento que pode ser usado em diversas situações e tem muita facilidade de propagabilidade”, diz.

Brasilidade

Se por um lado a autenticidade e o bom-humor do Luva, como já é popularmente conhecido, cativam os que se divertem com seus vídeos, por outro a origem humilde de Iran Ferreira é o que ajuda a explicar a simpatia causada em quem pouco o conhece. Com uma origem humilde, o jovem já declarou anteriormente que mal sabe ler e que trabalha para ajudar os pais, Dona Lenilza e Seu Arivaldo. O seu sonho não é diferente do de milhares crianças e adolescentes espalhados pelo País: ser um jogador de futebol. Para Hugo Araújo, Doutorando em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e especialista do futebol enquanto movimento cultural e identidades coletivas, a trajetória de dificuldade, mesmo quando exposta de forma subliminar, é motivo de afeição, mas é potencializada pelo envolvimento do esporte Bretão.

“As pessoas podem ascender pessoalmente de várias maneiras, mas quando envolve algum tipo de expressão cultural popular, como é o caso do futebol, isso ganha outra dimensão. O futebol tem uma capacidade muito grande de articular identidades, certos valores, certas sociabilidades, que tem uma conexão muito profunda com a vida cotidiana das pessoas”, explica Hugo. “O próprio sentimento de nacionalidade no Brasil só se difunde por todas as classes sociais através do futebol. O futebol inventa o Brasil enquanto comunidade, e o Luva representa bem essa brasilidade, dos que estão à margem.”

Ainda de acordo com Araújo, Luva de Pedreiro não chega a desfrutar exatamente do status de ídolo, mas é um símbolo para quem defende o dito “futebol raiz”, que exalta o tradicionalismo no esporte, contra o “futebol Nutella”, que enfeita ou supervaloriza as alegorias do mundo da bola. Isso porque o seu sucesso reside justamente no fato de ele ser um contraste com os ídolos do futebol das cifras milionárias, fazendo do influenciador uma espécie de representante do lado B do futebol.

“Atualmente, os jogadores profissionais são cada vez mais inacessíveis, com um ciclo social cada vez mais fechado. E o Luva é o oposto disso. As características que os torcedores identificam hoje em um ídolo talvez estejam mais no Luva do que nos próprios jogadores”, argumenta.

O sucesso do Luva de Pedreiro é tanto que o influenciador já ganhou até mesmo um sósia. Antônio Júnior, o ‘Toinho’, ganhou as redes por fazer uma imitação de Iran ao estilo “mundo invertido”. O “receba” virou “devolva”, e a afirmação de “melhor do mundo” deu lugar ao sugestivo “pior do mundo”. O “sim”, imitando a comemoração de Cristiano Ronaldo, é “não”. Natural do município de Amargosa, no Interior da Bahia, o jovem de 21 anos ganhou a simpatia das redes ao imitar os trejeitos do Luva, como chutes no ângulo — sempre vencidos pelo goleiro.

“A ideia de criar o sósia veio de amigos, que falavam que eu parecia com o Luva. Mas eu não acreditava até chegar em uma festa de São João. Um pessoal que eu nunca tinha visto na vida me parou para tirar foto. E daí tive a ideia de criar o sósia”, conta o Antônio.

Ao explicar o porquê se considera um fã de Iran Ferreira, ele, que já acumula 100,5 mil seguidores nas redes sociais, cita justamente pontos argumentados pelos especialistas. “Ele tem um carisma, é um cara muito humilde, batalhador, que vem de família mais pobre, trabalha com o pai e venceu na vida. Me considero muito fã por causa disso”, conta.

Inspirado por Iran Ferreira, Antônio não esconde o desejo de também seguir a carreira como influenciador digital. Antes do Luva fake, ele fazia outros tipos de vídeos para internet, como pegadinhas e vlogs. “Quero continuar fazendo vídeos como sósia do Luva pois gosto da oportunidade de fazer o dia de uma pessoa mais feliz com uma risada”.

‘Receba’ ganha o mundo, mas até quando?

Levando em consideração os aspectos sociológicos e midiáticos citados anteriormente, é fácil entender o porquê da procura de diversas empresas para patrocinar Iran Ferreira e tê-lo como garoto propaganda. Entre as marcas que têm o “Luva” como rosto estão o Amazon Prime Video, serviço de streaming no qual divulga as competições exibidas na plataforma, e a adidas, que escolheu o influenciador para ser embaixador da marca de material esportivo. “A chegada do Luva de Pedreiro para o nosso time de embaixadores reforça nossos investimentos no Brasil e nos deixa ainda mais próximos do público jovem que se diverte com a irreverência e autenticidade do Luva”, diz João Meyer, diretor sênior de marketing da adidas no País Brasil.

Apesar de os influenciadores estarem quase sempre ligados ao impacto que eles têm na decisão de compra de um produto ou um bem pelos seus seguidores, eles também podem ser classificados como formadores de opinião ou, como no caso do Luva de Pedreiro, como espaço para o consumo de entretenimento.

“Se por muito tempo a televisão e o cinema foram redutos do entretenimento, onde as pessoas buscavam diversão ou um hobby, hoje os influenciadores também ocupam esse espaço”, destaca Issaaf.

Durante a última turnê do Iran Ferreira pela Europa, ele visitou o CT do Atlético de Madrid e, mais recentemente, conheceu o local de trabalho da Juventus, na Itália. Não é novidade que os diários esportivos internacionais registraram a passagem do brasileiro no Velho Continente. Porém, nada de Luva de Pedreiro. Fora do Brasil, o jovem de 20 anos é mais conhecido como “receba”, seu bordão mais famoso. O chavão surgiu originalmente no universo dos jogos online, como forma de resposta a adversários e críticos.

Assim como o Luva de Pedreiro representa a brasilidade, os bordões são expressões com grande apelo no País. De comerciais de supermercado em anúncios de televisão a programas de comédia, os bordões ultrapassaram gerações e ajudaram a definir a maneira como o brasileiro ri. No caso de Luva, o bordão virou slogan, e o ajuda na cristalização da própria marca — ele mesmo.

Em julho, dias após romper com o ex-agente Allan Jesus e assinar com o ex-jogador de futsal Falcão, Iran revelou aos seguidores que estava em São Paulo para assinar o maior contrato de sua vida, mas sem revelar números. Mas até quando o sucesso irá acompanhar Iran? Segundo Bruno Peres, professor de marketing digital da ESPM, a diversificação do conteúdo é crucial para manter a relevância depois do estouro, especialmente em um País com mais de 500 mil influenciadores.

“Acredito que com o Falcão ele consiga trazer desafios diferentes, ideias inovadores. Isso vai trazer proximidade com mais marcas e consequentemente mais seguidores. Claro que não com a mesma velocidade de antes, mas é um caminho para ficar em evidência”, diz Bruno. “Temos exemplos de influenciadores que estão há muito tempo fazendo sucesso, como o Casimiro e o Fred, do canal ‘Desimpedidos’. Com as ferramentas dos aplicativos que temos, com filtros e edição de vídeos, certamente novos influenciadores vão surgir, com alcance similar ou até maior que o Luva de Pedreiro.”

Um campinho de terra batida, uma bola de futebol e uma conta no Tik Tok. Adicione a esta receita muita habilidade com os pés diante da câmera, uma pitada de bom-humor e um acessório que virou sinônimo de sucesso nas redes sociais. Foi desta maneira que o jovem Iran Ferreira, o “Luva de Pedreiro”, conquistou fãs no Brasil e no mundo, e, impulsionado pelo bordão “receba”, atualmente viaja a outros países conhecendo figuras importantes do esporte e fecha contratos com grandes marcas. Mas, afinal, por que o baiano da pequena cidade de Quijingue é tão famoso? O que ele tem de especial? Especialistas procurados pelo Estadão explicam o fenômeno, que passa pela autenticidade, brasilidade e fácil identificação com o jovem.

Não há dúvidas de que existe um magnetismo em torno do Luva de Pedreiro. O fenômeno, que teve início em março do ano passado, quando Iran publicou seu primeiro vídeo, tem trajetória diferenciada no mercado de influenciadores digitais, que tradicionalmente exige uma construção de comunidade e produção assídua de conteúdos para que uma pessoa seja considerada, de fato, um influenciador, e possa viver de sua imagem. É o que explica Issaaf Karhawi, doutora em Ciências da Comunicação pela USP e especialista no universo dos influencers.

“Temos vivido um momento de virada no mercado de influência, em que se reivindica uma influência mais autêntica, justamente em oposição a este cenário mais profissionalizado e orquestrado. Isso abre espaço para personalidades como o Luva de Pedreiro, que conquista audiências e visibilidade pela autenticidade e maneira genuína com que lida com as redes”, diz.

Segundo Issaaf, diferentemente do Instagram, onde a construção de influência ocorre pela legitimação por meio do que os públicos entendem como mais ou menos valioso na produção de conteúdo, o Tik Tok se organiza por uma lógica não necessariamente centrada no produtor de conteúdo, mas no caráter de viralização, tornando possível o surgimento de figuras como o Luva de Pedreiro. Foi na plataforma de vídeos curtos, onde atualmente soma 19,3 milhões de seguidores — no Instagram são 18,2 milhões —, que Iran emergiu da pacata Quijingue para a tela de milhões de fãs de futebol, esbanjando precisão em chutes de fora área. O “receba” cativou até mesmo o filho de Cristiano Ronaldo, e a referência ao baiano ocorreu, inclusive, do Vaticano, onde fica o papa Francisco.

Além do potencial para viralizar, outro ponto que acompanha o Luva de Pedreiro em seus vídeos é o tom espirituoso das suas publicações, se autointitulado “melhor do mundo” e agradecendo a Deus pelo sucesso de cada lance gravado, quase sempre se ajoelhando e apontando para o céu. Os trejeitos facilmente identificáveis e a comicidade que permeia seus vídeos — não há intenção direta em fazer rir — abrem espaço para categorizá-lo também como um meme.

Iran Ferreira, o Luva de Pedreiro, acumula mais de 37 milhões de seguidores nas redes Foto: Divulgação

“Ele inicia como um influenciador ‘memético’, que vai passa de meme para influenciador. Estamos falando de uma outra categoria de celebridades digitais. Temos muitos fora do Brasil, que começaram como figurinhas no WhatsApp e depois passaram a reunir um número grande de seguidores e aí passam a fazer disso uma profissão”, explica Issaaf. “O meme é uma simplificação de um sentimento de uma angústia de um tempo, é a sintetização de uma discussão, de um sentimento, que é colocado em circulação. De certa forma, o Luva de Pedreiro sintetiza um senso de humor, um jeito de lidar com uma vitória, com a diversão e, em certa medida, esse caráter memético permitiu a circulação e a visibilidade. O próprio ‘receba’ sintetiza um sentimento que pode ser usado em diversas situações e tem muita facilidade de propagabilidade”, diz.

Brasilidade

Se por um lado a autenticidade e o bom-humor do Luva, como já é popularmente conhecido, cativam os que se divertem com seus vídeos, por outro a origem humilde de Iran Ferreira é o que ajuda a explicar a simpatia causada em quem pouco o conhece. Com uma origem humilde, o jovem já declarou anteriormente que mal sabe ler e que trabalha para ajudar os pais, Dona Lenilza e Seu Arivaldo. O seu sonho não é diferente do de milhares crianças e adolescentes espalhados pelo País: ser um jogador de futebol. Para Hugo Araújo, Doutorando em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e especialista do futebol enquanto movimento cultural e identidades coletivas, a trajetória de dificuldade, mesmo quando exposta de forma subliminar, é motivo de afeição, mas é potencializada pelo envolvimento do esporte Bretão.

“As pessoas podem ascender pessoalmente de várias maneiras, mas quando envolve algum tipo de expressão cultural popular, como é o caso do futebol, isso ganha outra dimensão. O futebol tem uma capacidade muito grande de articular identidades, certos valores, certas sociabilidades, que tem uma conexão muito profunda com a vida cotidiana das pessoas”, explica Hugo. “O próprio sentimento de nacionalidade no Brasil só se difunde por todas as classes sociais através do futebol. O futebol inventa o Brasil enquanto comunidade, e o Luva representa bem essa brasilidade, dos que estão à margem.”

Ainda de acordo com Araújo, Luva de Pedreiro não chega a desfrutar exatamente do status de ídolo, mas é um símbolo para quem defende o dito “futebol raiz”, que exalta o tradicionalismo no esporte, contra o “futebol Nutella”, que enfeita ou supervaloriza as alegorias do mundo da bola. Isso porque o seu sucesso reside justamente no fato de ele ser um contraste com os ídolos do futebol das cifras milionárias, fazendo do influenciador uma espécie de representante do lado B do futebol.

“Atualmente, os jogadores profissionais são cada vez mais inacessíveis, com um ciclo social cada vez mais fechado. E o Luva é o oposto disso. As características que os torcedores identificam hoje em um ídolo talvez estejam mais no Luva do que nos próprios jogadores”, argumenta.

O sucesso do Luva de Pedreiro é tanto que o influenciador já ganhou até mesmo um sósia. Antônio Júnior, o ‘Toinho’, ganhou as redes por fazer uma imitação de Iran ao estilo “mundo invertido”. O “receba” virou “devolva”, e a afirmação de “melhor do mundo” deu lugar ao sugestivo “pior do mundo”. O “sim”, imitando a comemoração de Cristiano Ronaldo, é “não”. Natural do município de Amargosa, no Interior da Bahia, o jovem de 21 anos ganhou a simpatia das redes ao imitar os trejeitos do Luva, como chutes no ângulo — sempre vencidos pelo goleiro.

“A ideia de criar o sósia veio de amigos, que falavam que eu parecia com o Luva. Mas eu não acreditava até chegar em uma festa de São João. Um pessoal que eu nunca tinha visto na vida me parou para tirar foto. E daí tive a ideia de criar o sósia”, conta o Antônio.

Ao explicar o porquê se considera um fã de Iran Ferreira, ele, que já acumula 100,5 mil seguidores nas redes sociais, cita justamente pontos argumentados pelos especialistas. “Ele tem um carisma, é um cara muito humilde, batalhador, que vem de família mais pobre, trabalha com o pai e venceu na vida. Me considero muito fã por causa disso”, conta.

Inspirado por Iran Ferreira, Antônio não esconde o desejo de também seguir a carreira como influenciador digital. Antes do Luva fake, ele fazia outros tipos de vídeos para internet, como pegadinhas e vlogs. “Quero continuar fazendo vídeos como sósia do Luva pois gosto da oportunidade de fazer o dia de uma pessoa mais feliz com uma risada”.

‘Receba’ ganha o mundo, mas até quando?

Levando em consideração os aspectos sociológicos e midiáticos citados anteriormente, é fácil entender o porquê da procura de diversas empresas para patrocinar Iran Ferreira e tê-lo como garoto propaganda. Entre as marcas que têm o “Luva” como rosto estão o Amazon Prime Video, serviço de streaming no qual divulga as competições exibidas na plataforma, e a adidas, que escolheu o influenciador para ser embaixador da marca de material esportivo. “A chegada do Luva de Pedreiro para o nosso time de embaixadores reforça nossos investimentos no Brasil e nos deixa ainda mais próximos do público jovem que se diverte com a irreverência e autenticidade do Luva”, diz João Meyer, diretor sênior de marketing da adidas no País Brasil.

Apesar de os influenciadores estarem quase sempre ligados ao impacto que eles têm na decisão de compra de um produto ou um bem pelos seus seguidores, eles também podem ser classificados como formadores de opinião ou, como no caso do Luva de Pedreiro, como espaço para o consumo de entretenimento.

“Se por muito tempo a televisão e o cinema foram redutos do entretenimento, onde as pessoas buscavam diversão ou um hobby, hoje os influenciadores também ocupam esse espaço”, destaca Issaaf.

Durante a última turnê do Iran Ferreira pela Europa, ele visitou o CT do Atlético de Madrid e, mais recentemente, conheceu o local de trabalho da Juventus, na Itália. Não é novidade que os diários esportivos internacionais registraram a passagem do brasileiro no Velho Continente. Porém, nada de Luva de Pedreiro. Fora do Brasil, o jovem de 20 anos é mais conhecido como “receba”, seu bordão mais famoso. O chavão surgiu originalmente no universo dos jogos online, como forma de resposta a adversários e críticos.

Assim como o Luva de Pedreiro representa a brasilidade, os bordões são expressões com grande apelo no País. De comerciais de supermercado em anúncios de televisão a programas de comédia, os bordões ultrapassaram gerações e ajudaram a definir a maneira como o brasileiro ri. No caso de Luva, o bordão virou slogan, e o ajuda na cristalização da própria marca — ele mesmo.

Em julho, dias após romper com o ex-agente Allan Jesus e assinar com o ex-jogador de futsal Falcão, Iran revelou aos seguidores que estava em São Paulo para assinar o maior contrato de sua vida, mas sem revelar números. Mas até quando o sucesso irá acompanhar Iran? Segundo Bruno Peres, professor de marketing digital da ESPM, a diversificação do conteúdo é crucial para manter a relevância depois do estouro, especialmente em um País com mais de 500 mil influenciadores.

“Acredito que com o Falcão ele consiga trazer desafios diferentes, ideias inovadores. Isso vai trazer proximidade com mais marcas e consequentemente mais seguidores. Claro que não com a mesma velocidade de antes, mas é um caminho para ficar em evidência”, diz Bruno. “Temos exemplos de influenciadores que estão há muito tempo fazendo sucesso, como o Casimiro e o Fred, do canal ‘Desimpedidos’. Com as ferramentas dos aplicativos que temos, com filtros e edição de vídeos, certamente novos influenciadores vão surgir, com alcance similar ou até maior que o Luva de Pedreiro.”

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