‘Rainha do Everest’ escalou a montanha dez vezes e treina enquanto é funcionária de um mercado


Embora sua conquista tenha sido espalhada pela imprensa de escalada, os patrocinadores não apareceram. Ela chegou em Connecticut sem emprego e com contas a pagar

Por Bhadra Sharma e Adam Skolnick, The New York Times

Quando Lhakpa Sherpa entrou no acampamento-base do Monte Everest ao lado de sua filha de 15 anos, Shiny Dijmarescu, em abril do ano passado, parecia um retorno ao lar. Ela estava de volta ao Nepal depois de quatro longos anos, esperando contemplar a vista do teto do mundo pela décima vez. Se bem-sucedida, Lhakpa quebraria seu próprio recorde de maior número de subidas ao Everest por uma mulher.

Ao contrário das rotinas da maioria dos alpinistas, que passam por um treinamento especializado por meses ou até anos, o regime de treinamento de Lhakpa ocorreu em um mercado Whole Foods em West Hartford, Connecticut, onde ela carregava grandes pilhas de frutas e legumes em caixas. Às vezes, ela subia até o topo do Monte Washington, de 1.916 metros, um substituto insatisfatório para a montanha mais alta da Terra.

Quando ela voltou ao Nepal, o Everest parecia diferente. Havia menos neve e gelo, visivelmente, e o que restava parecia menos estável. As cordas e escadas que uma equipe de guias sherpas amarrara nos abismos da notória cascata de gelo de Khumbu tinham de ser consertadas diariamente, em vez de uma vez por semana. Dava para ver mais lixo do que nos anos anteriores. Também havia cadáveres, uma visão tão devastadora quanto comum nestes dias em que o tempo muda. Agora, como mãe na casa dos 40 anos – ela não tem certidão de nascimento e não sabe seu aniversário exato – Lhakpa sentia cada grama do risco.

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Na primeira vez que Lhakpa tocou o gelo azul do Himalaia, ela estava descalça. Uma das onze crianças nascidas de um pastor e uma dona de casa no vilarejo de Makalu, no Nepal, ela cresceu nas encostas do Monte Makalu, o quinto pico mais alto do mundo, com 8.481 metros. Sua família não tinha dinheiro para comprar calçados para todos os filhos, e apenas seus irmãos meninos foram para a escola. “Não tínhamos televisão nem telefone. Eu passava o dia observando ovelhas e pássaros”, disse ela. “Dava para ver o Monte Everest da minha aldeia”.

Presa em casa, ela escapava do olhar fulminante da mãe aventurando-se naquelas montanhas descalça e sozinha. Quando voltava, a mãe preocupada sempre a advertia de que, se por algum milagre ela não fosse comida por um leopardo das neves, ninguém jamais desejaria se casar com ela.

Seu pai via sua força. Em certa primavera, ele a despachou para um ponto acima do acampamento base de Makalu para buscar os cordeiros e bezerros de iaque antes que os leopardos os encontrassem. Lá ela se deparou com homens sherpa em roupas especiais, com cordas e machados de gelo, preparando-se para escalar a montanha. Ela jurou se tornar um deles, embora as mulheres sherpas não recebessem ofertas para esses empregos.

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“Prometi a mim mesma que um dia chegaria ao topo do Everest”, disse ela.

Ela começou a procurar emprego como carregadora aos 15 anos. Babu Chhiri Sherpa, um guia lendário que em 1999 passou um recorde de 21 horas no cume do Monte Everest sem oxigênio suplementar, deu uma chance quando ela completou 17.

Ela começou como carregadora, levando cargas pesadas por montanhas íngremes, e em dois anos foi promovida a ajudante de cozinha – um título que ilustra a carreira incomum de Lhakpa. Caminhava e escalava o dia todo, depois montava a barraca da cozinha e descascava cebola e alho por horas a fio antes de servir os guias e seus clientes. Ela recebia cerca de US$ 50 por mês.

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Em 2000, menos de dez anos desde que se tornara carregadora, Lhakpa abordou a futura vice-primeira-ministra Sujata Koirala, então mais conhecida como filha da primeira-ministra Girija Prasad Koirala, com uma proposta para financiar a primeira expedição nepalesa apenas para mulheres. A equipe de sete mulheres, conhecida como Filhas do Everest, iniciou sua jornada em maio daquele ano.

No dia em que a equipe deveria chegar ao cume, seis delas sucumbiram ao mal da altitude. Lhakpa se tornou a segunda mulher nepalesa a chegar ao cume e a primeira a voltar ao acampamento base com segurança. (Em 1993, Pasang Lhamu Sherpa se tornou a primeira a escalar a montanha, mas morreu na descida.)

No ano seguinte, Lhakpa escalou o Everest novamente, menos de três semanas depois de seu mentor, Babu Chhiri, ter caído em uma fenda ao redor do segundo acampamento e morrido. Não seria a última vez que ela perderia amigos na montanha.

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Ela estava lá em 2014 quando um bloco de gelo do tamanho de um prédio se desprendeu da encosta oeste do Everest e uma avalanche destruiu uma equipe sherpa na cascata de Khumbu. Dezesseis pessoas morreram. Ela estava descansando no primeiro acampamento quando um terremoto de magnitude 7,8 ocorreu em 25 de abril de 2015, provocando várias avalanches. A mais mortal varreu o acampamento base. Estima-se que 22 pessoas perderam a vida no Everest naquele dia. Metade era nepaleses.

“Perdi muitos dos meus heróis, muitos dos meus melhores amigos”, disse ela.

Sua trajetória de escalada passou por uma reviravolta quando ela se mudou para Connecticut depois de se casar com o alpinista romeno George Dijmarescu, em 2002. Juntos, eles administravam uma empresa de telhados e pinturas. Lhakpa se sentia mais confortável fazendo o trabalho pesado. Subia escadas com telhas empilhadas nos ombros, rasgava telhados antigos e montava novos. Mas Dijmarescu, que morreu em 2020, ficou violento depois que sua primeira filha, Sunny, nasceu, disse ela. Certa noite, em 2012, ele a espancou tanto que ela foi levada ao pronto-socorro, disse ela. Com a ajuda de uma assistente social do hospital, ela e as duas filhas fugiram para um abrigo local onde permaneceram por oito meses.

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Desesperada por trabalho, ela conseguiu um emprego de faxineira e acabou mudando a família para um pequeno apartamento. Às vezes, os clientes ouviam seu sobrenome e perguntavam se ela tinha parentes que escalavam as grandes montanhas. Seu primo e seu irmão haviam seguido seu exemplo e agora tinham suas próprias agências de expedição, então ela concordava educadamente e guardava suas realizações para si mesma.

Com o tempo, ela começou a lavar pratos na cozinha comercial de uma filial da Whole Foods. Os colegas de trabalho aos poucos ficaram sabendo de sua história porque às vezes ela deixava a cidade para guiar estrangeiros no Monte Everest. O dinheiro que ela ganhava ia para a poupança da faculdade das filhas.

Em 2022, ela largou o emprego no mercado para tentar seu décimo cume, um número consagrado no montanhismo do Everest. Trinta e quatro homens haviam conseguido. Vinte e seis deles eram nepaleses de ascendência sherpa, incluindo Babu Chhiri. Lhakpa queria quebrar mais um teto de vidro do Himalaia.

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Como de costume, ela não tinha patrocinadores. A falta de acordos de patrocínio não é um problema novo na escalada feminina e, se ela quisesse chegar ao cume da montanha com sucesso, precisaria fazê-lo com financiamento próprio.

Quando uma janela meteorológica de três dias se abriu em maio, parecia que todo o acampamento base havia se mobilizado para uma investida ao cume. “Todo mundo sonha em chegar ao cume, mas tinha apenas uma corda”, disse Lhakpa, “e muitos engarrafamentos”.

Ela ultrapassou 7.924 metros por volta das 22h e continuou subindo para a zona da morte acima de 8.000 metros, onde as chances de sucumbir a edema pulmonar ou edema cerebral de alta altitude – ambos os quais podem ser mortais – aumentam a cada hora que passa. Lhakpa estava respirando oxigênio engarrafado, mas essas reservas duram pouco.

Quando a notícia de seu ataque ao cume chegou ao acampamento base, Shiny fez um Puja, um ritual hindu, para rezar por uma passagem segura. Ela tinha um walkie-talkie ao lado da orelha para ouvir o momento exato – 6h30 do dia 12 de maio – em que sua mãe alcançou o teto do mundo pela décima vez. Mas chegar ao cume é apenas a metade do caminho. Ela ainda estava em perigo e, com 200 alpinistas vindo atrás, Lhakpa não demorou muito.

Ela estava sem comida nem água, totalmente exausta, e sua mente ansiosa tentava convencê-la a sentar e descansar na sofrida caminhada montanha abaixo. Ela lutou contra esse impulso mortal várias vezes, concentrando-se em suas filhas.

Shiny, que sempre optara por não fazer caminhadas nos Estados Unidos, fez a extenuante escalada até o primeiro acampamento para comemorar com a mãe. Quando Lhakpa chegou, Shiny viu sua mãe imigrante – que havia trabalhado tanto e superado tantas coisas – em plena alegria pela primeira vez. Lágrimas escorriam pelas bochechas de Lhakpa, que haviam sido queimadas pelo sol e pelo vento.

Embora sua conquista tenha sido espalhada pela imprensa de escalada, os patrocinadores não apareceram. Ela chegou em Connecticut sem emprego e com contas a pagar. A Whole Foods só a trouxe de volta depois de meses. Ela não teve escolha a não ser voltar a fazer faxina de casas.

Mas Lhakpa não considerou isso um revés. E quando as horas de trabalho no Whole Foods voltaram em setembro, ela já estava visualizando sua próxima temporada de primavera no Himalaia. Ela planeja escalar o K2 em 2023, além de outra tentativa de cume no Everest. Desta vez, ela espera trazer as duas filhas para o acampamento base, junto com uma equipe de meninas de todo o mundo.

“Espero trazer vinte filhas”, disse ela. “Quero ensiná-las a escalar e mostrar que todas as meninas podem escalar montanhas”.

Adam Skolnick cobre esportes de aventura. Ele é o autor do livro One Breath: Freediving, Death and the Quest to Shatter Human Limits. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Quando Lhakpa Sherpa entrou no acampamento-base do Monte Everest ao lado de sua filha de 15 anos, Shiny Dijmarescu, em abril do ano passado, parecia um retorno ao lar. Ela estava de volta ao Nepal depois de quatro longos anos, esperando contemplar a vista do teto do mundo pela décima vez. Se bem-sucedida, Lhakpa quebraria seu próprio recorde de maior número de subidas ao Everest por uma mulher.

Ao contrário das rotinas da maioria dos alpinistas, que passam por um treinamento especializado por meses ou até anos, o regime de treinamento de Lhakpa ocorreu em um mercado Whole Foods em West Hartford, Connecticut, onde ela carregava grandes pilhas de frutas e legumes em caixas. Às vezes, ela subia até o topo do Monte Washington, de 1.916 metros, um substituto insatisfatório para a montanha mais alta da Terra.

Quando ela voltou ao Nepal, o Everest parecia diferente. Havia menos neve e gelo, visivelmente, e o que restava parecia menos estável. As cordas e escadas que uma equipe de guias sherpas amarrara nos abismos da notória cascata de gelo de Khumbu tinham de ser consertadas diariamente, em vez de uma vez por semana. Dava para ver mais lixo do que nos anos anteriores. Também havia cadáveres, uma visão tão devastadora quanto comum nestes dias em que o tempo muda. Agora, como mãe na casa dos 40 anos – ela não tem certidão de nascimento e não sabe seu aniversário exato – Lhakpa sentia cada grama do risco.

Na primeira vez que Lhakpa tocou o gelo azul do Himalaia, ela estava descalça. Uma das onze crianças nascidas de um pastor e uma dona de casa no vilarejo de Makalu, no Nepal, ela cresceu nas encostas do Monte Makalu, o quinto pico mais alto do mundo, com 8.481 metros. Sua família não tinha dinheiro para comprar calçados para todos os filhos, e apenas seus irmãos meninos foram para a escola. “Não tínhamos televisão nem telefone. Eu passava o dia observando ovelhas e pássaros”, disse ela. “Dava para ver o Monte Everest da minha aldeia”.

Presa em casa, ela escapava do olhar fulminante da mãe aventurando-se naquelas montanhas descalça e sozinha. Quando voltava, a mãe preocupada sempre a advertia de que, se por algum milagre ela não fosse comida por um leopardo das neves, ninguém jamais desejaria se casar com ela.

Seu pai via sua força. Em certa primavera, ele a despachou para um ponto acima do acampamento base de Makalu para buscar os cordeiros e bezerros de iaque antes que os leopardos os encontrassem. Lá ela se deparou com homens sherpa em roupas especiais, com cordas e machados de gelo, preparando-se para escalar a montanha. Ela jurou se tornar um deles, embora as mulheres sherpas não recebessem ofertas para esses empregos.

“Prometi a mim mesma que um dia chegaria ao topo do Everest”, disse ela.

Ela começou a procurar emprego como carregadora aos 15 anos. Babu Chhiri Sherpa, um guia lendário que em 1999 passou um recorde de 21 horas no cume do Monte Everest sem oxigênio suplementar, deu uma chance quando ela completou 17.

Ela começou como carregadora, levando cargas pesadas por montanhas íngremes, e em dois anos foi promovida a ajudante de cozinha – um título que ilustra a carreira incomum de Lhakpa. Caminhava e escalava o dia todo, depois montava a barraca da cozinha e descascava cebola e alho por horas a fio antes de servir os guias e seus clientes. Ela recebia cerca de US$ 50 por mês.

Em 2000, menos de dez anos desde que se tornara carregadora, Lhakpa abordou a futura vice-primeira-ministra Sujata Koirala, então mais conhecida como filha da primeira-ministra Girija Prasad Koirala, com uma proposta para financiar a primeira expedição nepalesa apenas para mulheres. A equipe de sete mulheres, conhecida como Filhas do Everest, iniciou sua jornada em maio daquele ano.

No dia em que a equipe deveria chegar ao cume, seis delas sucumbiram ao mal da altitude. Lhakpa se tornou a segunda mulher nepalesa a chegar ao cume e a primeira a voltar ao acampamento base com segurança. (Em 1993, Pasang Lhamu Sherpa se tornou a primeira a escalar a montanha, mas morreu na descida.)

No ano seguinte, Lhakpa escalou o Everest novamente, menos de três semanas depois de seu mentor, Babu Chhiri, ter caído em uma fenda ao redor do segundo acampamento e morrido. Não seria a última vez que ela perderia amigos na montanha.

Ela estava lá em 2014 quando um bloco de gelo do tamanho de um prédio se desprendeu da encosta oeste do Everest e uma avalanche destruiu uma equipe sherpa na cascata de Khumbu. Dezesseis pessoas morreram. Ela estava descansando no primeiro acampamento quando um terremoto de magnitude 7,8 ocorreu em 25 de abril de 2015, provocando várias avalanches. A mais mortal varreu o acampamento base. Estima-se que 22 pessoas perderam a vida no Everest naquele dia. Metade era nepaleses.

“Perdi muitos dos meus heróis, muitos dos meus melhores amigos”, disse ela.

Sua trajetória de escalada passou por uma reviravolta quando ela se mudou para Connecticut depois de se casar com o alpinista romeno George Dijmarescu, em 2002. Juntos, eles administravam uma empresa de telhados e pinturas. Lhakpa se sentia mais confortável fazendo o trabalho pesado. Subia escadas com telhas empilhadas nos ombros, rasgava telhados antigos e montava novos. Mas Dijmarescu, que morreu em 2020, ficou violento depois que sua primeira filha, Sunny, nasceu, disse ela. Certa noite, em 2012, ele a espancou tanto que ela foi levada ao pronto-socorro, disse ela. Com a ajuda de uma assistente social do hospital, ela e as duas filhas fugiram para um abrigo local onde permaneceram por oito meses.

Desesperada por trabalho, ela conseguiu um emprego de faxineira e acabou mudando a família para um pequeno apartamento. Às vezes, os clientes ouviam seu sobrenome e perguntavam se ela tinha parentes que escalavam as grandes montanhas. Seu primo e seu irmão haviam seguido seu exemplo e agora tinham suas próprias agências de expedição, então ela concordava educadamente e guardava suas realizações para si mesma.

Com o tempo, ela começou a lavar pratos na cozinha comercial de uma filial da Whole Foods. Os colegas de trabalho aos poucos ficaram sabendo de sua história porque às vezes ela deixava a cidade para guiar estrangeiros no Monte Everest. O dinheiro que ela ganhava ia para a poupança da faculdade das filhas.

Em 2022, ela largou o emprego no mercado para tentar seu décimo cume, um número consagrado no montanhismo do Everest. Trinta e quatro homens haviam conseguido. Vinte e seis deles eram nepaleses de ascendência sherpa, incluindo Babu Chhiri. Lhakpa queria quebrar mais um teto de vidro do Himalaia.

Como de costume, ela não tinha patrocinadores. A falta de acordos de patrocínio não é um problema novo na escalada feminina e, se ela quisesse chegar ao cume da montanha com sucesso, precisaria fazê-lo com financiamento próprio.

Quando uma janela meteorológica de três dias se abriu em maio, parecia que todo o acampamento base havia se mobilizado para uma investida ao cume. “Todo mundo sonha em chegar ao cume, mas tinha apenas uma corda”, disse Lhakpa, “e muitos engarrafamentos”.

Ela ultrapassou 7.924 metros por volta das 22h e continuou subindo para a zona da morte acima de 8.000 metros, onde as chances de sucumbir a edema pulmonar ou edema cerebral de alta altitude – ambos os quais podem ser mortais – aumentam a cada hora que passa. Lhakpa estava respirando oxigênio engarrafado, mas essas reservas duram pouco.

Quando a notícia de seu ataque ao cume chegou ao acampamento base, Shiny fez um Puja, um ritual hindu, para rezar por uma passagem segura. Ela tinha um walkie-talkie ao lado da orelha para ouvir o momento exato – 6h30 do dia 12 de maio – em que sua mãe alcançou o teto do mundo pela décima vez. Mas chegar ao cume é apenas a metade do caminho. Ela ainda estava em perigo e, com 200 alpinistas vindo atrás, Lhakpa não demorou muito.

Ela estava sem comida nem água, totalmente exausta, e sua mente ansiosa tentava convencê-la a sentar e descansar na sofrida caminhada montanha abaixo. Ela lutou contra esse impulso mortal várias vezes, concentrando-se em suas filhas.

Shiny, que sempre optara por não fazer caminhadas nos Estados Unidos, fez a extenuante escalada até o primeiro acampamento para comemorar com a mãe. Quando Lhakpa chegou, Shiny viu sua mãe imigrante – que havia trabalhado tanto e superado tantas coisas – em plena alegria pela primeira vez. Lágrimas escorriam pelas bochechas de Lhakpa, que haviam sido queimadas pelo sol e pelo vento.

Embora sua conquista tenha sido espalhada pela imprensa de escalada, os patrocinadores não apareceram. Ela chegou em Connecticut sem emprego e com contas a pagar. A Whole Foods só a trouxe de volta depois de meses. Ela não teve escolha a não ser voltar a fazer faxina de casas.

Mas Lhakpa não considerou isso um revés. E quando as horas de trabalho no Whole Foods voltaram em setembro, ela já estava visualizando sua próxima temporada de primavera no Himalaia. Ela planeja escalar o K2 em 2023, além de outra tentativa de cume no Everest. Desta vez, ela espera trazer as duas filhas para o acampamento base, junto com uma equipe de meninas de todo o mundo.

“Espero trazer vinte filhas”, disse ela. “Quero ensiná-las a escalar e mostrar que todas as meninas podem escalar montanhas”.

Adam Skolnick cobre esportes de aventura. Ele é o autor do livro One Breath: Freediving, Death and the Quest to Shatter Human Limits. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Quando Lhakpa Sherpa entrou no acampamento-base do Monte Everest ao lado de sua filha de 15 anos, Shiny Dijmarescu, em abril do ano passado, parecia um retorno ao lar. Ela estava de volta ao Nepal depois de quatro longos anos, esperando contemplar a vista do teto do mundo pela décima vez. Se bem-sucedida, Lhakpa quebraria seu próprio recorde de maior número de subidas ao Everest por uma mulher.

Ao contrário das rotinas da maioria dos alpinistas, que passam por um treinamento especializado por meses ou até anos, o regime de treinamento de Lhakpa ocorreu em um mercado Whole Foods em West Hartford, Connecticut, onde ela carregava grandes pilhas de frutas e legumes em caixas. Às vezes, ela subia até o topo do Monte Washington, de 1.916 metros, um substituto insatisfatório para a montanha mais alta da Terra.

Quando ela voltou ao Nepal, o Everest parecia diferente. Havia menos neve e gelo, visivelmente, e o que restava parecia menos estável. As cordas e escadas que uma equipe de guias sherpas amarrara nos abismos da notória cascata de gelo de Khumbu tinham de ser consertadas diariamente, em vez de uma vez por semana. Dava para ver mais lixo do que nos anos anteriores. Também havia cadáveres, uma visão tão devastadora quanto comum nestes dias em que o tempo muda. Agora, como mãe na casa dos 40 anos – ela não tem certidão de nascimento e não sabe seu aniversário exato – Lhakpa sentia cada grama do risco.

Na primeira vez que Lhakpa tocou o gelo azul do Himalaia, ela estava descalça. Uma das onze crianças nascidas de um pastor e uma dona de casa no vilarejo de Makalu, no Nepal, ela cresceu nas encostas do Monte Makalu, o quinto pico mais alto do mundo, com 8.481 metros. Sua família não tinha dinheiro para comprar calçados para todos os filhos, e apenas seus irmãos meninos foram para a escola. “Não tínhamos televisão nem telefone. Eu passava o dia observando ovelhas e pássaros”, disse ela. “Dava para ver o Monte Everest da minha aldeia”.

Presa em casa, ela escapava do olhar fulminante da mãe aventurando-se naquelas montanhas descalça e sozinha. Quando voltava, a mãe preocupada sempre a advertia de que, se por algum milagre ela não fosse comida por um leopardo das neves, ninguém jamais desejaria se casar com ela.

Seu pai via sua força. Em certa primavera, ele a despachou para um ponto acima do acampamento base de Makalu para buscar os cordeiros e bezerros de iaque antes que os leopardos os encontrassem. Lá ela se deparou com homens sherpa em roupas especiais, com cordas e machados de gelo, preparando-se para escalar a montanha. Ela jurou se tornar um deles, embora as mulheres sherpas não recebessem ofertas para esses empregos.

“Prometi a mim mesma que um dia chegaria ao topo do Everest”, disse ela.

Ela começou a procurar emprego como carregadora aos 15 anos. Babu Chhiri Sherpa, um guia lendário que em 1999 passou um recorde de 21 horas no cume do Monte Everest sem oxigênio suplementar, deu uma chance quando ela completou 17.

Ela começou como carregadora, levando cargas pesadas por montanhas íngremes, e em dois anos foi promovida a ajudante de cozinha – um título que ilustra a carreira incomum de Lhakpa. Caminhava e escalava o dia todo, depois montava a barraca da cozinha e descascava cebola e alho por horas a fio antes de servir os guias e seus clientes. Ela recebia cerca de US$ 50 por mês.

Em 2000, menos de dez anos desde que se tornara carregadora, Lhakpa abordou a futura vice-primeira-ministra Sujata Koirala, então mais conhecida como filha da primeira-ministra Girija Prasad Koirala, com uma proposta para financiar a primeira expedição nepalesa apenas para mulheres. A equipe de sete mulheres, conhecida como Filhas do Everest, iniciou sua jornada em maio daquele ano.

No dia em que a equipe deveria chegar ao cume, seis delas sucumbiram ao mal da altitude. Lhakpa se tornou a segunda mulher nepalesa a chegar ao cume e a primeira a voltar ao acampamento base com segurança. (Em 1993, Pasang Lhamu Sherpa se tornou a primeira a escalar a montanha, mas morreu na descida.)

No ano seguinte, Lhakpa escalou o Everest novamente, menos de três semanas depois de seu mentor, Babu Chhiri, ter caído em uma fenda ao redor do segundo acampamento e morrido. Não seria a última vez que ela perderia amigos na montanha.

Ela estava lá em 2014 quando um bloco de gelo do tamanho de um prédio se desprendeu da encosta oeste do Everest e uma avalanche destruiu uma equipe sherpa na cascata de Khumbu. Dezesseis pessoas morreram. Ela estava descansando no primeiro acampamento quando um terremoto de magnitude 7,8 ocorreu em 25 de abril de 2015, provocando várias avalanches. A mais mortal varreu o acampamento base. Estima-se que 22 pessoas perderam a vida no Everest naquele dia. Metade era nepaleses.

“Perdi muitos dos meus heróis, muitos dos meus melhores amigos”, disse ela.

Sua trajetória de escalada passou por uma reviravolta quando ela se mudou para Connecticut depois de se casar com o alpinista romeno George Dijmarescu, em 2002. Juntos, eles administravam uma empresa de telhados e pinturas. Lhakpa se sentia mais confortável fazendo o trabalho pesado. Subia escadas com telhas empilhadas nos ombros, rasgava telhados antigos e montava novos. Mas Dijmarescu, que morreu em 2020, ficou violento depois que sua primeira filha, Sunny, nasceu, disse ela. Certa noite, em 2012, ele a espancou tanto que ela foi levada ao pronto-socorro, disse ela. Com a ajuda de uma assistente social do hospital, ela e as duas filhas fugiram para um abrigo local onde permaneceram por oito meses.

Desesperada por trabalho, ela conseguiu um emprego de faxineira e acabou mudando a família para um pequeno apartamento. Às vezes, os clientes ouviam seu sobrenome e perguntavam se ela tinha parentes que escalavam as grandes montanhas. Seu primo e seu irmão haviam seguido seu exemplo e agora tinham suas próprias agências de expedição, então ela concordava educadamente e guardava suas realizações para si mesma.

Com o tempo, ela começou a lavar pratos na cozinha comercial de uma filial da Whole Foods. Os colegas de trabalho aos poucos ficaram sabendo de sua história porque às vezes ela deixava a cidade para guiar estrangeiros no Monte Everest. O dinheiro que ela ganhava ia para a poupança da faculdade das filhas.

Em 2022, ela largou o emprego no mercado para tentar seu décimo cume, um número consagrado no montanhismo do Everest. Trinta e quatro homens haviam conseguido. Vinte e seis deles eram nepaleses de ascendência sherpa, incluindo Babu Chhiri. Lhakpa queria quebrar mais um teto de vidro do Himalaia.

Como de costume, ela não tinha patrocinadores. A falta de acordos de patrocínio não é um problema novo na escalada feminina e, se ela quisesse chegar ao cume da montanha com sucesso, precisaria fazê-lo com financiamento próprio.

Quando uma janela meteorológica de três dias se abriu em maio, parecia que todo o acampamento base havia se mobilizado para uma investida ao cume. “Todo mundo sonha em chegar ao cume, mas tinha apenas uma corda”, disse Lhakpa, “e muitos engarrafamentos”.

Ela ultrapassou 7.924 metros por volta das 22h e continuou subindo para a zona da morte acima de 8.000 metros, onde as chances de sucumbir a edema pulmonar ou edema cerebral de alta altitude – ambos os quais podem ser mortais – aumentam a cada hora que passa. Lhakpa estava respirando oxigênio engarrafado, mas essas reservas duram pouco.

Quando a notícia de seu ataque ao cume chegou ao acampamento base, Shiny fez um Puja, um ritual hindu, para rezar por uma passagem segura. Ela tinha um walkie-talkie ao lado da orelha para ouvir o momento exato – 6h30 do dia 12 de maio – em que sua mãe alcançou o teto do mundo pela décima vez. Mas chegar ao cume é apenas a metade do caminho. Ela ainda estava em perigo e, com 200 alpinistas vindo atrás, Lhakpa não demorou muito.

Ela estava sem comida nem água, totalmente exausta, e sua mente ansiosa tentava convencê-la a sentar e descansar na sofrida caminhada montanha abaixo. Ela lutou contra esse impulso mortal várias vezes, concentrando-se em suas filhas.

Shiny, que sempre optara por não fazer caminhadas nos Estados Unidos, fez a extenuante escalada até o primeiro acampamento para comemorar com a mãe. Quando Lhakpa chegou, Shiny viu sua mãe imigrante – que havia trabalhado tanto e superado tantas coisas – em plena alegria pela primeira vez. Lágrimas escorriam pelas bochechas de Lhakpa, que haviam sido queimadas pelo sol e pelo vento.

Embora sua conquista tenha sido espalhada pela imprensa de escalada, os patrocinadores não apareceram. Ela chegou em Connecticut sem emprego e com contas a pagar. A Whole Foods só a trouxe de volta depois de meses. Ela não teve escolha a não ser voltar a fazer faxina de casas.

Mas Lhakpa não considerou isso um revés. E quando as horas de trabalho no Whole Foods voltaram em setembro, ela já estava visualizando sua próxima temporada de primavera no Himalaia. Ela planeja escalar o K2 em 2023, além de outra tentativa de cume no Everest. Desta vez, ela espera trazer as duas filhas para o acampamento base, junto com uma equipe de meninas de todo o mundo.

“Espero trazer vinte filhas”, disse ela. “Quero ensiná-las a escalar e mostrar que todas as meninas podem escalar montanhas”.

Adam Skolnick cobre esportes de aventura. Ele é o autor do livro One Breath: Freediving, Death and the Quest to Shatter Human Limits. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Quando Lhakpa Sherpa entrou no acampamento-base do Monte Everest ao lado de sua filha de 15 anos, Shiny Dijmarescu, em abril do ano passado, parecia um retorno ao lar. Ela estava de volta ao Nepal depois de quatro longos anos, esperando contemplar a vista do teto do mundo pela décima vez. Se bem-sucedida, Lhakpa quebraria seu próprio recorde de maior número de subidas ao Everest por uma mulher.

Ao contrário das rotinas da maioria dos alpinistas, que passam por um treinamento especializado por meses ou até anos, o regime de treinamento de Lhakpa ocorreu em um mercado Whole Foods em West Hartford, Connecticut, onde ela carregava grandes pilhas de frutas e legumes em caixas. Às vezes, ela subia até o topo do Monte Washington, de 1.916 metros, um substituto insatisfatório para a montanha mais alta da Terra.

Quando ela voltou ao Nepal, o Everest parecia diferente. Havia menos neve e gelo, visivelmente, e o que restava parecia menos estável. As cordas e escadas que uma equipe de guias sherpas amarrara nos abismos da notória cascata de gelo de Khumbu tinham de ser consertadas diariamente, em vez de uma vez por semana. Dava para ver mais lixo do que nos anos anteriores. Também havia cadáveres, uma visão tão devastadora quanto comum nestes dias em que o tempo muda. Agora, como mãe na casa dos 40 anos – ela não tem certidão de nascimento e não sabe seu aniversário exato – Lhakpa sentia cada grama do risco.

Na primeira vez que Lhakpa tocou o gelo azul do Himalaia, ela estava descalça. Uma das onze crianças nascidas de um pastor e uma dona de casa no vilarejo de Makalu, no Nepal, ela cresceu nas encostas do Monte Makalu, o quinto pico mais alto do mundo, com 8.481 metros. Sua família não tinha dinheiro para comprar calçados para todos os filhos, e apenas seus irmãos meninos foram para a escola. “Não tínhamos televisão nem telefone. Eu passava o dia observando ovelhas e pássaros”, disse ela. “Dava para ver o Monte Everest da minha aldeia”.

Presa em casa, ela escapava do olhar fulminante da mãe aventurando-se naquelas montanhas descalça e sozinha. Quando voltava, a mãe preocupada sempre a advertia de que, se por algum milagre ela não fosse comida por um leopardo das neves, ninguém jamais desejaria se casar com ela.

Seu pai via sua força. Em certa primavera, ele a despachou para um ponto acima do acampamento base de Makalu para buscar os cordeiros e bezerros de iaque antes que os leopardos os encontrassem. Lá ela se deparou com homens sherpa em roupas especiais, com cordas e machados de gelo, preparando-se para escalar a montanha. Ela jurou se tornar um deles, embora as mulheres sherpas não recebessem ofertas para esses empregos.

“Prometi a mim mesma que um dia chegaria ao topo do Everest”, disse ela.

Ela começou a procurar emprego como carregadora aos 15 anos. Babu Chhiri Sherpa, um guia lendário que em 1999 passou um recorde de 21 horas no cume do Monte Everest sem oxigênio suplementar, deu uma chance quando ela completou 17.

Ela começou como carregadora, levando cargas pesadas por montanhas íngremes, e em dois anos foi promovida a ajudante de cozinha – um título que ilustra a carreira incomum de Lhakpa. Caminhava e escalava o dia todo, depois montava a barraca da cozinha e descascava cebola e alho por horas a fio antes de servir os guias e seus clientes. Ela recebia cerca de US$ 50 por mês.

Em 2000, menos de dez anos desde que se tornara carregadora, Lhakpa abordou a futura vice-primeira-ministra Sujata Koirala, então mais conhecida como filha da primeira-ministra Girija Prasad Koirala, com uma proposta para financiar a primeira expedição nepalesa apenas para mulheres. A equipe de sete mulheres, conhecida como Filhas do Everest, iniciou sua jornada em maio daquele ano.

No dia em que a equipe deveria chegar ao cume, seis delas sucumbiram ao mal da altitude. Lhakpa se tornou a segunda mulher nepalesa a chegar ao cume e a primeira a voltar ao acampamento base com segurança. (Em 1993, Pasang Lhamu Sherpa se tornou a primeira a escalar a montanha, mas morreu na descida.)

No ano seguinte, Lhakpa escalou o Everest novamente, menos de três semanas depois de seu mentor, Babu Chhiri, ter caído em uma fenda ao redor do segundo acampamento e morrido. Não seria a última vez que ela perderia amigos na montanha.

Ela estava lá em 2014 quando um bloco de gelo do tamanho de um prédio se desprendeu da encosta oeste do Everest e uma avalanche destruiu uma equipe sherpa na cascata de Khumbu. Dezesseis pessoas morreram. Ela estava descansando no primeiro acampamento quando um terremoto de magnitude 7,8 ocorreu em 25 de abril de 2015, provocando várias avalanches. A mais mortal varreu o acampamento base. Estima-se que 22 pessoas perderam a vida no Everest naquele dia. Metade era nepaleses.

“Perdi muitos dos meus heróis, muitos dos meus melhores amigos”, disse ela.

Sua trajetória de escalada passou por uma reviravolta quando ela se mudou para Connecticut depois de se casar com o alpinista romeno George Dijmarescu, em 2002. Juntos, eles administravam uma empresa de telhados e pinturas. Lhakpa se sentia mais confortável fazendo o trabalho pesado. Subia escadas com telhas empilhadas nos ombros, rasgava telhados antigos e montava novos. Mas Dijmarescu, que morreu em 2020, ficou violento depois que sua primeira filha, Sunny, nasceu, disse ela. Certa noite, em 2012, ele a espancou tanto que ela foi levada ao pronto-socorro, disse ela. Com a ajuda de uma assistente social do hospital, ela e as duas filhas fugiram para um abrigo local onde permaneceram por oito meses.

Desesperada por trabalho, ela conseguiu um emprego de faxineira e acabou mudando a família para um pequeno apartamento. Às vezes, os clientes ouviam seu sobrenome e perguntavam se ela tinha parentes que escalavam as grandes montanhas. Seu primo e seu irmão haviam seguido seu exemplo e agora tinham suas próprias agências de expedição, então ela concordava educadamente e guardava suas realizações para si mesma.

Com o tempo, ela começou a lavar pratos na cozinha comercial de uma filial da Whole Foods. Os colegas de trabalho aos poucos ficaram sabendo de sua história porque às vezes ela deixava a cidade para guiar estrangeiros no Monte Everest. O dinheiro que ela ganhava ia para a poupança da faculdade das filhas.

Em 2022, ela largou o emprego no mercado para tentar seu décimo cume, um número consagrado no montanhismo do Everest. Trinta e quatro homens haviam conseguido. Vinte e seis deles eram nepaleses de ascendência sherpa, incluindo Babu Chhiri. Lhakpa queria quebrar mais um teto de vidro do Himalaia.

Como de costume, ela não tinha patrocinadores. A falta de acordos de patrocínio não é um problema novo na escalada feminina e, se ela quisesse chegar ao cume da montanha com sucesso, precisaria fazê-lo com financiamento próprio.

Quando uma janela meteorológica de três dias se abriu em maio, parecia que todo o acampamento base havia se mobilizado para uma investida ao cume. “Todo mundo sonha em chegar ao cume, mas tinha apenas uma corda”, disse Lhakpa, “e muitos engarrafamentos”.

Ela ultrapassou 7.924 metros por volta das 22h e continuou subindo para a zona da morte acima de 8.000 metros, onde as chances de sucumbir a edema pulmonar ou edema cerebral de alta altitude – ambos os quais podem ser mortais – aumentam a cada hora que passa. Lhakpa estava respirando oxigênio engarrafado, mas essas reservas duram pouco.

Quando a notícia de seu ataque ao cume chegou ao acampamento base, Shiny fez um Puja, um ritual hindu, para rezar por uma passagem segura. Ela tinha um walkie-talkie ao lado da orelha para ouvir o momento exato – 6h30 do dia 12 de maio – em que sua mãe alcançou o teto do mundo pela décima vez. Mas chegar ao cume é apenas a metade do caminho. Ela ainda estava em perigo e, com 200 alpinistas vindo atrás, Lhakpa não demorou muito.

Ela estava sem comida nem água, totalmente exausta, e sua mente ansiosa tentava convencê-la a sentar e descansar na sofrida caminhada montanha abaixo. Ela lutou contra esse impulso mortal várias vezes, concentrando-se em suas filhas.

Shiny, que sempre optara por não fazer caminhadas nos Estados Unidos, fez a extenuante escalada até o primeiro acampamento para comemorar com a mãe. Quando Lhakpa chegou, Shiny viu sua mãe imigrante – que havia trabalhado tanto e superado tantas coisas – em plena alegria pela primeira vez. Lágrimas escorriam pelas bochechas de Lhakpa, que haviam sido queimadas pelo sol e pelo vento.

Embora sua conquista tenha sido espalhada pela imprensa de escalada, os patrocinadores não apareceram. Ela chegou em Connecticut sem emprego e com contas a pagar. A Whole Foods só a trouxe de volta depois de meses. Ela não teve escolha a não ser voltar a fazer faxina de casas.

Mas Lhakpa não considerou isso um revés. E quando as horas de trabalho no Whole Foods voltaram em setembro, ela já estava visualizando sua próxima temporada de primavera no Himalaia. Ela planeja escalar o K2 em 2023, além de outra tentativa de cume no Everest. Desta vez, ela espera trazer as duas filhas para o acampamento base, junto com uma equipe de meninas de todo o mundo.

“Espero trazer vinte filhas”, disse ela. “Quero ensiná-las a escalar e mostrar que todas as meninas podem escalar montanhas”.

Adam Skolnick cobre esportes de aventura. Ele é o autor do livro One Breath: Freediving, Death and the Quest to Shatter Human Limits. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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