Sérvia e Suíça se enfrentam na Copa com clima político tenso e ares de revanche; entenda


Xherdan Shaqiri e Granit Xhaka vão estar em campo novamente após jogo polêmico entre os países no Mundial da Rússia, em 2018

Por Pedro Ramos
Atualização:

Sérvia e Suíça se enfrentam pela última rodada da fase de grupos da Copa do Mundo com muita coisa em jogo. Além da classificação às oitavas de final, a partida carrega um cenário geopolítico tenso, o maior deste Mundial. O duelo ainda traz ares de revanche já que os suíços venceram os sérvios na Copa de 2018, de virada, com um gol nos minutos finais.

Xherdan Shaqiri e Granit Xhaka marcaram os gols da vitória. A dupla tem origem da Albânia e do Kosovo, ambos com relações diplomáticas bastante delicadas com os sérvios. Tanto Shaqiri quanto Xhaka comemoraram seus gols fazendo o símbolo da águia de duas cabeças que estampa a bandeira da Albânia. A celebração gerou uma grande polêmica e a Fifa multou os dois atletas, pois proíbe manifestações políticas em jogos.

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Até o então presidente do Kosovo, Hashim Thaci, acusado de crimes de guerra, publicou uma mensagem em sua conta no Twitter parabenizando os dois jogadores suíços. “Vitória merecida. Orgulhoso de ambos. Kosovo ama vocês”.

Granit Xhaka nasceu na Suíça, mas seu pai Ragip é kosovar e ficou mais de três anos preso e torturado por protestar contra o governo na antiga Iugoslávia. À época, o Kosovo era uma província autônoma do país. Foi de Xhaka o primeiro gol suíço sobre os sérvios no duelo em 2018.

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As chuteiras de Shaqiri na Copa do Mundo de 2018 carregavam detalhes com as bandeiras da Suíça e do Kosovo. Foto: GONZALO FUENTES / REUTERS

“Ele era um kosovar orgulhoso e achava que tinham o direito de existir. Ele estava defendendo seus direitos e eram direitos democráticos básicos – necessidades, como poder votar”, disse ao Guardian em 2017.

Já Shaqiri é natural da cidade kosovar de Gjilan e sua família se mudou para a Suíça quando ele ainda era criança. Na Copa de 2018, ele usou chuteiras com detalhes das bandeiras da Suíça e do Kosovo. Saiu do seu pé esquerdo o gol da vitória dramática nos últimos minutos de partida. Camisa 9 da Sérvia, o atacante Aleksandar Mitrovic não gostou nada da comemoração de Shaqiri no jogo.

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Se ele ama Kosovo tanto assim e decidiu usar a bandeira, por que ele se recusou a jogar por sua seleção?

Questionado sobre o gesto, Shaqiri preferiu não alimentar a polêmica. “É algo que eu penso, não quero falar sobre isso”, afirmou o jogador. “No futebol, vivemos sempre de sentimentos. Todos puderam ver o que fiz e é apenas um sentimento. Apenas me sinto feliz por ter marcado o gol. Fiz o gesto e não quero falar sobre isso.”

Sérvia e Kosovo

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Para entender melhor as relações na região dos Bálcãs, é preciso voltar no tempo. Após a dissolução da Iugoslávia na década de 1990, diversos países da região, como Sérvia, Croácia, Albânia e Bósnia se envolveram em guerras, com um cenário gravíssimo de atrocidades e massacres entre grupos étnicos.

“A Iugoslávia era um estado multinacional, com dezenas de nacionalidades diferentes Sérvios, croatas, albaneses… O país acabou se desintegrando em linhas nacionais”, explica Angelo Segrillo, professor de História Contemporânea na USP.

“Nessa desintegração, o território do Kosovo (historicamente disputado pelos impérios Bizantino, Sérvio e Otomano), que na antiga Iugoslávia formava uma província autônoma dentro da república da Sérvia, por causa do longo domínio otomano sobre a região, tinha grande parte da população muçulmana (diferentemente dos sérvios, que eram cristãos ortodoxos). Isso levou a processos independentistas no Kosovo muçulmano para se separar também da Sérvia cristã ortodoxa”.

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Bandeiras da Sérvia são expostas na rua na cidade de Mitrovica, no Kosovo, onde os sérvios são maioria. Foto: REUTERES/Ognen Teofilovski

Com 90% da população de origem albanesa, a região autônoma de Kosovo fazia parte da Iugoslávia. A tensão étnica levou a um movimento separatista, que em 1996 fundou o Exército da Libertação do Kosovo para se opor ao governo central da Iugoslávia, liderado por Slobodan Milosevic.

O conflito chegou ao ápice em 1998 e, após denúncias de que Milosevic estava promovendo o massacre de albaneses, e depois do fracasso da diplomacia, a Otan decidiu intervir com ataques aéreos contra alvos iugoslavos em Belgrado e Pristina. Foram 79 dias de bombardeios, ao fim dos quais os sérvios saíram do Kosovo, deixando a região sob supervisão das Nações Unidas. O Kosovo declarou sua independência unilateralmente em fevereiro de 2008, mas a Sérvia não reconhece a autonomia de sua ex-província.

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Granit Xhaka, de origem albanesa kosovar, comemora o gol da Suíça sobre a Sérvia na Copa de 2018, fazendo o gesto da águia de duas cabeças, presente na bandeira da Albânia. Foto: GONZALO FUENTES / REUTERS

Os sérvios consideram o Kosovo como parte do seu território e buscam sua reincorporação. A região é vista, na interpretação dos sérvios, como de extremo simbolismo e de grande identificação nacional. A Batalha do Kosovo entre sérvios e turco-otomanos, uma das principais da história da Sérvia, ocorreu ali em 1389.

O Brasil, assim como muitos outros países, não reconhece a independência do Kosovo. Contesta a decisão porque entende que as normas de soberania e integridade territorial foram desrespeitadas. O país de menos de 2 milhões de habitantes não faz parte da ONU porque a Rússia, histórica aliada da Sérvia, veta sua entrada.

Recentemente, o cenário foi de apreensão na região. No ano passado, o governo do Kosovo decidiu proibir a circulação de automóveis com placa da Sérvia, que já fazia o mesmo. Uma minoria sérvia que ocupa principalmente o norte do território kosovar e é fiel a Belgrado protestou, bloqueando estradas e entrando em conflito com a polícia na véspera da implementação da lei. Em agosto deste ano, a tensão na região chegou a mobilizar tropas de paz da Otan no território kosovar.

“A Sérvia se considera a origem dos povos sérvios. Eles têm o entendimento de que onde há sérvios que falam sérvio, o estado sérvio tem que estar. Para eles, determinadas etnias nem existem. O presidente sérvio, Aleksandar Vučić, voltou a falar no “Mundo Sérvio”, que são várias regiões por ali, onde há sérvios e que deveriam fazer parte desse grande ecossistema de sérvios”, explica Tanguy Baghdadi, mestre em Relações Internacionais pela PUC-Rio, que ressalta a preocupação na região. “A Sérvia aumentou muito os investimentos militares nos últimos anos”.

Sérvia x Suíça disputam vaga nas oitavas

Seleção da Sérvia estendeu bandeira com o mapa de Kosovo com as cores sérvias e as palavras "sem rendição" Foto: Twitter / @FSSrbije

A apreensão para o confronto desta sexta-feira é grande. No último sábado, a Fifa abriu investigação sobre a polêmica protagonizada pela seleção da Sérvia, que teve vazada a imagem de uma bandeira estendida no vestiário em que aparecia o mapa de Kosovo com as cores sérvias e a frase “sem rendição”, escritos em albanês, antes do jogo com o Brasil.

Tanto Xhaka como Shaqiri seguem como destaques da Suíça, assim como foram em 2018, e integram a equipe que vai a campo diante da Sérvia, nesta sexta-feira, às 16h. Os suíços têm três pontos, dois a mais que os sérvios, que precisam vencer para avançar de fase. “Propaganda (com o futebol) sempre vai ter. Acho que o Vučić vai deixar o resultado mais para a população. O futebol tem um impacto muito mais simbólico do que de mudança política na prática”, diz Baghdadi.

Sérvia e Suíça se enfrentam pela última rodada da fase de grupos da Copa do Mundo com muita coisa em jogo. Além da classificação às oitavas de final, a partida carrega um cenário geopolítico tenso, o maior deste Mundial. O duelo ainda traz ares de revanche já que os suíços venceram os sérvios na Copa de 2018, de virada, com um gol nos minutos finais.

Xherdan Shaqiri e Granit Xhaka marcaram os gols da vitória. A dupla tem origem da Albânia e do Kosovo, ambos com relações diplomáticas bastante delicadas com os sérvios. Tanto Shaqiri quanto Xhaka comemoraram seus gols fazendo o símbolo da águia de duas cabeças que estampa a bandeira da Albânia. A celebração gerou uma grande polêmica e a Fifa multou os dois atletas, pois proíbe manifestações políticas em jogos.

Até o então presidente do Kosovo, Hashim Thaci, acusado de crimes de guerra, publicou uma mensagem em sua conta no Twitter parabenizando os dois jogadores suíços. “Vitória merecida. Orgulhoso de ambos. Kosovo ama vocês”.

Granit Xhaka nasceu na Suíça, mas seu pai Ragip é kosovar e ficou mais de três anos preso e torturado por protestar contra o governo na antiga Iugoslávia. À época, o Kosovo era uma província autônoma do país. Foi de Xhaka o primeiro gol suíço sobre os sérvios no duelo em 2018.

As chuteiras de Shaqiri na Copa do Mundo de 2018 carregavam detalhes com as bandeiras da Suíça e do Kosovo. Foto: GONZALO FUENTES / REUTERS

“Ele era um kosovar orgulhoso e achava que tinham o direito de existir. Ele estava defendendo seus direitos e eram direitos democráticos básicos – necessidades, como poder votar”, disse ao Guardian em 2017.

Já Shaqiri é natural da cidade kosovar de Gjilan e sua família se mudou para a Suíça quando ele ainda era criança. Na Copa de 2018, ele usou chuteiras com detalhes das bandeiras da Suíça e do Kosovo. Saiu do seu pé esquerdo o gol da vitória dramática nos últimos minutos de partida. Camisa 9 da Sérvia, o atacante Aleksandar Mitrovic não gostou nada da comemoração de Shaqiri no jogo.

Se ele ama Kosovo tanto assim e decidiu usar a bandeira, por que ele se recusou a jogar por sua seleção?

Questionado sobre o gesto, Shaqiri preferiu não alimentar a polêmica. “É algo que eu penso, não quero falar sobre isso”, afirmou o jogador. “No futebol, vivemos sempre de sentimentos. Todos puderam ver o que fiz e é apenas um sentimento. Apenas me sinto feliz por ter marcado o gol. Fiz o gesto e não quero falar sobre isso.”

Sérvia e Kosovo

Para entender melhor as relações na região dos Bálcãs, é preciso voltar no tempo. Após a dissolução da Iugoslávia na década de 1990, diversos países da região, como Sérvia, Croácia, Albânia e Bósnia se envolveram em guerras, com um cenário gravíssimo de atrocidades e massacres entre grupos étnicos.

“A Iugoslávia era um estado multinacional, com dezenas de nacionalidades diferentes Sérvios, croatas, albaneses… O país acabou se desintegrando em linhas nacionais”, explica Angelo Segrillo, professor de História Contemporânea na USP.

“Nessa desintegração, o território do Kosovo (historicamente disputado pelos impérios Bizantino, Sérvio e Otomano), que na antiga Iugoslávia formava uma província autônoma dentro da república da Sérvia, por causa do longo domínio otomano sobre a região, tinha grande parte da população muçulmana (diferentemente dos sérvios, que eram cristãos ortodoxos). Isso levou a processos independentistas no Kosovo muçulmano para se separar também da Sérvia cristã ortodoxa”.

Bandeiras da Sérvia são expostas na rua na cidade de Mitrovica, no Kosovo, onde os sérvios são maioria. Foto: REUTERES/Ognen Teofilovski

Com 90% da população de origem albanesa, a região autônoma de Kosovo fazia parte da Iugoslávia. A tensão étnica levou a um movimento separatista, que em 1996 fundou o Exército da Libertação do Kosovo para se opor ao governo central da Iugoslávia, liderado por Slobodan Milosevic.

O conflito chegou ao ápice em 1998 e, após denúncias de que Milosevic estava promovendo o massacre de albaneses, e depois do fracasso da diplomacia, a Otan decidiu intervir com ataques aéreos contra alvos iugoslavos em Belgrado e Pristina. Foram 79 dias de bombardeios, ao fim dos quais os sérvios saíram do Kosovo, deixando a região sob supervisão das Nações Unidas. O Kosovo declarou sua independência unilateralmente em fevereiro de 2008, mas a Sérvia não reconhece a autonomia de sua ex-província.

Granit Xhaka, de origem albanesa kosovar, comemora o gol da Suíça sobre a Sérvia na Copa de 2018, fazendo o gesto da águia de duas cabeças, presente na bandeira da Albânia. Foto: GONZALO FUENTES / REUTERS

Os sérvios consideram o Kosovo como parte do seu território e buscam sua reincorporação. A região é vista, na interpretação dos sérvios, como de extremo simbolismo e de grande identificação nacional. A Batalha do Kosovo entre sérvios e turco-otomanos, uma das principais da história da Sérvia, ocorreu ali em 1389.

O Brasil, assim como muitos outros países, não reconhece a independência do Kosovo. Contesta a decisão porque entende que as normas de soberania e integridade territorial foram desrespeitadas. O país de menos de 2 milhões de habitantes não faz parte da ONU porque a Rússia, histórica aliada da Sérvia, veta sua entrada.

Recentemente, o cenário foi de apreensão na região. No ano passado, o governo do Kosovo decidiu proibir a circulação de automóveis com placa da Sérvia, que já fazia o mesmo. Uma minoria sérvia que ocupa principalmente o norte do território kosovar e é fiel a Belgrado protestou, bloqueando estradas e entrando em conflito com a polícia na véspera da implementação da lei. Em agosto deste ano, a tensão na região chegou a mobilizar tropas de paz da Otan no território kosovar.

“A Sérvia se considera a origem dos povos sérvios. Eles têm o entendimento de que onde há sérvios que falam sérvio, o estado sérvio tem que estar. Para eles, determinadas etnias nem existem. O presidente sérvio, Aleksandar Vučić, voltou a falar no “Mundo Sérvio”, que são várias regiões por ali, onde há sérvios e que deveriam fazer parte desse grande ecossistema de sérvios”, explica Tanguy Baghdadi, mestre em Relações Internacionais pela PUC-Rio, que ressalta a preocupação na região. “A Sérvia aumentou muito os investimentos militares nos últimos anos”.

Sérvia x Suíça disputam vaga nas oitavas

Seleção da Sérvia estendeu bandeira com o mapa de Kosovo com as cores sérvias e as palavras "sem rendição" Foto: Twitter / @FSSrbije

A apreensão para o confronto desta sexta-feira é grande. No último sábado, a Fifa abriu investigação sobre a polêmica protagonizada pela seleção da Sérvia, que teve vazada a imagem de uma bandeira estendida no vestiário em que aparecia o mapa de Kosovo com as cores sérvias e a frase “sem rendição”, escritos em albanês, antes do jogo com o Brasil.

Tanto Xhaka como Shaqiri seguem como destaques da Suíça, assim como foram em 2018, e integram a equipe que vai a campo diante da Sérvia, nesta sexta-feira, às 16h. Os suíços têm três pontos, dois a mais que os sérvios, que precisam vencer para avançar de fase. “Propaganda (com o futebol) sempre vai ter. Acho que o Vučić vai deixar o resultado mais para a população. O futebol tem um impacto muito mais simbólico do que de mudança política na prática”, diz Baghdadi.

Sérvia e Suíça se enfrentam pela última rodada da fase de grupos da Copa do Mundo com muita coisa em jogo. Além da classificação às oitavas de final, a partida carrega um cenário geopolítico tenso, o maior deste Mundial. O duelo ainda traz ares de revanche já que os suíços venceram os sérvios na Copa de 2018, de virada, com um gol nos minutos finais.

Xherdan Shaqiri e Granit Xhaka marcaram os gols da vitória. A dupla tem origem da Albânia e do Kosovo, ambos com relações diplomáticas bastante delicadas com os sérvios. Tanto Shaqiri quanto Xhaka comemoraram seus gols fazendo o símbolo da águia de duas cabeças que estampa a bandeira da Albânia. A celebração gerou uma grande polêmica e a Fifa multou os dois atletas, pois proíbe manifestações políticas em jogos.

Até o então presidente do Kosovo, Hashim Thaci, acusado de crimes de guerra, publicou uma mensagem em sua conta no Twitter parabenizando os dois jogadores suíços. “Vitória merecida. Orgulhoso de ambos. Kosovo ama vocês”.

Granit Xhaka nasceu na Suíça, mas seu pai Ragip é kosovar e ficou mais de três anos preso e torturado por protestar contra o governo na antiga Iugoslávia. À época, o Kosovo era uma província autônoma do país. Foi de Xhaka o primeiro gol suíço sobre os sérvios no duelo em 2018.

As chuteiras de Shaqiri na Copa do Mundo de 2018 carregavam detalhes com as bandeiras da Suíça e do Kosovo. Foto: GONZALO FUENTES / REUTERS

“Ele era um kosovar orgulhoso e achava que tinham o direito de existir. Ele estava defendendo seus direitos e eram direitos democráticos básicos – necessidades, como poder votar”, disse ao Guardian em 2017.

Já Shaqiri é natural da cidade kosovar de Gjilan e sua família se mudou para a Suíça quando ele ainda era criança. Na Copa de 2018, ele usou chuteiras com detalhes das bandeiras da Suíça e do Kosovo. Saiu do seu pé esquerdo o gol da vitória dramática nos últimos minutos de partida. Camisa 9 da Sérvia, o atacante Aleksandar Mitrovic não gostou nada da comemoração de Shaqiri no jogo.

Se ele ama Kosovo tanto assim e decidiu usar a bandeira, por que ele se recusou a jogar por sua seleção?

Questionado sobre o gesto, Shaqiri preferiu não alimentar a polêmica. “É algo que eu penso, não quero falar sobre isso”, afirmou o jogador. “No futebol, vivemos sempre de sentimentos. Todos puderam ver o que fiz e é apenas um sentimento. Apenas me sinto feliz por ter marcado o gol. Fiz o gesto e não quero falar sobre isso.”

Sérvia e Kosovo

Para entender melhor as relações na região dos Bálcãs, é preciso voltar no tempo. Após a dissolução da Iugoslávia na década de 1990, diversos países da região, como Sérvia, Croácia, Albânia e Bósnia se envolveram em guerras, com um cenário gravíssimo de atrocidades e massacres entre grupos étnicos.

“A Iugoslávia era um estado multinacional, com dezenas de nacionalidades diferentes Sérvios, croatas, albaneses… O país acabou se desintegrando em linhas nacionais”, explica Angelo Segrillo, professor de História Contemporânea na USP.

“Nessa desintegração, o território do Kosovo (historicamente disputado pelos impérios Bizantino, Sérvio e Otomano), que na antiga Iugoslávia formava uma província autônoma dentro da república da Sérvia, por causa do longo domínio otomano sobre a região, tinha grande parte da população muçulmana (diferentemente dos sérvios, que eram cristãos ortodoxos). Isso levou a processos independentistas no Kosovo muçulmano para se separar também da Sérvia cristã ortodoxa”.

Bandeiras da Sérvia são expostas na rua na cidade de Mitrovica, no Kosovo, onde os sérvios são maioria. Foto: REUTERES/Ognen Teofilovski

Com 90% da população de origem albanesa, a região autônoma de Kosovo fazia parte da Iugoslávia. A tensão étnica levou a um movimento separatista, que em 1996 fundou o Exército da Libertação do Kosovo para se opor ao governo central da Iugoslávia, liderado por Slobodan Milosevic.

O conflito chegou ao ápice em 1998 e, após denúncias de que Milosevic estava promovendo o massacre de albaneses, e depois do fracasso da diplomacia, a Otan decidiu intervir com ataques aéreos contra alvos iugoslavos em Belgrado e Pristina. Foram 79 dias de bombardeios, ao fim dos quais os sérvios saíram do Kosovo, deixando a região sob supervisão das Nações Unidas. O Kosovo declarou sua independência unilateralmente em fevereiro de 2008, mas a Sérvia não reconhece a autonomia de sua ex-província.

Granit Xhaka, de origem albanesa kosovar, comemora o gol da Suíça sobre a Sérvia na Copa de 2018, fazendo o gesto da águia de duas cabeças, presente na bandeira da Albânia. Foto: GONZALO FUENTES / REUTERS

Os sérvios consideram o Kosovo como parte do seu território e buscam sua reincorporação. A região é vista, na interpretação dos sérvios, como de extremo simbolismo e de grande identificação nacional. A Batalha do Kosovo entre sérvios e turco-otomanos, uma das principais da história da Sérvia, ocorreu ali em 1389.

O Brasil, assim como muitos outros países, não reconhece a independência do Kosovo. Contesta a decisão porque entende que as normas de soberania e integridade territorial foram desrespeitadas. O país de menos de 2 milhões de habitantes não faz parte da ONU porque a Rússia, histórica aliada da Sérvia, veta sua entrada.

Recentemente, o cenário foi de apreensão na região. No ano passado, o governo do Kosovo decidiu proibir a circulação de automóveis com placa da Sérvia, que já fazia o mesmo. Uma minoria sérvia que ocupa principalmente o norte do território kosovar e é fiel a Belgrado protestou, bloqueando estradas e entrando em conflito com a polícia na véspera da implementação da lei. Em agosto deste ano, a tensão na região chegou a mobilizar tropas de paz da Otan no território kosovar.

“A Sérvia se considera a origem dos povos sérvios. Eles têm o entendimento de que onde há sérvios que falam sérvio, o estado sérvio tem que estar. Para eles, determinadas etnias nem existem. O presidente sérvio, Aleksandar Vučić, voltou a falar no “Mundo Sérvio”, que são várias regiões por ali, onde há sérvios e que deveriam fazer parte desse grande ecossistema de sérvios”, explica Tanguy Baghdadi, mestre em Relações Internacionais pela PUC-Rio, que ressalta a preocupação na região. “A Sérvia aumentou muito os investimentos militares nos últimos anos”.

Sérvia x Suíça disputam vaga nas oitavas

Seleção da Sérvia estendeu bandeira com o mapa de Kosovo com as cores sérvias e as palavras "sem rendição" Foto: Twitter / @FSSrbije

A apreensão para o confronto desta sexta-feira é grande. No último sábado, a Fifa abriu investigação sobre a polêmica protagonizada pela seleção da Sérvia, que teve vazada a imagem de uma bandeira estendida no vestiário em que aparecia o mapa de Kosovo com as cores sérvias e a frase “sem rendição”, escritos em albanês, antes do jogo com o Brasil.

Tanto Xhaka como Shaqiri seguem como destaques da Suíça, assim como foram em 2018, e integram a equipe que vai a campo diante da Sérvia, nesta sexta-feira, às 16h. Os suíços têm três pontos, dois a mais que os sérvios, que precisam vencer para avançar de fase. “Propaganda (com o futebol) sempre vai ter. Acho que o Vučić vai deixar o resultado mais para a população. O futebol tem um impacto muito mais simbólico do que de mudança política na prática”, diz Baghdadi.

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