ENVIADO ESPECIAL A DOHA - Ao caminhar pelo Grand Hamad Stadium, QG da seleção brasileira no Catar durante a Copa do Mundo, saltam aos olhos frases e palavras motivacionais. “Confiança não se pega e se solta quando quer. Aproveite o momento da confiança” e “preparem-se bem para merecer vencer” são duas delas.
Os termos de cunho motivacional e que estimulam a competitividade no grupo de jogadores estampam as paredes das instalações internas do CT em Doha por orientação de Tite. O técnico dispensou pelo segundo Mundial seguido a presença de um psicólogo na delegação e atua como uma espécie de coach.
Cada expressão presente nos corredores, vestiário, academia e outras salas internas do centro de treinamento foi colocada com a anuência de Tite. O departamento de logística consultou o treinador, acostumado a ler livros de autoajuda e que contam histórias de superação.
“Coragem”, “determinação”, “força”, “equilíbrio” e “trabalho” são termos presentes no discurso técnico e também nas paredes do centro de treinamento que pertence ao clube catariano Al Arabi. “Confiança não se pega e se solta quando quer. Aproveite o momento de confiança” também se lê no espaço.
No espaço de convivência destinado a familiares, amigos e convidados dos jogadores, existe uma grande tabela da Copa do Mundo, colada ali com a ideia de que os atletas mantenham as expectativas altas e não se esqueçam de acompanhar os adversários.
Espalhadas pelos corredores do CT estão imagens marcantes dos cinco títulos mundiais. Na última delas aparece Ronaldo erguendo a taça do penta. Nas paredes também estão as fichas dos jogos da seleção nas Eliminatórias e a foto do grupo comemorando a classificação ao Mundial catariano depois da vitória sobre a Colômbia na Neo Química Arena.
“Concentrem e desfrutem” é a mensagem que Tite e sua comissão passam aos atletas. O plano é que eles saibam lidar com as alegrias e frustrações durante o Mundial. O grupo tem jogadores experientes, como o capitão Thiago Silva, de 38 anos, mas 16 dos 26 convocados jogam o maior torneio de futebol do planeta pela primeira vez.
AUSÊNCIA DE PSICÓLOGO
A delegação brasileira em Doha é composta por 60 pessoas, considerando os 26 atletas convocados. Há um chefe de cozinha, roupeiros, fisioterapeutas, fisiologistas, médicos, observadores técnicos, analistas de desempenho, preparador físico, entre outros, mas nenhum psicólogo.
O argumento para dispensar o profissional responsável por cuidar da saúde mental do grupo mais uma vez, repetindo o que aconteceu no Mundial da Rússia, quatro anos atrás, é o tempo curto em que a Copa é realizada, durante um mês, além dos cinco dias de preparação da seleção em Turim, na Itália - foi o menor período preparatório para um Mundial.
Na visão de Tite, esse período é insuficiente para que os atletas criem conexão e um vínculo de confiança com um psicólogo. João Ricardo Cozac, presidente da Associação Paulista de Psicologia do Esporte, discorda do treinador. “A presença de psicólogos não garante a vitória, mas a ausência pode ser determinante nas derrotas”, opina o profissional.
Tite dá atenção à saúde mental dele e dos jogadores, tanto que fez acompanhamento psicológico antes da Copa com uma psicóloga disponibilizada pela CBF.
Desde 2016 no comando da seleção, o treinador reconhece que os jogos da Copa “têm um componente emocional muito grande” e sabe que a pressão e as cobranças obrigam os atletas a buscar ajuda de um profissional especializado. Boa parte deles tem um profissional de sua confiança e cuida do aspecto mental, tema para o qual a comunidade esportiva passou a dar mais importância depois que a americana Simone Biles, estrela da ginástica, desistiu de competir em cinco provas da Olimpíada de Tóquio ano passado porque estava sobrecarregada emocionalmente.
Neymar, por exemplo, revelou abatimento e chorou depois de sentir o tornozelo direito contra a Sérvia. Ele teve lesão ligamentar detectada e passa boa parte de sua rotina no Catar na sala de fisioterapia do hotel onde está hospedada a delegação.
“Os jogadores vivem em um ambiente de pressão com muitas cobranças. Se não tiverem uma rede de apoio inclusive psicológica, isso acaba sendo uma porta de entrada para sintomas depressivos, ansiedade, pânico, vícios entre outros transtornos”, explica Vanessa Gebrim, especialista em psicologia clínica pela PUC-SP. “Fica muito mais difícil jogar quando o atleta não está bem emocionalmente, ele fica mais distraído, toma decisões erradas” acrescenta a psicóloga.
Ao abrir mão de um psicólogo no Catar, Tite vai de encontro ao que fazem França, Bélgica, México, Inglaterra e Alemanha. Essas seleções investem na tecnologia e em técnicas modernas de preparação psicológica no formato contínuo do trabalho. Os jogadores recebem apoio individual de forma remota e, quando se juntam para as competições, realizam trabalhos de união, coesão e motivação com psicólogos esportivos. “Poderíamos fazer a mesma coisa por aqui”, lamenta Cozac.