Ter uma casa que comporte maior número de torcedores e ainda garanta conforto, segurança e facilidade para o acesso às praças esportivas em dias de jogos. Essa é uma tendência que vem ganhando corpo em tempos recentes no futebol. Liderando essa nova corrente estão clubes de tradição internacional como Real Madrid, Barcelona e Manchester City. Na América do Sul, o movimento não é diferente. Na Argentina, o Monumental de Nuñez, casa do River Plate, teve a sua capacidade ampliada para pouco mais de 83 mil pessoas e ostenta o título de maior estádio do continente.
Por aqui, essa onda também já faz efeito. Nos dois centros esportivos mais badalados do Brasil, por exemplo, o São Paulo já tornou público o desejo de reformar o Morumbi. Ampliar sua capacidade. No Rio, o Flamengo admite construir um estádio para 100 mil pessoas, e o Vasco pretende praticamente dobrar a lotação de São Januário. A tendência de estádios maiores tem apenas uma finalidade: receber mais torcedores. Com isso, aumentar suas receitas com bilheterias.
Finalista da Copa do Brasil e acostumado a sediar jogos para um público superior a 120 mil pessoas entre as décadas de 1970, 80 e 90, o São Paulo sempre teve o Morumbi como um de seus grandes patrimônios. Envelhecido, o estádio perdeu o glamour com a construção das modernas arenas esportivas, capitaneadas pela Copa do Mundo em 2014. O presidente Júlio Casares, no entanto, sinaliza a intenção de fazer uma reforma ampla no Morumbi.
Júlio Casares, em entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura.
Em meio a uma dívida próxima dos R$ 700 milhões, Casares afirma ser possível elaborar um projeto por meio de um estudo para que o clube consiga revitalizar o Morumbi a fim de trazer de volta ao estádio os grandes públicos de antigamente.
“No futebol, a dinâmica de uma empresa é sempre repensar esses quesitos. Eu vejo as arenas hoje e parece que o futebol ficou meio gourmetizado. Eu gosto muito de estádio. Sem prejuízo de melhorar o conforto, mas não posso abrir mão de um sócio-torcedor popular, que é esse que nos deu a condição de ser o São Paulo que é hoje. Temos de achar um equilíbrio, uma equação. O sonho do São Paulo de se tornar a maior torcida do Brasil está sendo uma realidade. Quem sabe podemos sonhar com um estádio ainda maior”, disse.
No Rio, o Vasco também tem projeto para aumentar São Januário. Inaugurado em 1927, a casa vascaína foi reformada pela última vez em 2017, quando as arquibancadas foram ampliadas. Após se transformar em uma SAF (Sociedade Anônima de Futebol), o objetivo agora é aumentar a capacidade atual de 21,8 mil lugares para 43 mil. É o dobro de gente e de receita.
À medida que o clube só consegue atuar no Maracanã através de disputa na Justiça, já que o principal estádio carioca é administrado por Flamengo e Fluminense, aumentar a capacidade de São Januário se torna necessária. “Estamos acompanhando isso de perto”, disse Jorge Salgado, presidente do clube, que quer reformar a casa vascaína através do potencial construtivo do terreno. A obra está orçada na casa dos R$ 500 milhões.
O Santos também tem um projeto com a WTorre para derrubar a Vila Belmiro e erguer no lugar uma nova arena para 30 mil torcedores. Dobraria sua capacidade. Tanto a Vila quanto São Januário não competem com os gigantes da Europa, mas a lógica é a mesma: abrir espaço para mais torcedores por jogo.
Na lista das maiores arenas do Brasil, o Maracanã aparece no topo. Atualmente, pode receber 78.838 pessoas. Com cerca de seis mil lugares a menos, o Mané Garrincha, que fica no Distrito Federal, aparece em segundo lugar. O Morumbi vem logo a seguir, com 66.795. Fechando a lista dos cinco maiores palcos esportivos há o Castelão, que supera os 63 mil assentos, e o Mineirão, que abriga pouco mais de 61 mil torcedores. Barcelona e Real Madrid estão na casa dos 80 mil e 110 mil lugares, respectivamente, após as reformas.
Conforto e segurança são prioridades em estádios modernos
Manter conforto e segurança para o torcedor em meio ao crescimento dos estádios é um desafio também. Para Léo Rizzo, responsável pela Soccer Hospitality, que faz a gestão de camarotes nos estádios do Corinthians, Palmeiras, São Paulo, Santos e Botafogo, é preciso uma demanda por ofertas que extrapolem o âmbito da partida.
“Temos de buscar experiências para além do jogo em si. Com a presença dos ídolos dos clubes em nossos espaços, por exemplo, tentamos levar algo inédito aos torcedores. Estas ações estão caindo nas graças das pessoas. Shows musicais, contato direto com ex-jogadores, comida e bebida à vontade, são alguns dos serviços que agregam a ida ao palco de um jogo”, afirmou Rizzo.
Também fora da capital paulista, a melhoria dos estádios é uma tendência cada vez maior e pode ser notada com as reformas da Vila Belmiro, em Santos, e do Nabi Abi Chedid, do Red Bull Bragantino, em Bragança Paulista.
Na região Nordeste, quem dá vez a essa prática é o Sport. O rubro-negro do Recife está ampliando a Ilha do Retiro e revitalizou o setor de cadeiras centrais, além de promover a requalificação do piso. O clube fechou um acordo com a Imply, uma das principais empresas em acessos, ticketing e autoatendimento para a implementação do sistema de biometria.
Apesar de entender os benefícios que as novas arenas trazem ao torcedor na questão do conforto, Yuri Romão, presidente do clube rubro-negro do Recife, destaca pontos importantes que viabilizam as reformas nos estádios tradicionais. “Acredito que as arenas atendem melhor aos anseios da torcida, mas é importante ressaltar que nos grandes centros urbanos inexistem áreas próximas que comportem uma arena. Por isso, muitos clubes preferem melhorar seus estádios por causa da localização.” Com capacidade atual de 26 mil pessoas, a Ilha vai chegar a 32 mil lugares.
River Plate é espelho para o São Paulo após ampliação do Monumental de Nuñez
Na Argentina, para sair dos 72 mil torcedores e receber agora 83.196 mil pessoas, o River Plate executou as obras nas temporadas de 2022 e 2023. O clube construiu mais três arquibancadas no espaço da antiga pista de atletismo.
A aposta em trazer de volta os grandes públicos sem abrir mão do bem-estar do torcedor já é realidade na Europa também. Atual campeão da Champions League, o Manchester City inicia a expansão das arquibancadas do setor norte do Etihad Stadium em novembro. Com as obras, a capacidade vai aumentar de 53,4 mil para 60 mil lugares. O poderoso time inglês vai ganhar ainda um centro comercial, que será construído ao lado do estádio. A reforma deve atingir a cifra de 300 milhões de libras (algo em torno de R$ 1,83 bilhão).
Tatiana Fasolari, vice-presidente da Fast Engenharia, destaca o projeto do estádio inglês. “Com todos os espaços previstos, este é mais um exemplo de planejamento com tudo o que já há de moderno. A reforma fluirá da melhor maneira possível e poderá atender a expectativa de que o setor norte esteja pronto durante a temporada de 2025/2026″, diz.
Na Espanha, os dois gigantes também investiram em reformas. Após 89 dias de obras, o Real Madrid recebeu o Getafe no início de setembro no novo Santiago Bernabéu, que agora supera as 84 mil pessoas. O rival Barcelona também arregaçou as mangas para melhorar sua casa. O Camp Nou, estádio com 66 anos de história, vai ser reconstruído e sua capacidade vai saltar de 99 mil para 110 mil espectadores. A previsão para que o clube possa voltar a atuar em seus domínios está estimada para 2026.
Arena MRV é aposta do Atlético-MG
Em busca de uma recuperação no cenário nacional para voltar a ser protagonista ao lado de Flamengo e Palmeiras, o Atlético-MG investiu na construção da Arena MRV. Com capacidade para 47 mil pessoas, o clube mineiro pontuou as vantagens dessa nova fase.
“A Arena MRV é a mais tecnológica, moderna, inclusiva e sustentável da América Latina e tem ainda o custo por assento mais barato do Brasil. No lado financeiro, o clube agora tem faturamento com bares, estacionamento e outros ativos da Arena MRV que superam os R$ 200 mil em cada partida, mesmo sem utilizarmos a capacidade total do estádio. Além disso, vendemos naming rights de todos os setores de arquibancadas, de ambulatório e lounges e ainda podemos ter um faturamento importante com os eventos fora futebol”, informou em nota, a assessoria de comunicação do clube.
Sobre a capacidade mais enxuta, abaixo dos 50 mil, a assessoria informou que a nova arena atende perfeitamente aos anseios do clube de Belo Horizonte nesse momento. “Nenhum estádio do mundo tem capacidade para receber toda a torcida do Atlético-MG. Há estudos que comprovam a capacidade de novos estádios terem uma taxa de ocupação de quase 100% nos primeiros anos e essa é a expectativa do Atlético-MG.” Tem a ver também com investimento. Um estádio para mais torcedores implica em mais gastos.
Na capital paulista, o Corinthians também tem vantagens que extrapolam o futebol em função do seu novo estádio, em Itaquera, erguido para a Copa de 2014. Segundo Gilberto Corazza, superintendente de novos negócios e marketing do clube e responsável também pela gestão comercial da Neo Química Arena, o retorno já começa no entorno do estádio.
“A arena é um polo de consumo e entretenimento da zona Leste paulistana não só em dias de jogos. O Tour da Casa do Povo está entre as atividades turísticas da cidade. Restaurantes e bares têm intensa atividade toda semana. Entre outras coisas, a Arena tem ainda academia, loja do clube, locadora de veículos, heliponto e estacionamentos. O estádio oferece estrutura para feiras, convenções, conferências, shows, festas e casamentos”, afirmou o dirigente.
O lado financeiro também ganha um respiro com receitas vindas da arena. “Temos gestão total sobre oportunidades comerciais que antes não controlávamos, como camarotes, eventos, lojas e outros espaços de consumo e hospitalidade. Os painéis de LED do anel superior, os telões e as diversas telas digitais são mídias sob operação e comercialização integrais do Corinthians”, disse Corazza.
Tudo isso é muito importante, clubes como Corinthians e Palmeiras aprenderam a usar suas novas arenas. Trata-se de uma tendência que veio para ficar no futebol brasileiro e também como parte turística da cidade de São Paulo. Esses clubes, no entanto, também já perceberam que seus estádios estariam da mesma forma lotados se tivessem mais lugares disponíveis. A procura por ingressos se tornou uma febre. Palmeiras e Corinthians, se tivessem arenas maiores, certamente operariam com casas cheias durante toda a temporada.