PORTO — O adversário do Palmeiras na estreia no Mundial de Clubes da Fifa deu atenção especial à competição em seu planejamento para 2025 e acompanha de perto o alviverde muito antes que o sorteio os colocasse frente à frente. “Conhecemos tudo do Palmeiras”, diz Jorge Costa, diretor de futebol do Porto, com um sorriso. “Conhecemos tudo pela ligação natural que temos com o futebol brasileiro, especialmente algumas equipes que têm treinadores portugueses, o que faz com que nosso acompanhamento seja ainda mais minucioso. Não há nada no Palmeiras que nós neste momento não conhecemos.”
Costa diz assistir às partidas do Brasileirão (transmitidas em Portugal pelo Canal 11, que pertence à Federação Portuguesa de Futebol, e também por streaming). “Acompanhei os jogos todos, especialmente agora nessa fase final, que foi muito emotiva.” Ele avalia Abel Ferreira, que conheceu quando ambos eram jogadores na Liga Portuguesa, como um “boníssimo treinador”. “Ele tem feito um trabalho extraordinário no Brasil. Este ano fez também, só batido por outro português, Artur Jorge. Mas, é claro, nós do futebol olhamos muito para o resultado final, e quando se ganha somos os melhores. Já o segundo colocado é o primeiro dos últimos.”
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Costa reage outra vez com um sorriso ao ouvir do repórter do Estadão que, no Brasil, costuma-se dizer que os clubes europeus não levam o Intercontinental e o Mundial tão a sério quanto os sul-americanos. “Nós levamos”, afirma. “Eu inclusive fui o representante do Porto no sorteio do Mundial em Miami (EUA). Estamos muito ansiosos para entender o que nos espera. Serão 32 das melhores equipes do mundo, portanto é uma prova muito prestigiante. Certamente vamos encará-la com todo profissionalismo.”
Hoje com 53 anos, Costa era zagueiro e capitão do Porto na conquista do Mundial de 2004, batendo o Once Caldas (Colômbia) na decisão por pênaltis, em Yokohama (Japão). O clube já havia vencido a Taça Intercontinental de 1987, em partida disputada sob neve em Tóquio, contra o Peñarol (Uruguai), 2 a 1. Ambos os títulos são destacados num painel exterior da casa portista, o Estádio do Dragão, ao lado da Taça dos Campeões Europeus de 1987, da Taça UEFA de 2003, da Champions League de 2004 (também com Costa como capitão, em elenco histórico que incluía os brasileiros Deco, Carlos Alberto e Derlei, sob o comando de José Mourinho) e da Europa League de 2011.
As duas vitórias contra os sul-americanos no Japão foram em dezembro, no meio da temporada europeia. Já o Mundial de 2025 será disputado em junho e julho, quando os jogadores costumam estar em férias e em pré-temporada na Europa. “Fizemos o planejamento de acordo com o calendário competitivo nacional”. diz Costa. O Porto fará a última partida pelo campeonato português em 18 de maio. Se chegar à final da Europa League, em Bilbao (Espanha), estenderá o calendário até 21 de maio. “Depois, vamos ter um período de repouso. Seguramente vamos cometer erros, como todas as outras equipes, porque é a primeira vez que vamos participar nesse evento numa data que poderíamos considerar como se fosse uma Eurocopa ou uma Copa do Mundo, portanto também não é uma novidade.” O jogo de estreia contra o Palmeiras será em 15 de junho, em Nova Jersey, no Metlife Stadium.
Quem também afirma conhecer muito bem o alviverde é o atacante brasileiro Pepê, em sua quarta temporada pelo Porto e um dos destaques do atual elenco. “É um adversário complicado, de muita qualidade, que vem conquistando muitos títulos. Quando o jogo é às 16h no Brasil, a gente consegue acompanhar, mas quando é às 21h30 fica muito tarde pra nós por causa do fuso. A gente sabe que será um jogo muito difícil. E que vai exigir o máximo de nós, mas espero sair vitorioso desse confronto.” Como jogador do Grêmio, ele estava no elenco que eliminou o Palmeiras nas quartas de final da Libertadores de 2019 e também no que perdeu para o alviverde, já com Abel no comando, a final da Copa do Brasil de 2020 (disputada em 2021 por causa da pandemia).
“Cheguei a jogar com o Veiga, encontrei ele lá na seleção. Um cara super bacana, gente boa demais, espero reencontrá-lo de novo. E o Palmeiras tem ainda vários outros jogadores que conheço de quando eu estava no Brasil, como o Marcos Rocha, o Weverton, o Gustavo Gómez.” Pepê atribuiu o sucesso de Abel no futebol brasileiro principalmente ao aspecto tático. “No Brasil, se ganham muitos jogos pelo fator individual. Quando se tem uma equipe mais organizada, mais tática, você consegue impor um trabalho fundamentado. Isso vale para o Jorge Jesus no Flamengo, para o Abel no Palmeiras e agora para o Artur Jorge no Botafogo. Veja o sucesso que eles tiveram. Isso é fantástico.”
Nas três temporadas anteriores pelo Porto, Pepê foi treinado por outro nome de destaque da atual geração de técnicos portugueses, o ex-jogador Sérgio Conceição, que conquistou 11 títulos (incluindo três campeonatos nacionais) em sete anos. Ele está atualmente sem clube, depois de ser especulado pela imprensa, na última janela de verão, como candidato ao cargo no Milan (Itália) e no Olympique de Marselha (França). “O Conceição é de longe o melhor treinador com quem eu trabalhei. Ele me ajudou a entender um jogo totalmente diferente. Consigo ter uma leitura de jogo que abriu a minha mente para compreender várias posições, várias situações.” Sob o comando do antigo treinador, Pepê jogou nas pontas, no meio e até como lateral.
Depois de fazer uma assistência na vitória por 2 a 0 contra o Midtjylland (Dinamarca) pela Europa League, na última quinta-feira, Pepê está a oito jogos de se tornar o atacante brasileiro com mais partidas disputadas pelo Porto, prestes a ultrapassar ídolos como o atual recordista, Jardel, com 175, e Hulk, com 170. “É um número fantástico, eu não imaginava, não esperava por isso. Mas ficar sabendo de uma coisa dessa é algo que me motiva mais para que eu possa continuar trabalhando, me dedicando muito. Sei da importância que Jardel e Hulk têm aqui no Porto, eles marcaram história, e eu também quero marcar minha história aqui.” O começo, ele admite, “foi um pouco complicado”. “É muito diferente do futebol brasileiro. Principalmente a intensidade, a questão tática. Mas hoje já me sinto muito habituado. Consigo entender muitas coisas que não entendia muito bem no Brasil, sobre o futebol, as situações de jogo. Estou muito bem adaptado e muito feliz.”
É difícil antecipar qual será exatamente o time do Porto que o Palmeiras enfrentará no Mundial porque o clube, em campo e na gestão administrativa, passa por um período de transição. A mudança mais significativa foi a saída do lendário presidente Jorge Nuno Pinto da Costa, que se manteve no cargo por 42 anos e foi o principal responsável por tornar o Porto a equipe mais vitoriosa do futebol português no período democrático em seguida à Revolução dos Cravos, em 1974. Nas últimas eleições, realizadas em abril de 2024, Pinto da Costa — que já enfrentava um grave problema de saúde — foi derrotado pelo candidato da oposição, o ex-treinador André Villas-Boas, que obteve 80% dos votos dos associados.
Foi um sinal incontestável do desejo de renovação, mas a figura de Pinto da Costa — que acaba de publicar um livro autobiográfico em tom de despedida, “Azul Até ao Fim”, cuja capa traz sua foto ao lado de um caixão coberto pela bandeira do clube — ainda é obviamente reverenciada pela torcida e sobretudo pela principal organizada. Villas-Boas trabalhou na comissão técnica de José Mourinho no Porto, era o treinador da equipe na conquista da Europa League de 2011, aos 33 anos, e passou em seguida por Chelsea e Tottenham (ambos da Inglaterra), Zenit (Rússia), Shanghai (China), entre outros clubes.
A intenção de disputar a presidência do Porto já havia sido anunciada em 2022, com base em programa de modernização da gestão. Ao assumir o cargo, em maio deste ano, ele trouxe o ex-goleiro espanhol Andoni Zubizarreta — com quem havia trabalhado no Olympique de Marselha — para ocupar o cargo de diretor esportivo. Costa assumiu a diretoria de futebol profissional e Vitor Bruno, auxiliar de Conceição, foi efetivado como treinador. As dívidas acumuladas obrigaram a uma condução espartana do futebol profissional, limitando o teto de contratações. A escolha de Vitor Bruno — cujo salário corresponderia, segundo a imprensa, a cerca de 20% do que ganha hoje Abel Ferreira, nome dos sonhos de parte da torcida —está inserida na contenção de gastos e na consequente aposta em jogadores jovens, vindos da base portista e de outros clubes.
O desempenho na temporada tem sido irregular, e uma parcela expressiva dos torcedores vem cobrando, nos estádios e nas redes sociais, a demissão do treinador. No Estádio do Dragão, onde raramente o Porto joga para menos de 40 mil pessoas, o time ganhou nove das dez partidas que disputou na temporada — o outro resultado foi um empate cedido no final ao Manchester United, 3 a 3, pela Europa League — e, em sete delas, não levou gols. Fora de casa, no entanto, sofreu uma goleada do arquirrival Benfica (4 a 1), perdeu do atual campeão português, o Sporting (2 a 0), foi eliminado da Taça de Portugal pelo Moreirense (2 a 1) e caiu duas vezes pela Europa League, para o Bodo/Klimt (Noruega, 3 a 2) e para a Lazio (Itália, 2 a 1). Apesar disso, está em segundo lugar no Campeonato Português, a dois pontos do Sporting, e em boas condições para se classificar à próxima fase da Europa League.
É provável que o elenco seja reforçado até o Mundial. No momento, os principais nomes estão no ataque: Pepê, o também brasileiro Galeno e o espanhol Samu (já convocado para a seleção principal do seu país). O meio-campo, combativo mas pouco criativo, é liderado pelo argentino Alan Varela e pelo espanhol Nico González. A defesa, em fase de reconstrução depois da saída do veterano Pepe, é o setor mais frágil, mas recebeu os reforços do argentino Nehuen Pérez e dos portugueses Tiago Djaló e Francisco Moura. O goleiro Diego Costa, capitão da equipe e titular da seleção portuguesa, é o maior ídolo do elenco. No banco, diversos jogadores muito irregulares e alguns talentos promissores da base, como o meia Vasco Sousa e o atacante Rodrigo Mora.
As cobranças são intensas porque o atual elenco é muito inferior à média de boa qualidade que acostumou a torcida a conquistas nas últimas décadas. E, mais do que apenas um clube, o Futebol Clube do Porto — o nome por extenso é habitualmente usado pela imprensa e pelos torcedores — tem uma estreita ligação com a identidade cultural da região, cujo orgulho, em contraposição histórica a Lisboa, mantém sempre no alto as expectativas em relação ao time, nascido em 1893. “Teu pendão leva o escudo da cidade que na história deu o nome a Portugal”, diz o hino. Uma das diversas canções compostas para celebrar o clube, “Azul e branco é o coração”, sublinha esse espírito: “É invicta, indomável, imortal, a cidade que deu nome a Portugal” e “Com orgulho na pronúncia do Norte, sou do Porto e vou ser até a morte”. Outra canção, “Os Filhos do Dragão”, executada sempre no Estádio do Dragão antes das partidas, como o hino, deixa claro o que interessa: “A vitória é uma ordem, ninguém pode quebrar o nosso vício de ganhar, ser portista é uma benção que não se pode partilhar, dá tudo pelo clube porque só o sabe amar”.