O estágio atual da seleção brasileira, há mais de duas décadas sem ganhar uma Copa do Mundo, eliminada por europeus no mata-mata dos últimos cinco Mundiais e protagonista de uma de suas piores campanhas na história das Eliminatórias Sul-Americanas, é consequência do longo tempo sem investimento em estrutura e, principalmente, na formação de treinadores. Essa é a avaliação de Raí, tetracampeão do mundo em 1994.
Para o ex-jogador, que divide sua vida entre o Brasil e a França, onde voltou a morar para ganhar o diploma de mestre em Políticas Públicas pela Universidade Sciences Po, uma das mais prestigiadas do mundo, a perda de prestígio da seleção, com resultados ruins em diferentes categorias, da base à principal, é resultado da demora em investir em formadores. Os talentos, ele diz, continuam surgindo em profusão, mas só isso não basta - embora os dirigentes tenham pensado que bastariam.
“Na minha opinião, o Brasil adormeceu por muito tempo no seus investimentos, falando da parte técnica, não só da parte estrutural”, afirma Raí em entrevista ao Estadão. “Na parte técnica, acho que o Brasil ficou muito tempo acreditando só no talento e não investiu na formação de treinadores, formadores, da base no sentido múltiplo”.
O Brasil está em seu terceiro treinador em menos de um ano. Passaram Ramon Menezes (interinamente) e Fernando Diniz antes de Dorival Júnior chegar. Foi ele a aposta de Ednaldo Pereira depois que o presidente da CBF teve de lidar com a negativa do italiano Carlo Ancelotti. O início parecia promissor, mas a péssima campanha na Copa América, com eliminação nas quartas, indicou que será longo - e difícil - o caminho até a Copa do Mundo de 2026.
Nas Eliminatórias, o Brasil até melhorou sua posição. Saltou para a quarta posição, com 10 pontos, graças à vitória sobre o Equador por 1 a 0 na última sexta-feira. O problema é que o futebol jogado continua pobre e burocrático, e Dorival não conseguiu - até o momento - fazer com que as estrelas se destaquem coletivamente. Nesta terça, às 21h30, encara o Paraguai em Assunção.
Raí, tetracampeão mundial com a seleção brasileira
Na visão de Raí, há “pé de obra” em abundância, como Vini Jr, Rodrygo, Endrick e Estevão, os dois últimos astros revelados pelo Palmeiras. Mas o Brasil não voltará ao topo do futebol mundial “apenas” com o talento desses jogadores.
“A gente sabe que o Brasil pode ganhar uma Copa, uma Copa América ou ou alguma competição importante a qualquer momento. Pode ganhar uma Copa do Mundo, mas a gente sabe que não tem os os meios ideais para isso, para se considerar um favorito”, opina o ídolo do São Paulo.
Raí, tetracampeão mundial com a seleção brasileira
Embaixador em Paris
Raí foi por quatro anos diretor executivo de futebol do São Paulo. Desde 2021, quando decidiu sair do clube do qual é ídolo, não voltou a ser dirigente. Mas ele segue envolvido com o futebol. É embaixador do Paris FC, pequeno clube da capital francesa para o qual trouxe investidores - um francês e um americano - além de patrocinadores.
“Cheguei no clube para atrair investidores e patrocinadores e dar ideias de como o clube pode se desenvolver e crescer. Esse é meu papel. Faço parte de um comitê comercial e que pensa o desenvolvimento do clube para o futuro. Coloco trabalho e minha imagem”, explica. “Trouxe a Renault, por exemplo. Estamos pra fechar com mais um investidor, que vai elevar o clube a outro patamar, e vamos ter condições para brigar para subir à primeira divisão e ficar. Temos um projeto ambicioso”.
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No São Paulo, sua experiência como cartola não foi das melhores. Ele recebeu críticas em mais de três anos em razão das constantes trocas de treinadores e dos reforços que não tiveram o desempenho esperado. Talvez por isso não está em seus planos, no momento, voltar a ser executivo no Brasil.
“Estou em uma outra no projeto no Paris FC. Tenho certeza que tenho muito a colaborar em projeto ligados ao futebol, como a gente vai ver em breve no Paris FC e como foi no momento que já era complicado no São Paulo, mas de alguma forma tem a minha contribuição”. Seu pensamento é de que o futebol brasileiro só vai evoluir quando a liga única de clubes for criada e o esporte não for mais gerido pela CBF.
“A gente fala da dificuldade de trabalhar com futebol. Na França, você tem uma liga que tem um século. No Brasil, não tem, os clubes não conseguem se juntar para pensar o produto futebol como um todo”, reflete. “Para você resolver os problemas do futebol brasileiro, ou pelo menos ter avanços importantes, precisa de um mínimo de união entre os os maiores interessados que são os próprios clubes e representantes dos seus torcedores”.