“Leila Pereira, incompetente, pegou o Palmeiras para brincar de presidente”. Ouvir músicas como essa nas arquibancadas do Allianz Parque tem sido comum recentemente. Do outro lado da cidade, no Corinthians, canções e protestos contra Duílio Monteiro Alves, presidente do clube em fim de mandato, também foram tópicos neste ano. Essas manifestações não se restringem apenas aos dois gigantes da cidade de São Paulo. Rodolfo Landim, presidente do Flamengo, foi alvo de críticas nas últimas semanas por parte da torcida rubro-negra. O mesmo vale para Andres Rueda, mandatário do Santos, que passou o ano tendo de lidar com reclamações pela má gestão, derrotas, falta de dinheiro em caixa e ameaça de queda do time para a Série B.
Os motivos para cada um dos protestos são diferentes. Enquanto há casos, como os de Santos e Corinthians, em que as reclamações dizem respeito ao desempenho do time dentro de campo, há outros em que a irritação com a gestão em si e com a figura do presidente é maior — como no caso de Palmeiras e Flamengo. Só que todos eles têm um traço em comum: a ira da torcida contra a gestão dos presidentes de seus clubes.
“Esse protesto, via de regra — pelo menos nos últimos tempos —, tem se voltado muito contra o atleta de futebol. E agora eu entendo que está havendo uma retomada do protesto canalizado para a classe dirigente”, analisa José Paulo Florenzano, coordenador do curso de Ciências Sociais da PUC-SP e membro do Conselho Consultivo do Centro de Referência do Futebol Brasileiro do Museu do Futebol. Ele entende que, recentemente, “esse debate tem amadurecido e há uma percepção de que muitas vezes o desempenho insatisfatório dentro de campo está muito mais ligado a uma gestão deficitária e incorreta (na avaliação do torcedor) do que propriamente ao desempenho dos atletas”.
Além dos protestos nas arquibancadas e em frente a centros de treinamento, essa insatisfação também tem se transformado em violência. A presidente do Palmeiras, Leila Pereira, foi vítima de ameaças de morte nos comentários de uma transmissão ao vivo nas redes sociais da Mancha Alviverde, a principal torcida organizada do clube. Nesta segunda-feira, 9, os muros do Allianz Parque ameaçaram pichados, com protestos contra a diretoria palmeirense.
Caso na Justiça
A manifestação foi veiculada ao vivo pelas redes sociais da Mancha. Entre os comentários da live estavam ameaças à dirigente, como “tem que meter bala na Leila” e “Leila deveria ser espancada com barras de ferro”. Após entrar com uma ação na Justiça, a presidente obteve uma medida protetiva contra o presidente da Mancha Alviverde, Jorge Luís Sampaio Santos, e dois vice-presidentes da organizada, Thiago Melo e Felipe de Mattos.
Na ocasião, integrantes da uniformizada realizavam um protesto em frente à sede da Crefisa — patrocinadora do Palmeiras e empresa da qual Leila é dona —, pedindo que a presidente trouxesse reforços ao time, ironizando a compra de um avião que será utilizado pelo clube em algumas ocasiões e cobrando ingressos mais baratos.
Em resposta a essas indagações, a presidente disse, posteriormente, achar contraditória essa cobrança. “De um lado, o torcedor quer reforços, quer investimento em contratação de jogador. Do outro, quer ingresso barato. Contratação de jogador se faz com dinheiro. Futebol de alta performance se faz com dinheiro.”
José Paulo Florenzano aponta que, historicamente, há uma relação íntima entre torcer e protestar. “O que há, ao longo do tempo, é a alternância nessa postura mais crítica de protesto. Então, em determinados momentos essas torcidas adotam uma postura mais crítica e, em outros, elas acabam entrando em um jogo de toma lá dá cá com esses dirigentes”, aponta o professor.
A relação da presidente do clube com a organizada, entretanto, não foi sempre ruim. A Crefisa havia patrocinado os desfiles de carnaval da Mancha de 2016 a 2022, aumentando gradativamente a quantia financeira cedida à escola de samba por meio da Lei Rouanet. Nesse período, a escola, que nunca havia sido campeã do carnaval em São Paulo, venceu o desfile duas vezes, em 2019 e 2022. Foi em 2022, porém, que a presidente do Palmeiras e dona da Crefisa rompeu relações com a organizada. A empresa não patrocinou o desfile da Mancha em 2023, ano em que os protestos da uniformizada se tornaram mais frequentes.
“No caso do Palmeiras, essa postura está ligada a um corte de recursos da presidente do Palmeiras que assegurava o carnaval da Mancha. Normalmente o que alimenta o protesto é o resultado dentro de campo, mas, no caso específico do Palmeiras, a relação turbulenta hoje da Mancha com a direção do clube envolve outros ingredientes extra campo, digamos assim”, afirma Florenzano.
Landim no Flamengo
O Flamengo é outro time que tem sofrido com críticas de parte da torcida aos dirigentes, apesar de ter conquistado títulos nas últimas temporadas e estar entre os primeiros do Campeonato Brasileiro. Após ter perdido a decisão da Copa do Brasil para o São Paulo, torcedores foram ao aeroporto do Galeão, no Rio, protestar contra o time, com xingamentos direcionados ao presidente Rodolfo Landim e ao vice de futebol, Marcos Braz, que naquela semana havia se envolvido em briga com um torcedor num shopping.
Os protestos na Gávea não começaram apenas após o revés na competição nacional. Após a eliminação na Libertadores para o Olimpia, em agosto, torcedores já haviam se reunido na saída do estádio Defensores del Chaco, no Paraguai, para ofender atletas e cartolas. O mesmo aconteceu depois da vitória contra o Grêmio no Maracanã, que marcou a classificação do time à final da Copa do Brasil. Após o término da partida, parte da torcida na arquibancada xingou Landim.
Grupos ligados à oposição do Flamengo, inclusive, articulam-se para pedir o impeachment do presidente, usando como argumento o fato de o mandatário ter gasto muito dinheiro com multas rescisórias de técnicos demitidos durante sua gestão. Jorge Sampaoli, dispensado em setembro após o vice da Copa do Brasil, foi o nono treinador do clube desde que Landim assumiu, em 2019.
Marcos Braz, vice-presidente de futebol, também foi alvo de críticas de torcedores. Além dos xingamentos direcionados a ele durante os protestos, ele foi provocado por um torcedor em um shopping na Barra da Tijuca, no Rio, e se envolveu em uma briga. “É importante ponderar que isso não é um dado novo”, alerta Florenzano. “As torcidas surgem baseadas nessa atuação militante contra a classe dirigente, na reivindicação de uma certa autonomia em relação a essa classe.”
Duílio e Andres
Corinthians e Santos também conviveram com protestos direcionados aos mandatários durante o ano inteiro. Mas, no caso de ambos, as críticas também têm relação com o fraco desempenho do time dentro de campo. Houve episódios de violência em protestos das duas torcidas. E poucas explicações dos cartolas.
Após a eliminação do time alvinegro para o Fortaleza, na Copa Sul-Americana, torcedores se reuniram no hotel em que os jogadores estavam hospedados para hostilizar atletas e Duílio Monteiro Alves, presidente do clube. O protesto resultou em uma confusão entre fãs e seguranças do Corinthians. A má gestão e o ‘desperdício’ de dinheiro estão no centro dessas cobranças, claro, associadas às derrotas e jejum de conquistas.
A Gaviões da Fiel, principal uniformizada do time, já havia organizado protestos em julho pedindo a saída de Duílio. “Se faz necessário o mundo inteiro saber o que essa corja está fazendo com o nosso Corinthians. Faixas espalhadas pelas ruas, avenidas, pontes, a ideia é essa e não vamos parar!”, escreveu a Gaviões da Fiel no Instagram. No mês anterior, outro protestos já havia sido feito em Santos. Torcedores corintianos impediram o ônibus do time de desembarcar em um hotel no litoral para o duelo com o Santos pelo Brasileiro. Por causa desse impedimento, os jogadores alvinegros tiveram de voltar a São Paulo e só desceram a serra no dia seguinte.
Após o incidente, Duílio comentou que era preciso “repensar” a relação do clube com as uniformizadas. “Sempre fui a favor da paz e da conversa, por isso sempre atendemos os torcedores. Não quero falar o que vai acontecer porque vamos repensar e ver se estamos errando em algum momento. Sempre fui a favor da conversa para que a gente tivesse paz. Se não está adiantando conversar, não faz sentido”, afirmou o mandatário corintiano.
A torcida do Santos também não poupou o presidente do clube ao longo deste ano. Embora, assim como a do Corinthians, também faça críticas aos jogadores e ao fraco desempenho em campo, ela enxerga Andres Rueda, presidente do Santos, como o responsável pelos resultados ruins.
Entre os gritos entoados pelos torcedores em protestos, estão reclamações direcionadas a Rueda, como “Rueda falador, estou até hoje esperando jogador” e “Não é mole não! É o pior presidente da história do Peixão”. O time faz uma temporada ruim, corre risco de cair para a Série B e não tem dinheiro em caixa. Mais do que apontar o dedo para os jogadores, os torcedores estão preferindo pegar no pé dos gestores e de seus pares.